TEXTOS REVISADO EDIÇÃO # 25
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TEXTOS REVISADO EDIÇÃO # 25
SLAYER – SEASONS IN THE ABYSS
“UM MERGULHO NO ABISMO”
Se você nunca ouviu a banda norte-americana Slayer, uma coisa posso te garantir: ou você vai amar ou odiar, não existe um meio termo. Considerada por muitos como a banda mais influente de Thrash Metal de todos os tempos, o Slayer se caracteriza por fazer um som rápido e direto, com letras ácidas e controversas contendo violência e satanismo, fizeram com que a banda atingisse um numero imenso de fãs que a cultuam com fervor no mundo inteiro.
Seasons In The Abyss foi lançado em 1990, e o álbum foi o sucessor de dois excelentes clássicos: Reign In Blood que é pesado ao extremo, e South Of Heaven que já mostra uma sonoridade mais melódica e trabalhada. Portanto, o que me faz gostar tanto de Seasons é que a banda conseguiu equilibrar na medida certa o peso e a melodia de suas músicas, sendo que deixa a impressão que os dois álbuns anteriores foram fundidos, tornando-se uma peça só. E o que garante a qualidade do álbum é justamente a técnica absurda de seus integrantes que, já mais experientes, demonstram total confiança e domínio sobre seus instrumentos.
O line-up do Slayer é composto pelo vocalista e baixista Tom Araya que toca e canta com uma raça impressionante, nas guitarras Jeff Hanneman e Kerry King criam riffs incríveis e solos que se completam entre si, e na bateria Dave Lombardo, que é um caso à parte, na verdade o cara chega a ser ignorante de tão bom, a precisão e velocidade das suas baquetas e de seu pedal duplo é de impressionar. Dave se afastou da banda em 1992, mas felizmente retornou em 2001 e continua até hoje, dando verdadeiras aulas de como se tocar bateria.
O álbum tem quarenta minutos de duração e possui dez músicas, sendo que o CD começa com War Ensemble, que é uma pedrada na orelha, com solos distorcidos e algumas mudanças de andamento, sua letra descreve a guerra sendo tratada como um esporte. Em seguida, vem Blood Red, Spirit In Black e Expendable Youth que misturam rapidez com cadência, tendo como destaque as excelentes introduções que mesclam o som das guitarras e da bateria em perfeita harmonia. Já Dead Skin Mask é de arrepiar, pois tem como intro um riff de guitarra que se sobrepõe a outro, sendo que o vocal entra falado, dando um aspecto sombrio à música que tem como tema alucinações com pessoas mortas. No decorrer do álbum fica nítido o entrosamento da banda, como podemos ouvir em Hallowed Point, Skeletons Of Society, Temptation e Born Of Fire que são cheias de energia e agressividade. Fechando em grande estilo vem a faixa titulo do álbum Seasons In The Abyss (Temporada no Abismo) que tem como curiosidade o fato de seu videoclipe ter sido filmado em frente às pirâmides do Egito. A canção conta com excelentes arranjos e solos inspirados, que culminam com um refrão empolgante e suas letras discorrem sobre insanidade e isolamento.
Como disse no começo, o Slayer sempre foi foco de várias polêmicas, visto que grande parte de suas letras tem como tema o satanismo ou até mesmo um Deus rancoroso que nos persegue, devido a isso em alguns países a venda de seus CDs foi proibida. Acredito que o mais importante é a musica em si, ou seja, se você gosta do som e ainda existe uma letra que tem um significado positivo pra você, ótimo, caso contrário é só ignorar. Outro detalhe interessante, é que o próprio vocalista da banda é católico, ou seja, as pessoas não deveriam levar tão a sério suas letras ao ponto de não ouvir sua música. Enfim, acho que o grande triunfo do Slayer é fazer um som que permite a seus fãs extravasar suas energias, o que fica evidente nos shows da banda, que segue lançando álbuns de qualidade até hoje. E pra finalizar, despeço-me indicando o CD duplo gravado ao vivo na turnê de Seasons In The Abyss, intitulado Decade Of Agression, que traz vários clássicos do Slayer, sendo eleito pela revista Roadie Crew como um dos cinquenta melhores álbuns ao vivo de Heavy Metal da história.
“UM MERGULHO NO ABISMO”
Se você nunca ouviu a banda norte-americana Slayer, uma coisa posso te garantir: ou você vai amar ou odiar, não existe um meio termo. Considerada por muitos como a banda mais influente de Thrash Metal de todos os tempos, o Slayer se caracteriza por fazer um som rápido e direto, com letras ácidas e controversas contendo violência e satanismo, fizeram com que a banda atingisse um numero imenso de fãs que a cultuam com fervor no mundo inteiro.
Seasons In The Abyss foi lançado em 1990, e o álbum foi o sucessor de dois excelentes clássicos: Reign In Blood que é pesado ao extremo, e South Of Heaven que já mostra uma sonoridade mais melódica e trabalhada. Portanto, o que me faz gostar tanto de Seasons é que a banda conseguiu equilibrar na medida certa o peso e a melodia de suas músicas, sendo que deixa a impressão que os dois álbuns anteriores foram fundidos, tornando-se uma peça só. E o que garante a qualidade do álbum é justamente a técnica absurda de seus integrantes que, já mais experientes, demonstram total confiança e domínio sobre seus instrumentos.
O line-up do Slayer é composto pelo vocalista e baixista Tom Araya que toca e canta com uma raça impressionante, nas guitarras Jeff Hanneman e Kerry King criam riffs incríveis e solos que se completam entre si, e na bateria Dave Lombardo, que é um caso à parte, na verdade o cara chega a ser ignorante de tão bom, a precisão e velocidade das suas baquetas e de seu pedal duplo é de impressionar. Dave se afastou da banda em 1992, mas felizmente retornou em 2001 e continua até hoje, dando verdadeiras aulas de como se tocar bateria.
O álbum tem quarenta minutos de duração e possui dez músicas, sendo que o CD começa com War Ensemble, que é uma pedrada na orelha, com solos distorcidos e algumas mudanças de andamento, sua letra descreve a guerra sendo tratada como um esporte. Em seguida, vem Blood Red, Spirit In Black e Expendable Youth que misturam rapidez com cadência, tendo como destaque as excelentes introduções que mesclam o som das guitarras e da bateria em perfeita harmonia. Já Dead Skin Mask é de arrepiar, pois tem como intro um riff de guitarra que se sobrepõe a outro, sendo que o vocal entra falado, dando um aspecto sombrio à música que tem como tema alucinações com pessoas mortas. No decorrer do álbum fica nítido o entrosamento da banda, como podemos ouvir em Hallowed Point, Skeletons Of Society, Temptation e Born Of Fire que são cheias de energia e agressividade. Fechando em grande estilo vem a faixa titulo do álbum Seasons In The Abyss (Temporada no Abismo) que tem como curiosidade o fato de seu videoclipe ter sido filmado em frente às pirâmides do Egito. A canção conta com excelentes arranjos e solos inspirados, que culminam com um refrão empolgante e suas letras discorrem sobre insanidade e isolamento.
Como disse no começo, o Slayer sempre foi foco de várias polêmicas, visto que grande parte de suas letras tem como tema o satanismo ou até mesmo um Deus rancoroso que nos persegue, devido a isso em alguns países a venda de seus CDs foi proibida. Acredito que o mais importante é a musica em si, ou seja, se você gosta do som e ainda existe uma letra que tem um significado positivo pra você, ótimo, caso contrário é só ignorar. Outro detalhe interessante, é que o próprio vocalista da banda é católico, ou seja, as pessoas não deveriam levar tão a sério suas letras ao ponto de não ouvir sua música. Enfim, acho que o grande triunfo do Slayer é fazer um som que permite a seus fãs extravasar suas energias, o que fica evidente nos shows da banda, que segue lançando álbuns de qualidade até hoje. E pra finalizar, despeço-me indicando o CD duplo gravado ao vivo na turnê de Seasons In The Abyss, intitulado Decade Of Agression, que traz vários clássicos do Slayer, sendo eleito pela revista Roadie Crew como um dos cinquenta melhores álbuns ao vivo de Heavy Metal da história.
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Re: TEXTOS REVISADO EDIÇÃO # 25
A menina que fazia cookies
Rafael Machado Costa
Dedicado a Francine Kloeckner
Em uma cidade distante, próxima à floresta, vivia uma menina conhecida por ser muito doce e prestativa. Certa vez, uma estranha bateu à sua porta e, ao ser recebida, entregou-lhe uma folha de papel e disse — Soube que você é a mais doce das meninas, então lhe trago o segredo de como confeccionar o mais maravilhoso de todos os doces. Assim sendo, acredito que se tornará a responsável pela mais doce de todas as delícias. Até porque já estou velha demais para carregar toda essa responsabilidade. Entretanto, alerto para que tenha cuidado e pense muito bem no que fará com o poder que agora dispõe. — Dito isto, a mulher se despediu e nunca mais foi vista naquela região.
Muitas semanas se passaram e o aniversário da avó da menina se aproximava. Como era realmente tão doce, ou até mais, quanto contava sua reputação, a menina não deixava de se preocupar com como agradaria a sua avozinha. Foi então que se lembrou do pedaço de papel que lhe fora entregue tempos atrás. Procurou-o no lugar onde o guardara, seguro como só uma menina atenciosa faria, desdobrou cuidadosamente o papel e leu em letras grandes impressas no topo “COOKIES”, seguida de uma lista de ingredientes e procedimentos.
Ela acendeu o forno até que ficasse tão caloroso quanto era seu coração. Apanhou sua tigela preferida e nela despejou uma xícara bem cheia de farinha, e depois mais uma e depois ainda mais metade da metade, misturando tudo enquanto cantava uma linda canção, para em seguida acrescentar uma colherada de bicarbonato de sódio e uma de sal.
Depois procurou uma tigela maior, mas longe de ser grande o suficiente para caber toda sua felicidade, nela misturando uma xícara de manteiga amolecida e uma xícara com uma quarta parte de açúcar mascavo e o restante completo de açúcar comum e ainda uma colher de extrato de baunilha. Bateu tudo com uma colher a valsar, pensando em como sua avozinha ficaria alegre, até ficar tudo tão cremoso quanto seu sorriso.
Então chegou a hora dos dois ovos serem adicionados, parecendo dois grandes olhos dourados antes de se desmancharem ao serem tirados pela colher para uma dança. A magia foi completada quando os conteúdos das duas tigelas encontraram um com o outro e com os pedacinhos picados de nozes e chocolate meio-amargo. Quinze minutos quentinhos passados dentro do forno fizeram acontecer o que faltava acontecer e, lá de dentro, saíram os mais doces de todos os doces.
Tão maravilhada ficou sua avozinha com aquelas fabulosas guloseimas ao recebê-las, que tratou de oferecê-las às suas amigas para impressioná-las. Só que uma dessas amigas, de tão encantada com um doce tão doce que fazia seu peito estufar de felicidade, pediu para levar um para seu sobrinho. Quando provou a iguaria, o sobrinho ficou tão extasiado que arco-íris se projetaram em suas retinas, e o aroma das flores pareceu-lhe encher o ar. Coincidentemente esse sobrinho era ninguém menos do que o prefeito da cidade distante, que ficava próxima à floresta, e ordenou que a menina fosse imediatamente trazida à sua presença.
Outras pessoas poderiam ficar preocupadas ao serem conduzidas com urgência até diante do prefeito, mas não a menina, pois se tratava ela de uma fonte infindável de pensamentos positivos, e sabia que se encarasse a tudo com felicidade, só atrairia ainda mais felicidade.
Pois o prefeito caiu de joelhos diante da menina e lhe confessou tudo o que já havia feito de errado durante sua vida. Também lhe contou que, graças aquele doce mais doce que todos os doces que já provara juntos, havia se arrependido e agora buscava o caminho da redenção. Queria compensar a todos, e já planejara como realizaria tal ambição. Levaria até a mais doce das meninas todos os ingredientes nas quantidades de que necessitasse para que fizesse uma incomensurável quantidade de doces que distribuiria em um grandioso festival, trazendo felicidade a todos da cidade distante, próxima à floresta. Diante da oportunidade de fazer tantas pessoas felizes, a doce menina se viu ainda mais feliz e não pôde declinar tal tarefa.
Por uma semana inteira a menina trabalhou sem descanso até o dia do grande festival. Na data marcada, lá estava ela com sono, com o corpo dolorido, exausta, mas com um grande sorriso ao ver a felicidade que seus doces traziam a todos. Tão feliz ficaram, que as pessoas cantavam de mãos dadas, e até o sol pareceu brilhar mais naquele dia. Tão felizes ficaram, que nos dias imediatamente seguintes todos só comentavam sobre os doces mais doces que já provaram e sobre a mais doce de todas as meninas que os assara. Nesses dias, não foi relatado ocorrência de crime algum, nenhuma briga aconteceu, rancores antigos foram perdoados, velhas rixas acabaram, as pessoas passaram a trabalhar juntas para fazer da cidade distante, próxima à floresta, um lugar melhor.
Mas a felicidade não durou mais do que uma semana. Então todos se tornaram desmotivados, passaram a desistir de seus sonhos, abandonar seus trabalhos, alguns se recusavam a comer. Todos estavam tristes, homens choravam nas ruas, famílias se desestruturaram. Não havia o que valesse a pena, não havia motivo para se continuar a levar aquela vida miserável, não depois daqueles doces, não depois daquelas maravilhas que vieram apenas para lhes mostrar a verdadeira felicidade e jogar nas suas caras que não eram dignos dela.
A menina sentiu um aperto no peito que parecia não ser forte o suficiente para conter o coração que pulava lá dentro. O que ela havia feito? Só queria deixar a todos felizes. Como poderia consertar tudo agora? Então teve uma ideia. Pôs-se novamente a trabalhar esperançosa de que iria resolver tudo. Quando terminou, uma nova fornada de doces estava pronta, mas não dos mais doces dos doces. Estes eram amargos. Esperava que, ao provarem, todos percebessem como aqueles doces eram insignificantes, sem importância alguma, e voltassem às suas vidas.
Só que tudo deu errado outra vez. Ao provarem a nova fornada, as pessoas da cidade distante, próxima à floresta, foram tomadas por um impulso saudosista. Velhos passaram a contar às crianças como foram maravilhosos os doces antigos, e que agora a vida não tinha graça. Homens lotaram as igrejas e templos e lá se martirizavam responsabilizando a falta de sacrifícios de fé pela perda dos incomparáveis doces do passado. Filósofos depressivos se embebedavam ao relento esperando serem levados pelo mal da peste enquanto debatiam sobre a ruína dos novos tempos amargos. Jovens agrediam-se nas ruas culpando uns aos outros pelas perdas que sofreram. Havia ainda quem, desesperado, bradasse anunciando o fim do mundo.
E a menina já não sorria mais, mas ainda guardava sua esperança. Correu o mais que pôde até sua cozinha e voltou a misturar, picar, bater e assar. Após passar a noite em claro, trouxe mais dos mais doces dos doces e os distribuiu de boa vontade a todos que cruzaram seu caminho. E a cidade distante, próxima à floresta, tornou-se um lugar feliz mais uma vez, e a mais doce das meninas voltou a ser feliz.
E assim a menina passava seus dias, fazendo doces muito doces e os distribuindo e sozinha sendo responsável pela felicidade de todos. E só isso ela fazia, pois não lhe sobrava tempo para mais nada. Apenas ficava trancada em sua cozinha e saía apenas para distribuir seus doces tendo de voltar apressada para assar mais. Lá fora só havia felicidade, mas a menina não podia ir até lá e, junto aos demais, ser feliz. A menina já não sorria mais, a menina já não era mais doce. Foi quando se lembrou das palavras da mulher desconhecida que, em um dia que agora lhe parecia muito distante, bateu à sua porta e tomou uma decisão. Resolveu que faria o mais maravilhoso doce de todos os doces. Trabalhou nele com afinco e lhe depositou o pouco de doçura que ainda lhe restava em seu coraçãozinho. Quando ficou pronto, comeu-o sozinha sorrindo.
Como a próxima remessa de doces demorava a chegar, os cidadãos de cidade distante, próxima à floresta, reuniram-se e foram bater à porta da menina esperando que ela os salvasse da infelicidade. Como não houve resposta aos seus chamados, adentraram na cozinha. Lá, encontraram a menina caída ao chão, e seu coraçãozinho já não mais parecia não poder ser contido pelo peito. Em uma de suas mãos estava uma folha de papel com marcas de dobra e uma receita impressa. Ao final da lista de ingredientes podia ser lido um manuscrito acrescentado a caneta:
veneno de rato.
Rafael Machado Costa
Dedicado a Francine Kloeckner
Em uma cidade distante, próxima à floresta, vivia uma menina conhecida por ser muito doce e prestativa. Certa vez, uma estranha bateu à sua porta e, ao ser recebida, entregou-lhe uma folha de papel e disse — Soube que você é a mais doce das meninas, então lhe trago o segredo de como confeccionar o mais maravilhoso de todos os doces. Assim sendo, acredito que se tornará a responsável pela mais doce de todas as delícias. Até porque já estou velha demais para carregar toda essa responsabilidade. Entretanto, alerto para que tenha cuidado e pense muito bem no que fará com o poder que agora dispõe. — Dito isto, a mulher se despediu e nunca mais foi vista naquela região.
Muitas semanas se passaram e o aniversário da avó da menina se aproximava. Como era realmente tão doce, ou até mais, quanto contava sua reputação, a menina não deixava de se preocupar com como agradaria a sua avozinha. Foi então que se lembrou do pedaço de papel que lhe fora entregue tempos atrás. Procurou-o no lugar onde o guardara, seguro como só uma menina atenciosa faria, desdobrou cuidadosamente o papel e leu em letras grandes impressas no topo “COOKIES”, seguida de uma lista de ingredientes e procedimentos.
Ela acendeu o forno até que ficasse tão caloroso quanto era seu coração. Apanhou sua tigela preferida e nela despejou uma xícara bem cheia de farinha, e depois mais uma e depois ainda mais metade da metade, misturando tudo enquanto cantava uma linda canção, para em seguida acrescentar uma colherada de bicarbonato de sódio e uma de sal.
Depois procurou uma tigela maior, mas longe de ser grande o suficiente para caber toda sua felicidade, nela misturando uma xícara de manteiga amolecida e uma xícara com uma quarta parte de açúcar mascavo e o restante completo de açúcar comum e ainda uma colher de extrato de baunilha. Bateu tudo com uma colher a valsar, pensando em como sua avozinha ficaria alegre, até ficar tudo tão cremoso quanto seu sorriso.
Então chegou a hora dos dois ovos serem adicionados, parecendo dois grandes olhos dourados antes de se desmancharem ao serem tirados pela colher para uma dança. A magia foi completada quando os conteúdos das duas tigelas encontraram um com o outro e com os pedacinhos picados de nozes e chocolate meio-amargo. Quinze minutos quentinhos passados dentro do forno fizeram acontecer o que faltava acontecer e, lá de dentro, saíram os mais doces de todos os doces.
Tão maravilhada ficou sua avozinha com aquelas fabulosas guloseimas ao recebê-las, que tratou de oferecê-las às suas amigas para impressioná-las. Só que uma dessas amigas, de tão encantada com um doce tão doce que fazia seu peito estufar de felicidade, pediu para levar um para seu sobrinho. Quando provou a iguaria, o sobrinho ficou tão extasiado que arco-íris se projetaram em suas retinas, e o aroma das flores pareceu-lhe encher o ar. Coincidentemente esse sobrinho era ninguém menos do que o prefeito da cidade distante, que ficava próxima à floresta, e ordenou que a menina fosse imediatamente trazida à sua presença.
Outras pessoas poderiam ficar preocupadas ao serem conduzidas com urgência até diante do prefeito, mas não a menina, pois se tratava ela de uma fonte infindável de pensamentos positivos, e sabia que se encarasse a tudo com felicidade, só atrairia ainda mais felicidade.
Pois o prefeito caiu de joelhos diante da menina e lhe confessou tudo o que já havia feito de errado durante sua vida. Também lhe contou que, graças aquele doce mais doce que todos os doces que já provara juntos, havia se arrependido e agora buscava o caminho da redenção. Queria compensar a todos, e já planejara como realizaria tal ambição. Levaria até a mais doce das meninas todos os ingredientes nas quantidades de que necessitasse para que fizesse uma incomensurável quantidade de doces que distribuiria em um grandioso festival, trazendo felicidade a todos da cidade distante, próxima à floresta. Diante da oportunidade de fazer tantas pessoas felizes, a doce menina se viu ainda mais feliz e não pôde declinar tal tarefa.
Por uma semana inteira a menina trabalhou sem descanso até o dia do grande festival. Na data marcada, lá estava ela com sono, com o corpo dolorido, exausta, mas com um grande sorriso ao ver a felicidade que seus doces traziam a todos. Tão feliz ficaram, que as pessoas cantavam de mãos dadas, e até o sol pareceu brilhar mais naquele dia. Tão felizes ficaram, que nos dias imediatamente seguintes todos só comentavam sobre os doces mais doces que já provaram e sobre a mais doce de todas as meninas que os assara. Nesses dias, não foi relatado ocorrência de crime algum, nenhuma briga aconteceu, rancores antigos foram perdoados, velhas rixas acabaram, as pessoas passaram a trabalhar juntas para fazer da cidade distante, próxima à floresta, um lugar melhor.
Mas a felicidade não durou mais do que uma semana. Então todos se tornaram desmotivados, passaram a desistir de seus sonhos, abandonar seus trabalhos, alguns se recusavam a comer. Todos estavam tristes, homens choravam nas ruas, famílias se desestruturaram. Não havia o que valesse a pena, não havia motivo para se continuar a levar aquela vida miserável, não depois daqueles doces, não depois daquelas maravilhas que vieram apenas para lhes mostrar a verdadeira felicidade e jogar nas suas caras que não eram dignos dela.
A menina sentiu um aperto no peito que parecia não ser forte o suficiente para conter o coração que pulava lá dentro. O que ela havia feito? Só queria deixar a todos felizes. Como poderia consertar tudo agora? Então teve uma ideia. Pôs-se novamente a trabalhar esperançosa de que iria resolver tudo. Quando terminou, uma nova fornada de doces estava pronta, mas não dos mais doces dos doces. Estes eram amargos. Esperava que, ao provarem, todos percebessem como aqueles doces eram insignificantes, sem importância alguma, e voltassem às suas vidas.
Só que tudo deu errado outra vez. Ao provarem a nova fornada, as pessoas da cidade distante, próxima à floresta, foram tomadas por um impulso saudosista. Velhos passaram a contar às crianças como foram maravilhosos os doces antigos, e que agora a vida não tinha graça. Homens lotaram as igrejas e templos e lá se martirizavam responsabilizando a falta de sacrifícios de fé pela perda dos incomparáveis doces do passado. Filósofos depressivos se embebedavam ao relento esperando serem levados pelo mal da peste enquanto debatiam sobre a ruína dos novos tempos amargos. Jovens agrediam-se nas ruas culpando uns aos outros pelas perdas que sofreram. Havia ainda quem, desesperado, bradasse anunciando o fim do mundo.
E a menina já não sorria mais, mas ainda guardava sua esperança. Correu o mais que pôde até sua cozinha e voltou a misturar, picar, bater e assar. Após passar a noite em claro, trouxe mais dos mais doces dos doces e os distribuiu de boa vontade a todos que cruzaram seu caminho. E a cidade distante, próxima à floresta, tornou-se um lugar feliz mais uma vez, e a mais doce das meninas voltou a ser feliz.
E assim a menina passava seus dias, fazendo doces muito doces e os distribuindo e sozinha sendo responsável pela felicidade de todos. E só isso ela fazia, pois não lhe sobrava tempo para mais nada. Apenas ficava trancada em sua cozinha e saía apenas para distribuir seus doces tendo de voltar apressada para assar mais. Lá fora só havia felicidade, mas a menina não podia ir até lá e, junto aos demais, ser feliz. A menina já não sorria mais, a menina já não era mais doce. Foi quando se lembrou das palavras da mulher desconhecida que, em um dia que agora lhe parecia muito distante, bateu à sua porta e tomou uma decisão. Resolveu que faria o mais maravilhoso doce de todos os doces. Trabalhou nele com afinco e lhe depositou o pouco de doçura que ainda lhe restava em seu coraçãozinho. Quando ficou pronto, comeu-o sozinha sorrindo.
Como a próxima remessa de doces demorava a chegar, os cidadãos de cidade distante, próxima à floresta, reuniram-se e foram bater à porta da menina esperando que ela os salvasse da infelicidade. Como não houve resposta aos seus chamados, adentraram na cozinha. Lá, encontraram a menina caída ao chão, e seu coraçãozinho já não mais parecia não poder ser contido pelo peito. Em uma de suas mãos estava uma folha de papel com marcas de dobra e uma receita impressa. Ao final da lista de ingredientes podia ser lido um manuscrito acrescentado a caneta:
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Re: TEXTOS REVISADO EDIÇÃO # 25
Farrazine no FIQ
Por Marden Herbert
1º dia
O 1º dia no FIQ foi para maior conhecimento desse que, podemos dizer, tornou-se o maior festival de quadrinhos do Brasil, já me desculpando com os outros, mas a organização, a estrutura e todo o staff do FIQ agradou não só a mim, mas a todos o participantes e visitantes do evento, uma vez que está tudo muito bem programado, separado e cronometrado.
Infelizmente, não consegui entrar na palestra do Mauricio de Sousa que foi, de longe, a mais concorrida do dia. De tudo que pude observar e ficar admirado, o que mais me chamou a atenção foi a quantidade extraordinária de quadrinistas brasileiros, com aqueles que trabalham nas grandes editoras - Marvel e DC - andando lado a lado com os independentes. Aliás, faço minhas as palavras de Sidney Gusman - o Sidão do Universo HQ - “o trabalho dos independentes no Brasil hoje está muito bem, com uma qualidade fantástica, tanto no material usado, quanto no material criado”.
Das surpresas do dia, a maior e melhor veio do Estúdio Mauricio de Sousa, com o lançamento da linha Graphic Novel de seus personagens, por quadrinistas renomados do cenário nacional, divulgado no Painel “Perspectivas do Mercado de Quadrinhos no Brasil”, com Érico Assis, Gualberto e Sidney Gusman.
2º dia
Um dia cheio para quem estava aqui, pois foi o dia que tivemos escolas conhecendo a história dos quadrinhos e sessão de autógrafos com Mauricio de Sousa.
O painel com os editores de quadrinhos foi interessante, com Claudio Martini, Fabrício Waltrick, Wellington Srbek e André Conti, contando sobre o que é ser editor no Brasil e no mundo.
Também houve um painel com Cyril Pedrosa e Olivier Martin que são quadrinistas franceses muito talentosos.
3º dia
Uma conversa sobre quadrinhos com Fabio Moon e Gabriel Bá, com os dois descrevendo o quanto importante foi conseguir a entrada no mercado americano, uma vez que eles não tinham tanta visibilidade nacionalmente. Outro painel importante foi o realizado pelo site Ladies Comics, com Erica Awano, Adriana Melo, Chiquinha e Cris Peter, com mediação de Mariamma Fonseca, Lu Cafaggi e Samanta Coan, contando sobre o envolvimento das garotas no mundo dos quadrinhos.
4ºDia
Dia importante para aqueles que buscam trabalhar com quadrinhos, pois foi o dia com avaliações de portfólio pelas duas grandes dos EUA – Marvel e DC - e tive tempo de ver alguns trabalhos. Posso dizer que tem muita gente boa e acredito que pelo menos uns três devem ser aproveitados para capas e outros trabalhos. A qualidade desse ano demonstra que aqueles que querem trabalhar nesse mercado estão cada vez se superando mais.
Na entrevista com Bill Sienkiewicz (além da revista que ganhei dele) pude me deliciar com as histórias sobre a criação de Elektra Assassina e seu trabalho com Alan Moore. Ele, inclusive, disse que está trabalhando em ilustrações para contos de Phillip K. Dick.
No painel da DC, as novidades não foram muitas, a não ser pela possibilidade de uma revista do Lobo e de mais três personagens que não foram revelados.
5º dia
O último dia foi um dos melhores, pois tive o privilégio de conversar com Eddy Barrows, Ivan Reis, Rod Reis e mais um monte de artistas em uma confraternização ao fundo da Serralheria Souza Pinto, local onde aconteceu o evento.
O painel da Marvel, com Will Conrad, Mike Deodato, Matt Fraction, Peggy Sue e C.B Cebulski foi muito divertido, com algumas informações como o lançamento dos Defensores, em dezembro. Um painel engraçado, com perguntas de fãs que beiravam o absurdo, mas com uma boa vontade enorme dos artistas em responder e com uma grande interação com o público.
Uma boa foi saber pelos 2 editores das duas grandes DC e Marvel que hoje os brasileiros são os melhores da indústria, com uma parcela de quase 70% das revistas mais rentáveis do mercado, porque eles são bons, são profissionais e o mais importante, eles cumprem todos os prazos.
Para um festival relativamente novo, o FIQ 2011 não ficou devendo nada para as feiras de quadrinhos americanas. Ocorreram poucos problemas e muita, muita história pra contar. Com o fim do evento desse ano, podemos esperar um FIQ 2013 muito mais importante, interessante e grandioso. Que venha 2013 e que venham muito mais FIQs.
Por Marden Herbert
1º dia
O 1º dia no FIQ foi para maior conhecimento desse que, podemos dizer, tornou-se o maior festival de quadrinhos do Brasil, já me desculpando com os outros, mas a organização, a estrutura e todo o staff do FIQ agradou não só a mim, mas a todos o participantes e visitantes do evento, uma vez que está tudo muito bem programado, separado e cronometrado.
Infelizmente, não consegui entrar na palestra do Mauricio de Sousa que foi, de longe, a mais concorrida do dia. De tudo que pude observar e ficar admirado, o que mais me chamou a atenção foi a quantidade extraordinária de quadrinistas brasileiros, com aqueles que trabalham nas grandes editoras - Marvel e DC - andando lado a lado com os independentes. Aliás, faço minhas as palavras de Sidney Gusman - o Sidão do Universo HQ - “o trabalho dos independentes no Brasil hoje está muito bem, com uma qualidade fantástica, tanto no material usado, quanto no material criado”.
Das surpresas do dia, a maior e melhor veio do Estúdio Mauricio de Sousa, com o lançamento da linha Graphic Novel de seus personagens, por quadrinistas renomados do cenário nacional, divulgado no Painel “Perspectivas do Mercado de Quadrinhos no Brasil”, com Érico Assis, Gualberto e Sidney Gusman.
2º dia
Um dia cheio para quem estava aqui, pois foi o dia que tivemos escolas conhecendo a história dos quadrinhos e sessão de autógrafos com Mauricio de Sousa.
O painel com os editores de quadrinhos foi interessante, com Claudio Martini, Fabrício Waltrick, Wellington Srbek e André Conti, contando sobre o que é ser editor no Brasil e no mundo.
Também houve um painel com Cyril Pedrosa e Olivier Martin que são quadrinistas franceses muito talentosos.
3º dia
Uma conversa sobre quadrinhos com Fabio Moon e Gabriel Bá, com os dois descrevendo o quanto importante foi conseguir a entrada no mercado americano, uma vez que eles não tinham tanta visibilidade nacionalmente. Outro painel importante foi o realizado pelo site Ladies Comics, com Erica Awano, Adriana Melo, Chiquinha e Cris Peter, com mediação de Mariamma Fonseca, Lu Cafaggi e Samanta Coan, contando sobre o envolvimento das garotas no mundo dos quadrinhos.
4ºDia
Dia importante para aqueles que buscam trabalhar com quadrinhos, pois foi o dia com avaliações de portfólio pelas duas grandes dos EUA – Marvel e DC - e tive tempo de ver alguns trabalhos. Posso dizer que tem muita gente boa e acredito que pelo menos uns três devem ser aproveitados para capas e outros trabalhos. A qualidade desse ano demonstra que aqueles que querem trabalhar nesse mercado estão cada vez se superando mais.
Na entrevista com Bill Sienkiewicz (além da revista que ganhei dele) pude me deliciar com as histórias sobre a criação de Elektra Assassina e seu trabalho com Alan Moore. Ele, inclusive, disse que está trabalhando em ilustrações para contos de Phillip K. Dick.
No painel da DC, as novidades não foram muitas, a não ser pela possibilidade de uma revista do Lobo e de mais três personagens que não foram revelados.
5º dia
O último dia foi um dos melhores, pois tive o privilégio de conversar com Eddy Barrows, Ivan Reis, Rod Reis e mais um monte de artistas em uma confraternização ao fundo da Serralheria Souza Pinto, local onde aconteceu o evento.
O painel da Marvel, com Will Conrad, Mike Deodato, Matt Fraction, Peggy Sue e C.B Cebulski foi muito divertido, com algumas informações como o lançamento dos Defensores, em dezembro. Um painel engraçado, com perguntas de fãs que beiravam o absurdo, mas com uma boa vontade enorme dos artistas em responder e com uma grande interação com o público.
Uma boa foi saber pelos 2 editores das duas grandes DC e Marvel que hoje os brasileiros são os melhores da indústria, com uma parcela de quase 70% das revistas mais rentáveis do mercado, porque eles são bons, são profissionais e o mais importante, eles cumprem todos os prazos.
Para um festival relativamente novo, o FIQ 2011 não ficou devendo nada para as feiras de quadrinhos americanas. Ocorreram poucos problemas e muita, muita história pra contar. Com o fim do evento desse ano, podemos esperar um FIQ 2013 muito mais importante, interessante e grandioso. Que venha 2013 e que venham muito mais FIQs.
Kio- Editor aposentado
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Re: TEXTOS REVISADO EDIÇÃO # 25
Buraco Negro - Parte 3
Sua respiração acalmou com o tempo. Estava no futuro de acordo com o jornal, mas era engraçado pois, aparentemente, a rua pelo menos era muito parecida como antes. Para se certificar, Jonas catou outras partes de jornais e checou as datas e notou poucos com datas diferentes, mas todos muitos anos no futuro. Nenhum carro voador, rua asfaltada de forma diferente, nada... Olhava os veículos estacionados, tinha alguns modelos diferentes que ele desconhecia, mas nada também de anormal.
De repente, um clarão no céu escuro e ele foi ao chão, sentindo dor de barriga. Vomitou, saindo água e suco gástrico. Depois de poucos minutos se recompôs e ficou de pé novamente.
Suspirou e se lembrou da “missão” que o professor havia lhe passado. Retirou o bilhete do bolso, e leu: era um endereço desconhecido. Tateou os outros bolsos da calça jeans e viu dinheiro, ainda era o Real, mas as notas eram diferentes. Guardou as notas e começou a andar pela rua para tentar descobrir onde estava na cidade, parando em frente a esquina daquela rua com outra que parecia ser a principal.
Olhou para a placa que indicava o nome e CEP e coçou a cabeça. Reconhecia aquela rua de algum lugar. Mas de onde? Lembrou-se que havia visto aqueles sobrenomes há pouco tempo. De repente, sua expressão mudou, parece que havia se tocado de algo extraordinário.
- A rua do professor! Mas... Mas... Engraçado. Cadê o prédio dele? E também não tinha essa praça e nem esses prédios baixos... Ah, sim, claro, estou em outro futuro. - Suspirou.
Olhou para a rua principal e percebeu que a calçada onde estava era bem iluminada. Olhou para o outro lado e viu poucos postes iluminando algumas partes da via. Os diversos prédios estavam com as luzes apagadas e entre alguns deles, uma farmácia aberta. Olhou para os dois lados, atravessou a rua e chegou até lá. Entrou e foi até o balcão.
- Olá, vocês têm refrigerante? - Perguntou ao atendente, que lia uma revista.
- Ali. - Apontou à direita um freezer com diversas latinhas e comidas semi-prontas.
Ele foi e pegou uma delas e bebeu, retirando o gosto do vômito da boca. Voltou ao caixa e pagou, e o atendente voltou a ler a revista.
- Pode me ajudar?
- Pode falar. - Continuou lendo.
- Aqui... - Tirou o bilhete dobrado do bolso e ofereceu a ele. - Onde é isso aqui? - Apontando o primeiro endereço com o dedo. O homem deixou a revista de lado e analisou.
- Ah, é até perto. Dá pra ir andando. - Saiu de trás do balcão e foi até a calçada, seguido por Jonas. - Você segue reto, dobra na... Deixa ver... Olha, passa 8 ruas e você dobra a direita, tá? Anda ela até a metade e entra à esquerda em uma rua pequena. Essa rua é ali. Daí você deve achar o prédio, mole.
- Tá bom, obrigado. - E foi andar na direção indicada.
A escuridão entre os raios de luz, refletidos no chão pelos postes, tornava a caminhada até perigosa. Se aquele futuro não havia mudado tanto assim pela aparência, será que a violência teria se alterado? Continuou andando, passando por duas ruas transversais, até passar por debaixo de um viaduto que cortava a via por cima, antes de atravessar a terceira rua.
Novamente, no caminho só passou por prédios pequenos e baixos, de poucos andares. “Futuro estranho esse, hein? Nenhum prédio alto...”. Quanto mais se aproximava, mais ficava nervoso com a missão ordenada pelo professor. O que a princípio sempre é definido como simples na teoria, a prática termina por destruir. Por sorte, conseguiu chegar a oitava rua e virou à direita.
Estava muito escuro ali, mais escuro do que a rua principal. Alguns poucos postes iluminavam e mostravam a calçada e o asfalto muito sujo. Andou até parar em frente a um prédio onde a numeração batia com a do bilhete dobrado. Chegou perto da porta de vidro com grades de metal e notou que, ao lado, havia um interfone com vários botões com os números dos apartamentos e um espaço para falar.
- E agora? - Falou sussurrando. - O professor não falou nada sobre isso... Vou chamar o porteiro mesmo... - E tocou onde podia ler “Portaria”, gerando um pequeno alarme.
Em poucos minutos um senhor veio até a porta, parou do outro lado e abriu a armação de vidro, restando somente a grade.
- Sim, senhor?
- Oi, me desculpa. Eu esqueci a chave que o meu tio tinha me dado. Ele me pediu para pegar uma sacola que ele tinha esquecido.
- E onde que o tio do senhor mora?
- No 302.
- E qual o nome dele?
- É... - Ele refletiu alguns segundos, e se lembrou porque estava ali. - Jonas.
- Está certo, um momento, por favor. – Afastou-se e abriu a porta. - Pode entrar.
- Obrigado. - Disse, surpreso pela atitude do porteiro de não causar resistência a um estranho que tentasse invadir um apartamento.
Subiu o primeiro lance de uma escada amarronzada, chegando ao segundo pavimento pouco iluminado por lâmpadas foscas e velhas. Subiu novamente e, chegando ao terceiro andar, com o mesmo piso dos outros andares, o quadriculado marrom-creme, e andou até a porta do apartamento. Bateu na porta, instintivamente. “O que estou fazendo? O velho ‘eu’ estava lá comigo agora há pouco...” Girou a maçaneta e a porta se abriu. Empurrou-a e entrou no apartamento.
Meio bagunçado, o local onde o velho Jonas morava era padrão para um solteiro, com sofá e TV na sala, dois quadros pendurados, um com diploma, e tapete no chão. Fechou a porta e andou pela sala, viu a sacola marrom claro em cima do sofá e a pegou, envolvendo-a no braço direito. Foi até a porta para sair e pensou em tudo o que passou com ele até agora. Estava com raiva do professor, com ódio por ter feito aquilo com ele: dopá-lo, mantê-lo preso e ainda obrigá-lo a fazer coisas estranhas, como viajar no tempo. Além de passar mal.
“O que mais esse filho da puta pode querer de mim depois que tiver essa droga da bolsa?” Decidiu investigar o local por conta própria. Voltou a caminhar até chegar a um pequeno corredor à sua direita e entrou. Notou que uma das portas entreabertas era do banheiro, e a outra, fechada, parecia a do quarto. Abriu e entrou no quarto do velho Jonas.
Uma cama bagunçada, com roupas diversas jogadas em cima dela, armários abertos e abajur com a lâmpada quebrada. Estranhou. Olhou as gavetas dos armários embutidos e as roupas penduradas. Revirou a roupa de cama, mas não viu nada de anormal. Já ia saindo quando notou um papel dobrado embaixo da cama. Agachou e o pegou. Era outro endereço, diferente daqueles dois que ele tinha. Guardou-o no bolso, junto com o bilhete dobrado e saiu do quarto.
Na sala, notou outro clarão rápido no céu, e novamente foi ao chão com muita dor de barriga. Levantou-se deixando a bolsa no chão e sentiu vontade de vomitar. Correu para o banheiro e conseguiu soltar mais água e suco gástrico na privada, manchando um pouco o tapete do banheiro. Foi até a pia e se limpou com a toalha, gargarejou com um pouco de uma pasta de dente dali e saiu. Cruzou a sala e chegou a cozinha.
Depois de beber 2 copos de água da garrafa da geladeira, voltou para a sala e pegou a bolsa do chão. Ouviu um pequeno barulho de algo caindo vindo da janela e se aproximou. Abriu-a e sentiu uma rajada de vento derrubando três objetos dentro do apartamento. Fechou a janela e foi apanhar os objetos caídos.
Quando terminou de colocar no lugar o ultimo objeto caído, ouviu atrás de si um barulho nada agradável vindo da sala: o engatilhar de um revólver.
- Parado ai, professor! Larga a bolsa e coloca as mãos na cabeça.
- Eu não... - Disse enquanto largava a bolsa.
- Calado! - E a bolsa caiu. - Agora coloca as mãos na cabeça e chuta a bolsa pra longe. - Jonas obedeceu. – Vire-se aos poucos.
Quando estava na metade do giro, começou a ver uma bonita mulher bem vestida, com um pequeno terno feminino sob uma camisa social, calça social, idade próxima a do professor, cabelo encaracolado negro, mas com alguns fios brancos, apontando uma arma para ele com a mão esquerda e pegando a bolsa.
- Quase que você me engana, professor. Não sabe como.
- Eu não sou o...
- Calado! Senta no sofá, agora. - Contrariado, Jonas sentou-se. - Vou acender a luz, porque quero ver a tua cara quando souber que a minha equipe tá vindo para cá, professor.
A mulher ligou a luz da sala, iluminando todo o local. Chegou perto dele e tomou um susto enorme, como se tivesse visto um fantasma.
- Jonas? O que você tá fazendo aqui?
Sua respiração acalmou com o tempo. Estava no futuro de acordo com o jornal, mas era engraçado pois, aparentemente, a rua pelo menos era muito parecida como antes. Para se certificar, Jonas catou outras partes de jornais e checou as datas e notou poucos com datas diferentes, mas todos muitos anos no futuro. Nenhum carro voador, rua asfaltada de forma diferente, nada... Olhava os veículos estacionados, tinha alguns modelos diferentes que ele desconhecia, mas nada também de anormal.
De repente, um clarão no céu escuro e ele foi ao chão, sentindo dor de barriga. Vomitou, saindo água e suco gástrico. Depois de poucos minutos se recompôs e ficou de pé novamente.
Suspirou e se lembrou da “missão” que o professor havia lhe passado. Retirou o bilhete do bolso, e leu: era um endereço desconhecido. Tateou os outros bolsos da calça jeans e viu dinheiro, ainda era o Real, mas as notas eram diferentes. Guardou as notas e começou a andar pela rua para tentar descobrir onde estava na cidade, parando em frente a esquina daquela rua com outra que parecia ser a principal.
Olhou para a placa que indicava o nome e CEP e coçou a cabeça. Reconhecia aquela rua de algum lugar. Mas de onde? Lembrou-se que havia visto aqueles sobrenomes há pouco tempo. De repente, sua expressão mudou, parece que havia se tocado de algo extraordinário.
- A rua do professor! Mas... Mas... Engraçado. Cadê o prédio dele? E também não tinha essa praça e nem esses prédios baixos... Ah, sim, claro, estou em outro futuro. - Suspirou.
Olhou para a rua principal e percebeu que a calçada onde estava era bem iluminada. Olhou para o outro lado e viu poucos postes iluminando algumas partes da via. Os diversos prédios estavam com as luzes apagadas e entre alguns deles, uma farmácia aberta. Olhou para os dois lados, atravessou a rua e chegou até lá. Entrou e foi até o balcão.
- Olá, vocês têm refrigerante? - Perguntou ao atendente, que lia uma revista.
- Ali. - Apontou à direita um freezer com diversas latinhas e comidas semi-prontas.
Ele foi e pegou uma delas e bebeu, retirando o gosto do vômito da boca. Voltou ao caixa e pagou, e o atendente voltou a ler a revista.
- Pode me ajudar?
- Pode falar. - Continuou lendo.
- Aqui... - Tirou o bilhete dobrado do bolso e ofereceu a ele. - Onde é isso aqui? - Apontando o primeiro endereço com o dedo. O homem deixou a revista de lado e analisou.
- Ah, é até perto. Dá pra ir andando. - Saiu de trás do balcão e foi até a calçada, seguido por Jonas. - Você segue reto, dobra na... Deixa ver... Olha, passa 8 ruas e você dobra a direita, tá? Anda ela até a metade e entra à esquerda em uma rua pequena. Essa rua é ali. Daí você deve achar o prédio, mole.
- Tá bom, obrigado. - E foi andar na direção indicada.
A escuridão entre os raios de luz, refletidos no chão pelos postes, tornava a caminhada até perigosa. Se aquele futuro não havia mudado tanto assim pela aparência, será que a violência teria se alterado? Continuou andando, passando por duas ruas transversais, até passar por debaixo de um viaduto que cortava a via por cima, antes de atravessar a terceira rua.
Novamente, no caminho só passou por prédios pequenos e baixos, de poucos andares. “Futuro estranho esse, hein? Nenhum prédio alto...”. Quanto mais se aproximava, mais ficava nervoso com a missão ordenada pelo professor. O que a princípio sempre é definido como simples na teoria, a prática termina por destruir. Por sorte, conseguiu chegar a oitava rua e virou à direita.
Estava muito escuro ali, mais escuro do que a rua principal. Alguns poucos postes iluminavam e mostravam a calçada e o asfalto muito sujo. Andou até parar em frente a um prédio onde a numeração batia com a do bilhete dobrado. Chegou perto da porta de vidro com grades de metal e notou que, ao lado, havia um interfone com vários botões com os números dos apartamentos e um espaço para falar.
- E agora? - Falou sussurrando. - O professor não falou nada sobre isso... Vou chamar o porteiro mesmo... - E tocou onde podia ler “Portaria”, gerando um pequeno alarme.
Em poucos minutos um senhor veio até a porta, parou do outro lado e abriu a armação de vidro, restando somente a grade.
- Sim, senhor?
- Oi, me desculpa. Eu esqueci a chave que o meu tio tinha me dado. Ele me pediu para pegar uma sacola que ele tinha esquecido.
- E onde que o tio do senhor mora?
- No 302.
- E qual o nome dele?
- É... - Ele refletiu alguns segundos, e se lembrou porque estava ali. - Jonas.
- Está certo, um momento, por favor. – Afastou-se e abriu a porta. - Pode entrar.
- Obrigado. - Disse, surpreso pela atitude do porteiro de não causar resistência a um estranho que tentasse invadir um apartamento.
Subiu o primeiro lance de uma escada amarronzada, chegando ao segundo pavimento pouco iluminado por lâmpadas foscas e velhas. Subiu novamente e, chegando ao terceiro andar, com o mesmo piso dos outros andares, o quadriculado marrom-creme, e andou até a porta do apartamento. Bateu na porta, instintivamente. “O que estou fazendo? O velho ‘eu’ estava lá comigo agora há pouco...” Girou a maçaneta e a porta se abriu. Empurrou-a e entrou no apartamento.
Meio bagunçado, o local onde o velho Jonas morava era padrão para um solteiro, com sofá e TV na sala, dois quadros pendurados, um com diploma, e tapete no chão. Fechou a porta e andou pela sala, viu a sacola marrom claro em cima do sofá e a pegou, envolvendo-a no braço direito. Foi até a porta para sair e pensou em tudo o que passou com ele até agora. Estava com raiva do professor, com ódio por ter feito aquilo com ele: dopá-lo, mantê-lo preso e ainda obrigá-lo a fazer coisas estranhas, como viajar no tempo. Além de passar mal.
“O que mais esse filho da puta pode querer de mim depois que tiver essa droga da bolsa?” Decidiu investigar o local por conta própria. Voltou a caminhar até chegar a um pequeno corredor à sua direita e entrou. Notou que uma das portas entreabertas era do banheiro, e a outra, fechada, parecia a do quarto. Abriu e entrou no quarto do velho Jonas.
Uma cama bagunçada, com roupas diversas jogadas em cima dela, armários abertos e abajur com a lâmpada quebrada. Estranhou. Olhou as gavetas dos armários embutidos e as roupas penduradas. Revirou a roupa de cama, mas não viu nada de anormal. Já ia saindo quando notou um papel dobrado embaixo da cama. Agachou e o pegou. Era outro endereço, diferente daqueles dois que ele tinha. Guardou-o no bolso, junto com o bilhete dobrado e saiu do quarto.
Na sala, notou outro clarão rápido no céu, e novamente foi ao chão com muita dor de barriga. Levantou-se deixando a bolsa no chão e sentiu vontade de vomitar. Correu para o banheiro e conseguiu soltar mais água e suco gástrico na privada, manchando um pouco o tapete do banheiro. Foi até a pia e se limpou com a toalha, gargarejou com um pouco de uma pasta de dente dali e saiu. Cruzou a sala e chegou a cozinha.
Depois de beber 2 copos de água da garrafa da geladeira, voltou para a sala e pegou a bolsa do chão. Ouviu um pequeno barulho de algo caindo vindo da janela e se aproximou. Abriu-a e sentiu uma rajada de vento derrubando três objetos dentro do apartamento. Fechou a janela e foi apanhar os objetos caídos.
Quando terminou de colocar no lugar o ultimo objeto caído, ouviu atrás de si um barulho nada agradável vindo da sala: o engatilhar de um revólver.
- Parado ai, professor! Larga a bolsa e coloca as mãos na cabeça.
- Eu não... - Disse enquanto largava a bolsa.
- Calado! - E a bolsa caiu. - Agora coloca as mãos na cabeça e chuta a bolsa pra longe. - Jonas obedeceu. – Vire-se aos poucos.
Quando estava na metade do giro, começou a ver uma bonita mulher bem vestida, com um pequeno terno feminino sob uma camisa social, calça social, idade próxima a do professor, cabelo encaracolado negro, mas com alguns fios brancos, apontando uma arma para ele com a mão esquerda e pegando a bolsa.
- Quase que você me engana, professor. Não sabe como.
- Eu não sou o...
- Calado! Senta no sofá, agora. - Contrariado, Jonas sentou-se. - Vou acender a luz, porque quero ver a tua cara quando souber que a minha equipe tá vindo para cá, professor.
A mulher ligou a luz da sala, iluminando todo o local. Chegou perto dele e tomou um susto enorme, como se tivesse visto um fantasma.
- Jonas? O que você tá fazendo aqui?
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Re: TEXTOS REVISADO EDIÇÃO # 25
Buraco Negro - Parte 4
- O que tá acontecendo? - Disse, ao seguir a mulher saindo do apartamento às pressas.
- O professor, Jonas! É isso que tá acontecendo! Vem, rápido!
Quando estavam saindo do prédio, o homem parou perto do velho que abrira a porta para ele antes.
- Obrigado, Souza.
- De nada, detetive Roberta.
- Não se esqueça, se mais alguém vier, o senhor me liga, hein? - O idoso anuiu.
Saíram do prédio e Jonas a seguiu até um carro de marca desconhecida, meio velho e com a pequena sirene no teto, característica dos carros de detetives policiais. Ela digitou algo em um pequeno painel em frente à porta do motorista.
- Entra. - Indicou a porta do passageiro para Jonas, que viu a porta abrir, enquanto Roberta entrava pela outra.
Logo que saíram dali, a detetive pegou seu celular, ligou um número e falou com uma pessoa para cancelarem a ida à casa do professor e se dirigirem a um “ponto de apoio”. Em minutos tinham dado a volta no quarteirão e chegaram a mesma rua principal onde ele caminhara com a indicação do atendente da farmácia.
- O que tá acontecendo? - Perguntou Jonas em tom alto.
- Escuta! Não estamos com muito tempo para que eu te explique nada, mas só digo uma coisa: você já ouviu falar de “buraco negro”? - Jonas refletia por alguns segundos, enquanto Roberta entrava em uma rua.
- Esse nome não é estranho, eu ouvi em algum lugar... Na faculdade, talvez.
- Bom, enfim... O buraco negro temporal era estudado há algumas décadas por diversos cientistas, mas nunca tinha sido comprovado. É algo mais ou menos assim, Jonas: imagina várias linhas paralelas, certo? - Ele anuiu. - Tá, em cada uma dessas linhas, é a famosa ideia do “E se”.
Jonas começou a se lembrar de algo.
- Se eu dobrasse nessa rua ao invés daquela, se eu freasse bruscamente agora. É o que causa todas as possibilidades temporais, ou as famosas 'realidades paralelas'.
Ele continuou a se lembrar com mais força.
- Na prática ela não existia, até que há quase 50 anos, Fernando Cardoso, um conhecido professor de física de uma universidade por aí que eu esqueci o nome, mas que você conhece como professor Lopes, começou a viajar para os outros presentes e futuros dele e começou a retirar pessoas de lá.
- Outros 'eu'.
- Sim, mas antes ele tentou com outras pessoas.
- Tentou?
- Roberta anuiu.
- Nossa...
- Mas nas outras vezes alguma pessoa morria, então ele tinha que iniciar do zero com outras.
- Outras? Mas quantas pessoas, ou versões de pessoas ele precisa para isso?
- Acho que seis, ou sete exatamente, não sabemos com precisão. Mas sabemos que precisam ser de diferentes presentes e futuros. Enfim... Ele continuou tentando até que na terceira tentativa ele parou e começou a viajar no tempo e apenas observar aqueles que não morreriam em nenhuma realidade paralela. Você foi um dos escolhidos, Jonas, e a primeira que ele foi... Enfim... Fazer o que está fazendo com você.
- Nossa. - Ele suspirou e começou a olhar para a rua. - Quem diria que conseguir sobreviver seria ruim.
- É verdade, Jonas. Eu sinto muito.
- Não tem nada, a culpa não é sua.
- Mas pode ser se eu deixar ele criar esse buraco negro.
“Buraco Negro”, essas duas palavras começaram a martelar a cabeça de Jonas com mais força, até que ele se lembrou de algo muito importante.
- Lembrei! Buraco negro é quando alguém consegue causar um vácuo no espaço-tempo para voltar ao passado!
- Sim, Jonas, isso mesmo. Sua aula na faculdade foi informativa.
- Não foi na aula, foi o professor quem me falou disso.
Assim que terminou de falar o carro freou bruscamente e Jonas quase foi arremessado contra o painel do veículo, tamanha a rapidez com que o automóvel parou. Logo em seguida, a detetive desligou o automóvel, suspirou e cruzou seus braços.
- Explique melhor, garoto.
- Ele me disse isso antes de me dopar e me sequestrar.
- E o que ele fez depois disso? - Roberta perguntou tensamente. - Tente se lembrar, é muito importante.
- O professor me mandou pra cá.
- Sim?
- Pra pegar essa... - E apontou. - Essa bolsa aqui.
- Essa bolsa? - Jonas anuiu. - Passa ela pra cá.
Roberta acendeu a luz interna do veículo e logo em seguida pegou a bolsa que Jonas passara. Ela a pegou no colo e a ergueu na altura dos olhos, analisando-a externamente. Depois da varredura por todos os lados lisos, depositou-a em seu colo e abriu. Começou a ver o conteúdo e, superficialmente, só conseguiu ver roupas.
- Ele não disse o quê ele queria com essa bolsa?
- Não. Só me disse para pegar e levar até ele.
- Estranho, só tem roupas aqui. Vamos ver o que mais ele quer. - Começou a tirá-las da bolsa e a entregá-las para Jonas. - Guarde com cuidado, pois vamos colocá-los da mesma forma que encontramos, caso precisemos dela.
Roberta demorou quase cinco minutos retirando todo o conteúdo de dentro, entregando-os cuidadosamente a Jonas, e o rapaz organizando-os em seu colo como haviam retirado de lá. A detetive começou a erguer e sacudir o objeto vazio, começando a ficar incrédula.
- Como o professor te manda para o futuro para apanhar roupa? - Ela continuou a sacudir, já com um pouco de raiva e depois a colocou em seu colo novamente. - Não faz sentido nenhum, isso é loucura.
- Calma, detetive, quem sabe ele realmente não quer as roupas?
- Não. Ele não.
- E por que não?
- Jonas, por que raios ele te mandaria para o futuro só para apanhar roupas? Sério? Para quê?
- Posso ver, detetive?
- Tá bom, mas antes me passa as roupas com cuidado.
Depois de pegar as roupas entregues por Jonas e colocá-las no banco de trás, ela lhe deu a bolsa. O rapaz a virou, desvirou, olhou em todos os cantos, e depois de minutos começou a desistir e ergueu para devolvê-la à detetive para recolocar as roupas novamente. Quando já estava quase nas mãos de Roberta, a bolsa passou perto da fonte de luz do interior do carro, permitindo que Jonas visse partes de seu interior, e ele reparou um retângulo preto.
- Espera, Roberta!
- O quê?
- Aqui, olha. - Pediu para a detetive erguer novamente a bolsa e a pôs contra a luz interna. - Tá vendo?
- Não! Aonde?
- Aqui - Apontou o local onde o retângulo -, tá vendo?
- Sim. Sim! - A detetive pegou a bolsa novamente e começou a tatear os cantos, até seus dedos encontrarem uma parte interna, antes coberta pela sombra. Adentrou seus dedos, descobriu um papel dobrado e o retirou. Na luz, percebeu que eram alguns papéis, e os separou um por um. - Agora vamos descobrir o que você queria, professor.
Roberta começou a lê-los e Jonas notou que não eram desenhos nem equações como nos outros papéis do professor, esses eram somente textos. Ele percebeu que enquanto a detetive lia, Roberta começava a alterar sua expressão de preocupação para quase desespero.
- O que houve, detetive?
- Não. Não! Que droga!
- O que aconteceu?
- Você por acaso começou a notar alguns clarões no céu? - Ele anuiu. - E você começou a passar mal quando elas ocorrem? - Anuiu de novo. - Então começou.
- Peraí, poxa, calma... O que exatamente começou, detetive Roberta?
- Olha, tanto o clarão no céu, quanto a dor de barriga e o vômito estão acontecendo com quem viaja no tempo. E se elas começaram...
- O quê, detetive?
- ...é porque o buraco negro começou, Jonas.
- Nossa... E como você sabe disso tudo, detetive?
- Tava tudo escrito pela metade em um texto que a gente tem, e era uma cópia parcial do original. Ainda bem que acabamos de encontrar o restante. - Girou a chave, dando partida no carro.
- O que tá acontecendo? - Disse, ao seguir a mulher saindo do apartamento às pressas.
- O professor, Jonas! É isso que tá acontecendo! Vem, rápido!
Quando estavam saindo do prédio, o homem parou perto do velho que abrira a porta para ele antes.
- Obrigado, Souza.
- De nada, detetive Roberta.
- Não se esqueça, se mais alguém vier, o senhor me liga, hein? - O idoso anuiu.
Saíram do prédio e Jonas a seguiu até um carro de marca desconhecida, meio velho e com a pequena sirene no teto, característica dos carros de detetives policiais. Ela digitou algo em um pequeno painel em frente à porta do motorista.
- Entra. - Indicou a porta do passageiro para Jonas, que viu a porta abrir, enquanto Roberta entrava pela outra.
Logo que saíram dali, a detetive pegou seu celular, ligou um número e falou com uma pessoa para cancelarem a ida à casa do professor e se dirigirem a um “ponto de apoio”. Em minutos tinham dado a volta no quarteirão e chegaram a mesma rua principal onde ele caminhara com a indicação do atendente da farmácia.
- O que tá acontecendo? - Perguntou Jonas em tom alto.
- Escuta! Não estamos com muito tempo para que eu te explique nada, mas só digo uma coisa: você já ouviu falar de “buraco negro”? - Jonas refletia por alguns segundos, enquanto Roberta entrava em uma rua.
- Esse nome não é estranho, eu ouvi em algum lugar... Na faculdade, talvez.
- Bom, enfim... O buraco negro temporal era estudado há algumas décadas por diversos cientistas, mas nunca tinha sido comprovado. É algo mais ou menos assim, Jonas: imagina várias linhas paralelas, certo? - Ele anuiu. - Tá, em cada uma dessas linhas, é a famosa ideia do “E se”.
Jonas começou a se lembrar de algo.
- Se eu dobrasse nessa rua ao invés daquela, se eu freasse bruscamente agora. É o que causa todas as possibilidades temporais, ou as famosas 'realidades paralelas'.
Ele continuou a se lembrar com mais força.
- Na prática ela não existia, até que há quase 50 anos, Fernando Cardoso, um conhecido professor de física de uma universidade por aí que eu esqueci o nome, mas que você conhece como professor Lopes, começou a viajar para os outros presentes e futuros dele e começou a retirar pessoas de lá.
- Outros 'eu'.
- Sim, mas antes ele tentou com outras pessoas.
- Tentou?
- Roberta anuiu.
- Nossa...
- Mas nas outras vezes alguma pessoa morria, então ele tinha que iniciar do zero com outras.
- Outras? Mas quantas pessoas, ou versões de pessoas ele precisa para isso?
- Acho que seis, ou sete exatamente, não sabemos com precisão. Mas sabemos que precisam ser de diferentes presentes e futuros. Enfim... Ele continuou tentando até que na terceira tentativa ele parou e começou a viajar no tempo e apenas observar aqueles que não morreriam em nenhuma realidade paralela. Você foi um dos escolhidos, Jonas, e a primeira que ele foi... Enfim... Fazer o que está fazendo com você.
- Nossa. - Ele suspirou e começou a olhar para a rua. - Quem diria que conseguir sobreviver seria ruim.
- É verdade, Jonas. Eu sinto muito.
- Não tem nada, a culpa não é sua.
- Mas pode ser se eu deixar ele criar esse buraco negro.
“Buraco Negro”, essas duas palavras começaram a martelar a cabeça de Jonas com mais força, até que ele se lembrou de algo muito importante.
- Lembrei! Buraco negro é quando alguém consegue causar um vácuo no espaço-tempo para voltar ao passado!
- Sim, Jonas, isso mesmo. Sua aula na faculdade foi informativa.
- Não foi na aula, foi o professor quem me falou disso.
Assim que terminou de falar o carro freou bruscamente e Jonas quase foi arremessado contra o painel do veículo, tamanha a rapidez com que o automóvel parou. Logo em seguida, a detetive desligou o automóvel, suspirou e cruzou seus braços.
- Explique melhor, garoto.
- Ele me disse isso antes de me dopar e me sequestrar.
- E o que ele fez depois disso? - Roberta perguntou tensamente. - Tente se lembrar, é muito importante.
- O professor me mandou pra cá.
- Sim?
- Pra pegar essa... - E apontou. - Essa bolsa aqui.
- Essa bolsa? - Jonas anuiu. - Passa ela pra cá.
Roberta acendeu a luz interna do veículo e logo em seguida pegou a bolsa que Jonas passara. Ela a pegou no colo e a ergueu na altura dos olhos, analisando-a externamente. Depois da varredura por todos os lados lisos, depositou-a em seu colo e abriu. Começou a ver o conteúdo e, superficialmente, só conseguiu ver roupas.
- Ele não disse o quê ele queria com essa bolsa?
- Não. Só me disse para pegar e levar até ele.
- Estranho, só tem roupas aqui. Vamos ver o que mais ele quer. - Começou a tirá-las da bolsa e a entregá-las para Jonas. - Guarde com cuidado, pois vamos colocá-los da mesma forma que encontramos, caso precisemos dela.
Roberta demorou quase cinco minutos retirando todo o conteúdo de dentro, entregando-os cuidadosamente a Jonas, e o rapaz organizando-os em seu colo como haviam retirado de lá. A detetive começou a erguer e sacudir o objeto vazio, começando a ficar incrédula.
- Como o professor te manda para o futuro para apanhar roupa? - Ela continuou a sacudir, já com um pouco de raiva e depois a colocou em seu colo novamente. - Não faz sentido nenhum, isso é loucura.
- Calma, detetive, quem sabe ele realmente não quer as roupas?
- Não. Ele não.
- E por que não?
- Jonas, por que raios ele te mandaria para o futuro só para apanhar roupas? Sério? Para quê?
- Posso ver, detetive?
- Tá bom, mas antes me passa as roupas com cuidado.
Depois de pegar as roupas entregues por Jonas e colocá-las no banco de trás, ela lhe deu a bolsa. O rapaz a virou, desvirou, olhou em todos os cantos, e depois de minutos começou a desistir e ergueu para devolvê-la à detetive para recolocar as roupas novamente. Quando já estava quase nas mãos de Roberta, a bolsa passou perto da fonte de luz do interior do carro, permitindo que Jonas visse partes de seu interior, e ele reparou um retângulo preto.
- Espera, Roberta!
- O quê?
- Aqui, olha. - Pediu para a detetive erguer novamente a bolsa e a pôs contra a luz interna. - Tá vendo?
- Não! Aonde?
- Aqui - Apontou o local onde o retângulo -, tá vendo?
- Sim. Sim! - A detetive pegou a bolsa novamente e começou a tatear os cantos, até seus dedos encontrarem uma parte interna, antes coberta pela sombra. Adentrou seus dedos, descobriu um papel dobrado e o retirou. Na luz, percebeu que eram alguns papéis, e os separou um por um. - Agora vamos descobrir o que você queria, professor.
Roberta começou a lê-los e Jonas notou que não eram desenhos nem equações como nos outros papéis do professor, esses eram somente textos. Ele percebeu que enquanto a detetive lia, Roberta começava a alterar sua expressão de preocupação para quase desespero.
- O que houve, detetive?
- Não. Não! Que droga!
- O que aconteceu?
- Você por acaso começou a notar alguns clarões no céu? - Ele anuiu. - E você começou a passar mal quando elas ocorrem? - Anuiu de novo. - Então começou.
- Peraí, poxa, calma... O que exatamente começou, detetive Roberta?
- Olha, tanto o clarão no céu, quanto a dor de barriga e o vômito estão acontecendo com quem viaja no tempo. E se elas começaram...
- O quê, detetive?
- ...é porque o buraco negro começou, Jonas.
- Nossa... E como você sabe disso tudo, detetive?
- Tava tudo escrito pela metade em um texto que a gente tem, e era uma cópia parcial do original. Ainda bem que acabamos de encontrar o restante. - Girou a chave, dando partida no carro.
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Re: TEXTOS REVISADO EDIÇÃO # 25
For Fun and Amusement Only?
“Os videogames nasceram com a guerra.”
Assim define o documentário A Era do Videogame, produzido e exibido pelo Discovery Channel. Numa frase, todo um contexto histórico, ideológico e social que ronda um dos nossos entretenimentos favoritos. Não só um produto de consumo de alta rotatividade, o videogame se tornou uma influência em todos os campos da vida moderna criando, como será explanado nesse artigo, todo um universo cultural e artístico do qual se pode tirar um sem número de reflexões.
A dita frase do início, na verdade, tem raízes bem mais profundas. Antropologicamente falando, os jogos em si nada mais eram que exercícios de guerra, com ênfase literal nos esportes. Os jogos e brincadeiras que surgiram na antiguidade e sobrevivem até hoje simulam nada mais que relações de troca e acúmulo (como em jogos de cartas), de ataque e defesa (xadrez, damas), de vantagem e desvantagem, enfim, todas facetas fundamentais para a construção do pensamento não somente militar, mas de sobrevivente. Os jogos lidam com o instinto animal na medida em que lidam com o conceito de vencer ou perder, como uma réplica do próprio cenário exterior e suas constantes ameaças.
Mas sim, o homem joga também porque deseja diversão e recreação. Através do jogo, o homem vivencia um contato consigo mesmo e com outros seres humanos em níveis de linguagem muito diferentes dos mais superficiais e imediatos. Através do jogo se acessa coisas abstratas que os contatos normais não exibem, tais como as reações psicológicas e intelectuais. Através do jogo o homem se conhece e conhece o homem, e isso o diverte.
Assim sendo, o videogame é uma expansão desse processo, utilizando os meios eletrônicos para criar novas formas de interação (interface, como se diz), gerando diversos tipos de imersão diferentes no jogo. E assim como seus ancestrais, o videogame surgiu da mãe de todas as necessidades, a da destruição do mal. Esse “mal”, no caso, era o mundo comunista, já que estamos falando do episódio histórico conhecido como Guerra Fria.
Na tentativa de subjugar seu oponente pela ostentação de um poderio militar e de uma tecnologia superior, os Estados Unidos, em meados do início da década de 1960, investiram pesado em pesquisas e desenvolvimento de computadores que, na época, eram incrivelmente caros de se desenvolver e absurdamente enormes, inversamente à amplitude de suas capacidades de processamento. Em 1958, o físico Willian Higinbothan, do laboratório de pesquisas militares Brookhaven, decidiu alterar um osciloscópio originalmente usado para calcular dados balísticos, e criar, sem grande compromisso, um pequeno simulador de tênis (chamado simplesmente de Tennis for Two), onde se podia ver apenas um ponto luminoso indo e voltando como no movimento da bola.
Isso foi o suficiente para que o laboratório ficasse famoso e o público, que visitava periodicamente o local em diversas excursões, ficasse mais admirado com o jogo do que com os imponentes mísseis nucleares. Infelizmente, Higinbothan nunca percebeu o potencial de sua ideia e nunca a patenteou, tendo falecido tempos depois sem ter recebido nada por ela.
Tennis For Two nasceu da tecnologia da guerra e em meio a um estado de guerra, mas, apesar de ter sido pioneiro, nunca cumpriu seu potencial do mesmo modo que SpaceWar!, criado em 1962 por um trio de programadores do MIT (Massachussets Institute of Tecnology): Martin Graetz, Stephen Russell e Wayne Wiitanen. SpaceWar! foi, durante muito tempo, considerado o primeiro videogame, até a descoberta de seu antecessor, todavia, pode ser considerado o primeiro que simboliza todo o desenvolvimento moderno de videogames. Primeiramente, seus criadores o fizeram com a intenção declarada de chamar a atenção do público e ser um meio de diversão. Segundo, ele lidava com uma realidade imediata do americano da época, ainda que sob uma cobertura de ficção: guerras entre naves e foguetes.
Apesar de terem logrado sucesso e partilhado cópias do jogo com outros laboratórios, o trio não obteve lucro, pois na época não havia um mercado voltado para tal. Em seguida, no ciclo evolutivo dos videogames, o engenheiro alemão Ralph Baer, seria o responsável pela fomentação de um, ao criar o Odyssey, o primeiro console (aparelho) de videogame. Nota: ele se conectava a qualquer televisão, o que permitiu sua difusão imediata. Quase paralelamente, Nolan Bushwell, após desenvolver os primeiros arcades (as grandes máquinas conhecidas como fliperamas) de SpaceWar!, fundou sua própria empresa, a Atari, e mergulhou no emergente mercado de videogames com sua nova criação, o Pong.
O sucesso meteórico da Atari encorajou o surgimento de outras empresas, assim como outras firmas de segmentos muito diferentes do entretenimento, decidiram investir no ramo, como a Coleco, que lidava com couro antes de criar seu Colecovision. Os anos 1970 seriam marcados indelevelmente pela efervescência desse mercado. Na década seguinte, os videogames começaram a evoluir em termos de conteúdo e linguagem, fundamentando ainda mais esse universo cultural. Surge o Space Invaders, famoso não só pela sua temática, como também pelo uso inteligente do som para gerar efeitos de ansiedade no jogador e por ser um dos primeiros a possuir um “fim” propriamente dito, já que até então os games eram “infinitos”, acabando sempre com o erro do jogador e, consequentemente, com sua derrota inevitável. Logo depois, surge o Pacman, que introduziu um protagonista carismático, outro subterfúgio importantíssimo para a construção da cultura gamer, a familiaridade permitia novos níveis de interação e imersão. Na década de 1980 surgiram também o Mario e o Donkey Kong, que dispensam explicações (o que por si só é explicativo).
Isso conclui um panorama resumido dos primórdios do videogame. Na realidade todos os conceitos que regiam aquela época ainda são radicais hoje em dia, ainda que a tecnologia utilizada seja tão longinquamente avançada que permita gráficos e volumes mais realistas ou miríades de interfaces cada vez mais sensíveis, diversas e desdobráveis (tais como a tela de toque de diversos portáteis ou os captores de movimento do Kinect). Se antes os jogos desenvolveram um pressuposto, hoje esses pressupostos se impõem aos jogos, o que obriga as empresas a se aterem a diversos fatores, diversas características, que determinam a aceitação do jogo pelo público ou não, e que são difíceis de serem contrariados, sob a pena de serem rejeitados por serem “novos demais”.
Abre-se, então, o ponto-chave do artigo, os jogos indies (independentes).
A Cultura do Apertar Botão e o Paradigma dos Jogos
A Era do Videogame também debate o conceito da chamada Cultura do Apertar Botão, que se refere a como os eletrônicos, em especial os videogames, transformaram nossa relação com o mundo a nossa volta, todas intermediadas e moldadas pelo ato automático de apertar um simples botão. As imagens que vem a partir disso são fáceis de imaginar (controles remotos, teclados, calculadoras, etc.), ainda que, num primeiro momento, não aceitemos que estamos vivendo num mundo determinado literalmente por isso. Se para as pessoas das décadas de 1960 e 1970 lidar com os botões exigia um esforço de adaptação, para as gerações a partir da década de 1980 isso já era parte constituinte e orgânica de seu cotidiano. Isso criou, claro, um efeito de “impessoalização”, de perda de contato real e emocional com o que quer que esteja na outra ponta do processo de apertar o botão.
Na realidade, acusar o poder alienante dos meios eletrônicos e digitais, seus possíveis perigos e vantagens, é redundante, ainda que pertinente. Por hora, basta refletir até que ponto começamos a deixar de trazer traços da realidade para dentro dos jogos e começamos a usar os traços que absorvemos dos jogos em nossa própria realidade, transformando tudo numa relação inócua, mas ao mesmo tempo, inconsequente.
Parte por iniciativa das próprias grandes empresas, parte por iniciativa de entusiastas, jogadores e programadores, hoje há uma grande variedade de jogos educativos, que procuram argumentar em cima das possibilidades didáticas dos games, evocando noções semelhantes às faladas no começo do texto, mas contextualizadas. É um segmento que procura redimir os videogames pela sua inegável propriedade viciante e alienante, mas que não caminha realmente na vanguarda nem na contracorrente, apelando, sob todos os aspectos, para as mesmas características comerciais que quaisquer outros jogos de mainstream usam, o que não acrescenta muito à discussão.
Essas tais características constantes, que não só determinam como os jogos são e serão, como também determinam como os jogadores reagirão a eles, forma o que podemos chamar de Paradigma dos Jogos.
Para esclarecer, um paradigma é todo um modelo de pensamento que rege uma determinada área da Ciência Humana. Inicialmente, esse termo era utilizado apenas na Linguística para definir estruturas de símbolos, mas se consagrou como uma série de descobertas científicas que termina por gerar um modelo, uma espécie de caminho, maneira de pensar o objeto do estudo. Por muito tempo, o homem vive sob diversos paradigmas, que determinam suas visões de mundo ao ponto da estagnação. Quando isso ocorre, diz-se que o “modelo está em crise” e muda-se de paradigma. O paradigma é a forma com que obtemos respostas da natureza, nosso modo de interrogá-la, logo, se não estamos obtendo um resultado satisfatório, não se trata da natureza e sim de nossa abordagem errônea.
Paradigmas são difíceis de serem superados e abandonados, pois são consagrados pelo tempo, quando não estão ligados por demais às concepções mais fundamentais das mentes de todos os homens de uma época. Mudar o paradigma é mudar seu modo de pensar totalmente. Mudar o paradigma não implica somente em abandonar as velhas respostas, como também deixar de fazer as mesmas perguntas, tomar outro ponto de partida.
Podemos então assumir que o Paradigma dos Jogos e a Cultura do Apertar Botão são semelhantes, mas não a mesma coisa. O primeiro lida com a pergunta fundamental - o que é um jogo? - enquanto o segundo avança para fora do âmbito do entretenimento digital e aborda toda a sorte de intermediação eletrônica e seus efeitos de comportamento.
Os jogos educativos passam longe de se voltarem contra esse paradigma, pois ainda se prendem a definições muito rasas do que seria “divertido” ou então, concepções mais rasas ainda do que seria um aprendizado verdadeiro. Noções muito ortodoxas, dados abstratos tais como matemática ou inglês, que são valiosas num nível muito mais prático do que num nível, digamos, espiritual. Nesse sentido, os jogos independentes, feitos por definição sem o apoio ou auxilio de grandes empresas, e sim por pequenos times de programadores descompromissados ou não, se destacam vagando pela borda entre o jogo e o não-jogo, entre o jogo e a arte pura.
O debate a respeito do caráter artístico dos videogames já tomou tanto tempo que não convém ser reproduzido aqui. Pode-se apenas citar, já num sentido de elucidar essa questão, que os videogames exibem dentro de si praticamente todas as formas de artes clássicas conhecidas num conjunto, acrescentando outra, de extrema importância para o artigo: a interatividade. Assim sendo, os videogames são uma forma de arte enquanto expressão do homem, e transcendem a definição comum por serem uma arte onde é possível alterar e coexistir com o seu conteúdo, imergir.
O Paradigma dos Jogos limita as possibilidades artísticas dos jogos assim como também os reduz a um punhado de arquétipos e estereótipos de reação e comportamento. Por exemplo, na maioria massacrante dos jogos que se encontra por ai, o jogador é obrigado a lutar senão matar alguma coisa em seu caminho, coletar diversos tipos de itens e valores de forma compulsiva, movimentar-se do ponto A ao ponto B numa inércia psicológica. Tais questões podem parecer francamente ridículas de serem levantadas, mas se olhadas sob uma ótica crítica, revelam como a cultura dos games se fundamenta em conceitos falhos. Mesmo que estejam justificadas no universo de ideias mostrado pelo jogo, mesmo que no jogo seja apresentada uma “razão” para se matar determinado alvo, justamente por se tratar de um ato simulado, esse ato não possui qualquer lógica ou motivo de ser.
O leitor deve estar se sentindo incomodado, ainda mais se for um consumidor ávido de videogame, julgando o parágrafo acima mais uma crítica parental intelectualizada. Essa reação de proteção ao universo abstrato que compõe os jogos é uma prova da resistência do paradigma. Não se trata de uma crítica à exacerbada violência presente nos games, ou mesmo aos valores impostos nos mundos fictícios de jogo, frequentemente de tônica americanizada, também não é um simples olhar por sobre a mensagem geral dos jogos, nem da forma com que é apresentada, e sim daquilo que está entre esses dois. Se o leitor se irritou com essa passagem é porque, quer queira ou não, ele aceita o jogo como uma coisa real, tal como a matemática, que transcende o posto de deliberação para o de pilar das certezas da realidade. Não sem motivo, claro, a relação que ele, leitor, possui com o meio do jogo é real.
Seria fácil argumentar de volta fazendo troça das iniciativas ditas artísticas. Têm-se dos games indie a imagem de jogos deliberadamente mal feitos e de conteúdo hermético, como que feitos para o próprio programador jogar e se deleitar. De fato é uma impressão comum a todo tipo de arte de vanguarda, mas não se aplica diretamente a eles, pois diversos games indie são feitos por empresas que apenas não pertencem ao grande mercado ou então profissionais solitários que buscam esmero. A busca deles de enfrentar o paradigma se resume na faceta mercadológica do mesmo e não tanto na artística. Eles buscam alterar as regras do mercado, para daí alterarem as regras dos games.
Existem, de fato, jogos indie que cabem a essa definição zombeteira. Tanto que atentam, descarado e corajosamente, contra os conceitos populares que formam a ideia de jogo. Ou seja, muitos deles buscam testar os limites do que ainda pode ser considerado “jogável”, buscam transportar outros tipos de cotidianos não tão mecânicos para dentro do jogo ou então enxergar relações lúdicas em detalhes da vida e apontá-los através do jogo. Claro que, nessa ânsia, vários resultados se aproximam do “injogável” e o criador pode ter feito algo distante demais do debate. Uma vez que não existem direções dentro dessa noção, romper barreiras e atravessar fronteiras pode acabar se mostrando uma ilusão subjetiva e pouca ou nenhuma evolução pode ter sido atingida. Mas o intento permanece: se convivemos eternamente em contato com realidades abstratas vindas dos jogos, que influenciam nossos pensamentos, que ao menos possamos manipular essas realidades para nos fornecer coisas melhores.
Ainda resta a pergunta: para que atentar contra o paradigma, se estamos satisfeitos e empolgados com os rumos dos videogames da forma como são hoje? É a empresa que mais lucra dentre todas do entretenimento. Os processos estão cada vez mais avançados. As pessoas jogam cada vez mais em diversas plataformas.
A resposta é que uma parcela significativa das pessoas não está tão satisfeita. Assim como houve uma evolução material, faz-se necessário uma evolução em camadas distintas. A internet permitiu que esse desejo se externasse, colocando à disposição todas as ferramentas necessárias (e as inexistentes podendo ser criadas).
Por que criar jogos independentes se podemos imergir em infinitos mundos de jogo, com quilômetros de espaço imaginário, podendo destruir ou pegar tudo aquilo que quisermos?
Muito simples: porque queremos liberdade.
Aperte Qualquer Tecla para Pensar
Um dos aspectos mais curiosos a respeito dos games produzidos pelas grandes empresas, voltado para o consumo generalizado, é o esforço crescente que se observa em tentar tornar os jogos cada vez mais realistas. Não apenas as texturas têm ficado cada vez mais verossímeis como também vem sendo aplicado um grande tempo no desenvolvimento de inteligências artificiais que imitem com precisão a reação dos inimigos e a física do movimento, sem contar as pesquisas para tentar transportar ao jogo técnicas e parafernálias idênticas às usadas, por exemplo, por forças especiais militares. Mas na mesma razão que você aproxima jogo de realidade, a realidade se impõe (ou deveria se impor) ao jogo. Ou seja, é buscada a réplica de tudo, exceto de uma coisa, o mais realista dos aspectos do mundo: as consequências.
Existem diversos jogos que buscam emular essas consequências transformando-as em faltas arbitrárias ou déficits de desempenho, o que de forma alguma espelha os verdadeiros vieses que existiriam se a situação fosse real. E nessa altura da discussão, evocar a inocente intenção dos jogos de serem “apenas divertidos” e que tais detalhes os tornariam “chatos”, seria contraditória.
Um jogo indie que lida diretamente com essa questão paradigmática é Execution, desenvolvido por Jesse Venbrux. Um jogo hiper-curto, que coloca o jogador numa situação simples: fuzilar ou não um completo estranho. Consumando o ato, o jogo acaba (e a pessoa que você matou permanece morta, impedindo você de tornar a jogar). A vitória é obtida superando um dos reflexos mais primitivos difundidos nos jogos: matar aquilo que o jogo ordenar, sem questionamento. Claro, o efeito que o jogo espera criar é determinado por uma situação um tanto quanto específica demais, mas espelha bem a insólita e improvável situação de estar sem saber nada, com uma arma na mão. Aqui, o que é explorado é o estado psicológico de apatia criado pelos jogos, muitas vezes criticado quando visto em contextos de guerra real, levando soldados a cometerem crueldades. De fato, esse jogo tenta aguçar sentidos, mas não animais, nem através de diversão. A menos que filosofar seja uma diversão para você...
Através desse exemplo fica mais claro qual a aparência e funcionamento gerais dos jogos indies, e já que se começou a falar deles propriamente, vamos citar alguns bons exemplos.
Ainda na categoria de jogos que “brincam” com os (pré)conceitos dos games, podemos citar Life is a Race, do programador Cactus, onde vence o jogador que não se deixar levar pela necessidade obsessiva de terminar o jogo rapidamente, e sim realmente curtir cada momento e aproveitar sua estadia, num paralelo com a própria vida. Free Will e You Only Live Once, ambos da produtora Raitendo, questionam o estranho mecanismo das “muitas vidas”, que permitem várias tentativas seguidas de avançar. Neles, o jogador nada pode fazer se errar e morrer, pelo contrário, sua falta de cuidado gera uma série de acontecimentos interessantes de se observar, embora não tão bons para o personagem. Lose Lose, de Zach Gage, leva a experiência do erro ao extremo, o que pode gerar revolta a um desavisado, para cada dano levado pelo jogador, um arquivo de seu HD é perdido definitivamente - o que deve gerar uma dor psicológica equivalente a uma dor física, dada nossa Cultura do Apertar Botão.
Existem jogos indies que se dedicam a buscar realismo não através desses pontos mecânicos, mas sim tentando traduzir situações incomuns da vida real, muitas delas perturbadoras, para a linguagem do jogo. Home, de Stephen Lavelle, simula a vida de um idoso preso num quarto de asilo, cujo único interesse é se manter vivo, atendendo suas necessidades básicas. Todavia, vão surgindo dificuldades cada vez maiores, enquanto as necessidades não diminuem, criando um efeito de agonia bem semelhante à de alguém abandonado na extrema velhice. 6 and a Half, de Peter Groeneweg, consegue ser mais sinistro ainda quando decifrado seu contexto, o jogador encarna uma menina de seis anos e meio que tenta, inutilmente, evitar a separação dos pais, que brigam constantemente. A troca de insultos entre os dois dificulta as ações da menina, cuja única arma que possui são beijos e a única defesa são gritos.
Ainda nessa corrente, podemos falar de jogos que tentam ilustrar visões de mundo, hipóteses ou teorias através de uma mecânica interativa. Life Games, de Ze Frank, é cômico na simplicidade como aborda três das cosmogonias mais populares do globo: cristianismo, budismo e ateísmo. O jogador escolhe uma orientação e encara a vida após a morte segundo aquela visão. A liberdade de exploração é quase total, mas as possibilidades são tão limitadas quanto à religião escolhida permite. Free Culture, de Paolo Pedercini, é mais acadêmico em suas propostas, na medida em que teoriza um efeito social interessante. Você representa a iniciativa conhecida como CopyLeft, que é oposta ao CopyRight, que tende a industrializar as boas ideias e usá-las para alienar as pessoas, tornando-as consumidoras passivas. Sua missão é evitar que as boas ideias saiam da cabeça das pessoas e caiam nas mãos do CopyRight, ao invés disso, retornando às pessoas, libertando-as. Sim Dilema, do brasileiro Janos Biro, parte do dilema do prisioneiro de Albert Tucker e o expande, criando um interessante enigma social, onde a vitória é obtida através do equilíbrio das partes, a primeira vista, inconciliáveis.
E há também uma sutil somatória dessas tendências indie em jogos completamente poéticos, não só nas mensagens transmitidas como também pelas interfaces singelas. Estamos Esperando, de Daniel Martins Novaes e Today I Die de Dan Benmergui seguem a risca esse conceito, sendo literalmente poemas jogáveis. Numa tangente mais semelhante à literatura temos But That Was Yesterday, de Michael Molinari, onde o jogador vive a curta saga do herói que procura superar as tristezas do passado, munindo-se das memórias daqueles que passaram pelo seu caminho. Nota para a excelente trilha sonora que acompanha a história, que é baseada na vida do criador. Mais literário ainda é Ergon/Logos do mesmo criador de Free Culture, que nada mais é do que um texto, sem demais imagens, que se move num ritmo semelhante à epopeia que está contando, criando efeitos interessantes de escolha e consequência.
Mas para aqueles que não buscam tanto arrojo mental, existem jogos mais irreverentes e descompromissados, que oferecem uma experiência mais leve, semelhante a um pequeno quebra-cabeça. É o caso de Karoshi também de J. Venbrux, onde o objetivo é matar o protagonista, um trabalhador de terno, de várias e ridículas formas.
Sobre o Indie
Pode se encontrar esse termo inserido em diversas outras formas de arte e entretenimento, não só na música, onde é mais associado, mas também nos RPG’s, filmes, design, e agora, nos jogos. Foi originalmente cunhada apenas como uma distinção para aqueles que não atuavam sob qualquer tipo de contrato de produção sob encomenda e venda planejada, ou seja, que não seguiam os ditames capitalistas fundamentais.
Aos poucos, os artistas indies deixaram de se considerar apenas artistas rejeitados pela grande mídia, obrigados a se editarem e produzirem por si mesmos, para assumirem a postura de desbravadores e experimentalistas, não necessariamente opostos ao sistema, mas sim a favor de uma expansão das fronteiras dos possíveis gostos, a fim de abrir novas vias e novos nichos culturais.
Nessa busca, como pode ser observado pelos jogos, os criadores em primeiro lugar procuram uma espécie de liberdade, quebrando tantos tabus quanto acharem pelo caminho. Em segundo, procuram fazer da arte sua assinatura, sua afirmação de identidade, o que os obriga a deixar a postura iconoclasta de se opor a tudo e se apegarem a um ou mais elementos que gostam e que acreditam ser certos. Mas acima disso tudo, há o desejo de serem originais, a única e verdadeira maneira de serem transgressores.
Uma vez que o processo comunicativo tende a etiquetar tudo com nomes, a fim de acolhê-los na linguagem e torná-los comunicáveis, qualquer tipo de expressão é passível de ser comercializada, já que é passível de ser levada adiante para outro receptor. Uma vez comunicada e difundida, o caráter transgressor da arte decai até ela se transformar num paradigma em si. Olhando desse modo, o impulso indie tem um ponto fraco indissimulável, que depõe contra seu próprio intento.
Posto isso, podemos observar como determinados artistas buscam lutar contra esse fatalismo criando coisas deliberadamente herméticas, aleatórias e incompreensíveis. Peças que se apresentam ao público como honestamente “ingostáveis”, preferindo mais a eternidade insondável de seus próprios enigmas do que o apelo do público - como, por exemplo, o famoso disco de Lou Reed, Metal Machine Music, altamente experimental, considerado por muitos o pior disco de todos os tempos.
Recentemente, Lou Reed fez uma série de shows em homenagem a esse disco, composto de puros ruídos elétricos, sem quase qualquer critério musical. O resultado foi perturbador para os fãs que buscavam os clássicos, mas com certeza cada show após o outro deve ter sido único e irreproduzível.
Considerações Finais
A metáfora dos jogos nos cerca, com certeza. Estamos constantemente jogando. Para algumas nações, essa metáfora é bem mais verdadeira, como é o caso da Coréia, país com maior índice de consumidores ativos de jogos de videogame, a ponto de isso ser um problema público, além de uma forma de geração de renda.
A despeito disso, jogamos. Jogamos no sentido de encarar as coisas a nossa volta como obstáculos a serem superados, ultrapassados ou dominados, mas nos atemos as regras que nos limitam, mas ainda assim estamos de olho nas recompensas. Tal linguagem figurativa pode ser vista e refletida no filme Scott Pilgrim Contra o Mundo, que faz mais do que apenas usar efeitos sonoros e visuais para fazer da vida do protagonista um jogo. Os desafios da adolescência excêntrica do personagem se apresentam a ele como chefões de fase, e a maturidade como um level up.
Não cabe aqui nesse artigo deliberar a respeito das distorções que esse modo de encarar a vida pode causar à psique de uma pessoa, ou como um jogo pode desgastar ou tirar dela sua sensibilidade inata, tornando-a apática. Mas mesmo nesses episódios, é possível ver como eles estão intimamente ligados à construção da inteligência humana, permitindo que se externe todo o tipo de pensamento engenhoso.
Por fim, fica a definição da Professora Renata Gomes, doutora em Comunicação e Semiótica da PUC –SP, que consegue abranger todos os contextos acerca dos jogos:
“(O jogo) é uma forma de cultura que antecede a linguagem verbal e, de certo modo, de onde ela consegue emergir. Jogo é um ser-jogado: ele não é seu conjunto de regras, não é o relato do que foi jogado, não é o DVD do game, não são as imagens e sons que alguém que apenas está observando o jogo enxerga e ouve. É aquilo que emerge das regras na hora em que o jogo é posto em ação através de seus jogadores, em resposta às ações destes, a seu repertório, às suas ideias e escolhas (...)”
Assim sendo, não é a toa que o videogame, ao ser zerado, agradece ao jogador pela oportunidade de ter se feito “existir” através dele, ainda que num curto período de tempo.
Thank You for Playing
Rafael Martins Páros
Fontes Consultadas:
http://infoblarg.blogspot.com
http://zebra5.wordpress.com/2010/09/02/entrevista-com-renata-gomes/
http://ideogames.blogspot.com/
http://pt.wikipedia.org/
http://en.wikipedia.org
“Os videogames nasceram com a guerra.”
Assim define o documentário A Era do Videogame, produzido e exibido pelo Discovery Channel. Numa frase, todo um contexto histórico, ideológico e social que ronda um dos nossos entretenimentos favoritos. Não só um produto de consumo de alta rotatividade, o videogame se tornou uma influência em todos os campos da vida moderna criando, como será explanado nesse artigo, todo um universo cultural e artístico do qual se pode tirar um sem número de reflexões.
A dita frase do início, na verdade, tem raízes bem mais profundas. Antropologicamente falando, os jogos em si nada mais eram que exercícios de guerra, com ênfase literal nos esportes. Os jogos e brincadeiras que surgiram na antiguidade e sobrevivem até hoje simulam nada mais que relações de troca e acúmulo (como em jogos de cartas), de ataque e defesa (xadrez, damas), de vantagem e desvantagem, enfim, todas facetas fundamentais para a construção do pensamento não somente militar, mas de sobrevivente. Os jogos lidam com o instinto animal na medida em que lidam com o conceito de vencer ou perder, como uma réplica do próprio cenário exterior e suas constantes ameaças.
Mas sim, o homem joga também porque deseja diversão e recreação. Através do jogo, o homem vivencia um contato consigo mesmo e com outros seres humanos em níveis de linguagem muito diferentes dos mais superficiais e imediatos. Através do jogo se acessa coisas abstratas que os contatos normais não exibem, tais como as reações psicológicas e intelectuais. Através do jogo o homem se conhece e conhece o homem, e isso o diverte.
Assim sendo, o videogame é uma expansão desse processo, utilizando os meios eletrônicos para criar novas formas de interação (interface, como se diz), gerando diversos tipos de imersão diferentes no jogo. E assim como seus ancestrais, o videogame surgiu da mãe de todas as necessidades, a da destruição do mal. Esse “mal”, no caso, era o mundo comunista, já que estamos falando do episódio histórico conhecido como Guerra Fria.
Na tentativa de subjugar seu oponente pela ostentação de um poderio militar e de uma tecnologia superior, os Estados Unidos, em meados do início da década de 1960, investiram pesado em pesquisas e desenvolvimento de computadores que, na época, eram incrivelmente caros de se desenvolver e absurdamente enormes, inversamente à amplitude de suas capacidades de processamento. Em 1958, o físico Willian Higinbothan, do laboratório de pesquisas militares Brookhaven, decidiu alterar um osciloscópio originalmente usado para calcular dados balísticos, e criar, sem grande compromisso, um pequeno simulador de tênis (chamado simplesmente de Tennis for Two), onde se podia ver apenas um ponto luminoso indo e voltando como no movimento da bola.
Isso foi o suficiente para que o laboratório ficasse famoso e o público, que visitava periodicamente o local em diversas excursões, ficasse mais admirado com o jogo do que com os imponentes mísseis nucleares. Infelizmente, Higinbothan nunca percebeu o potencial de sua ideia e nunca a patenteou, tendo falecido tempos depois sem ter recebido nada por ela.
Tennis For Two nasceu da tecnologia da guerra e em meio a um estado de guerra, mas, apesar de ter sido pioneiro, nunca cumpriu seu potencial do mesmo modo que SpaceWar!, criado em 1962 por um trio de programadores do MIT (Massachussets Institute of Tecnology): Martin Graetz, Stephen Russell e Wayne Wiitanen. SpaceWar! foi, durante muito tempo, considerado o primeiro videogame, até a descoberta de seu antecessor, todavia, pode ser considerado o primeiro que simboliza todo o desenvolvimento moderno de videogames. Primeiramente, seus criadores o fizeram com a intenção declarada de chamar a atenção do público e ser um meio de diversão. Segundo, ele lidava com uma realidade imediata do americano da época, ainda que sob uma cobertura de ficção: guerras entre naves e foguetes.
Apesar de terem logrado sucesso e partilhado cópias do jogo com outros laboratórios, o trio não obteve lucro, pois na época não havia um mercado voltado para tal. Em seguida, no ciclo evolutivo dos videogames, o engenheiro alemão Ralph Baer, seria o responsável pela fomentação de um, ao criar o Odyssey, o primeiro console (aparelho) de videogame. Nota: ele se conectava a qualquer televisão, o que permitiu sua difusão imediata. Quase paralelamente, Nolan Bushwell, após desenvolver os primeiros arcades (as grandes máquinas conhecidas como fliperamas) de SpaceWar!, fundou sua própria empresa, a Atari, e mergulhou no emergente mercado de videogames com sua nova criação, o Pong.
O sucesso meteórico da Atari encorajou o surgimento de outras empresas, assim como outras firmas de segmentos muito diferentes do entretenimento, decidiram investir no ramo, como a Coleco, que lidava com couro antes de criar seu Colecovision. Os anos 1970 seriam marcados indelevelmente pela efervescência desse mercado. Na década seguinte, os videogames começaram a evoluir em termos de conteúdo e linguagem, fundamentando ainda mais esse universo cultural. Surge o Space Invaders, famoso não só pela sua temática, como também pelo uso inteligente do som para gerar efeitos de ansiedade no jogador e por ser um dos primeiros a possuir um “fim” propriamente dito, já que até então os games eram “infinitos”, acabando sempre com o erro do jogador e, consequentemente, com sua derrota inevitável. Logo depois, surge o Pacman, que introduziu um protagonista carismático, outro subterfúgio importantíssimo para a construção da cultura gamer, a familiaridade permitia novos níveis de interação e imersão. Na década de 1980 surgiram também o Mario e o Donkey Kong, que dispensam explicações (o que por si só é explicativo).
Isso conclui um panorama resumido dos primórdios do videogame. Na realidade todos os conceitos que regiam aquela época ainda são radicais hoje em dia, ainda que a tecnologia utilizada seja tão longinquamente avançada que permita gráficos e volumes mais realistas ou miríades de interfaces cada vez mais sensíveis, diversas e desdobráveis (tais como a tela de toque de diversos portáteis ou os captores de movimento do Kinect). Se antes os jogos desenvolveram um pressuposto, hoje esses pressupostos se impõem aos jogos, o que obriga as empresas a se aterem a diversos fatores, diversas características, que determinam a aceitação do jogo pelo público ou não, e que são difíceis de serem contrariados, sob a pena de serem rejeitados por serem “novos demais”.
Abre-se, então, o ponto-chave do artigo, os jogos indies (independentes).
A Cultura do Apertar Botão e o Paradigma dos Jogos
A Era do Videogame também debate o conceito da chamada Cultura do Apertar Botão, que se refere a como os eletrônicos, em especial os videogames, transformaram nossa relação com o mundo a nossa volta, todas intermediadas e moldadas pelo ato automático de apertar um simples botão. As imagens que vem a partir disso são fáceis de imaginar (controles remotos, teclados, calculadoras, etc.), ainda que, num primeiro momento, não aceitemos que estamos vivendo num mundo determinado literalmente por isso. Se para as pessoas das décadas de 1960 e 1970 lidar com os botões exigia um esforço de adaptação, para as gerações a partir da década de 1980 isso já era parte constituinte e orgânica de seu cotidiano. Isso criou, claro, um efeito de “impessoalização”, de perda de contato real e emocional com o que quer que esteja na outra ponta do processo de apertar o botão.
Na realidade, acusar o poder alienante dos meios eletrônicos e digitais, seus possíveis perigos e vantagens, é redundante, ainda que pertinente. Por hora, basta refletir até que ponto começamos a deixar de trazer traços da realidade para dentro dos jogos e começamos a usar os traços que absorvemos dos jogos em nossa própria realidade, transformando tudo numa relação inócua, mas ao mesmo tempo, inconsequente.
Parte por iniciativa das próprias grandes empresas, parte por iniciativa de entusiastas, jogadores e programadores, hoje há uma grande variedade de jogos educativos, que procuram argumentar em cima das possibilidades didáticas dos games, evocando noções semelhantes às faladas no começo do texto, mas contextualizadas. É um segmento que procura redimir os videogames pela sua inegável propriedade viciante e alienante, mas que não caminha realmente na vanguarda nem na contracorrente, apelando, sob todos os aspectos, para as mesmas características comerciais que quaisquer outros jogos de mainstream usam, o que não acrescenta muito à discussão.
Essas tais características constantes, que não só determinam como os jogos são e serão, como também determinam como os jogadores reagirão a eles, forma o que podemos chamar de Paradigma dos Jogos.
Para esclarecer, um paradigma é todo um modelo de pensamento que rege uma determinada área da Ciência Humana. Inicialmente, esse termo era utilizado apenas na Linguística para definir estruturas de símbolos, mas se consagrou como uma série de descobertas científicas que termina por gerar um modelo, uma espécie de caminho, maneira de pensar o objeto do estudo. Por muito tempo, o homem vive sob diversos paradigmas, que determinam suas visões de mundo ao ponto da estagnação. Quando isso ocorre, diz-se que o “modelo está em crise” e muda-se de paradigma. O paradigma é a forma com que obtemos respostas da natureza, nosso modo de interrogá-la, logo, se não estamos obtendo um resultado satisfatório, não se trata da natureza e sim de nossa abordagem errônea.
Paradigmas são difíceis de serem superados e abandonados, pois são consagrados pelo tempo, quando não estão ligados por demais às concepções mais fundamentais das mentes de todos os homens de uma época. Mudar o paradigma é mudar seu modo de pensar totalmente. Mudar o paradigma não implica somente em abandonar as velhas respostas, como também deixar de fazer as mesmas perguntas, tomar outro ponto de partida.
Podemos então assumir que o Paradigma dos Jogos e a Cultura do Apertar Botão são semelhantes, mas não a mesma coisa. O primeiro lida com a pergunta fundamental - o que é um jogo? - enquanto o segundo avança para fora do âmbito do entretenimento digital e aborda toda a sorte de intermediação eletrônica e seus efeitos de comportamento.
Os jogos educativos passam longe de se voltarem contra esse paradigma, pois ainda se prendem a definições muito rasas do que seria “divertido” ou então, concepções mais rasas ainda do que seria um aprendizado verdadeiro. Noções muito ortodoxas, dados abstratos tais como matemática ou inglês, que são valiosas num nível muito mais prático do que num nível, digamos, espiritual. Nesse sentido, os jogos independentes, feitos por definição sem o apoio ou auxilio de grandes empresas, e sim por pequenos times de programadores descompromissados ou não, se destacam vagando pela borda entre o jogo e o não-jogo, entre o jogo e a arte pura.
O debate a respeito do caráter artístico dos videogames já tomou tanto tempo que não convém ser reproduzido aqui. Pode-se apenas citar, já num sentido de elucidar essa questão, que os videogames exibem dentro de si praticamente todas as formas de artes clássicas conhecidas num conjunto, acrescentando outra, de extrema importância para o artigo: a interatividade. Assim sendo, os videogames são uma forma de arte enquanto expressão do homem, e transcendem a definição comum por serem uma arte onde é possível alterar e coexistir com o seu conteúdo, imergir.
O Paradigma dos Jogos limita as possibilidades artísticas dos jogos assim como também os reduz a um punhado de arquétipos e estereótipos de reação e comportamento. Por exemplo, na maioria massacrante dos jogos que se encontra por ai, o jogador é obrigado a lutar senão matar alguma coisa em seu caminho, coletar diversos tipos de itens e valores de forma compulsiva, movimentar-se do ponto A ao ponto B numa inércia psicológica. Tais questões podem parecer francamente ridículas de serem levantadas, mas se olhadas sob uma ótica crítica, revelam como a cultura dos games se fundamenta em conceitos falhos. Mesmo que estejam justificadas no universo de ideias mostrado pelo jogo, mesmo que no jogo seja apresentada uma “razão” para se matar determinado alvo, justamente por se tratar de um ato simulado, esse ato não possui qualquer lógica ou motivo de ser.
O leitor deve estar se sentindo incomodado, ainda mais se for um consumidor ávido de videogame, julgando o parágrafo acima mais uma crítica parental intelectualizada. Essa reação de proteção ao universo abstrato que compõe os jogos é uma prova da resistência do paradigma. Não se trata de uma crítica à exacerbada violência presente nos games, ou mesmo aos valores impostos nos mundos fictícios de jogo, frequentemente de tônica americanizada, também não é um simples olhar por sobre a mensagem geral dos jogos, nem da forma com que é apresentada, e sim daquilo que está entre esses dois. Se o leitor se irritou com essa passagem é porque, quer queira ou não, ele aceita o jogo como uma coisa real, tal como a matemática, que transcende o posto de deliberação para o de pilar das certezas da realidade. Não sem motivo, claro, a relação que ele, leitor, possui com o meio do jogo é real.
Seria fácil argumentar de volta fazendo troça das iniciativas ditas artísticas. Têm-se dos games indie a imagem de jogos deliberadamente mal feitos e de conteúdo hermético, como que feitos para o próprio programador jogar e se deleitar. De fato é uma impressão comum a todo tipo de arte de vanguarda, mas não se aplica diretamente a eles, pois diversos games indie são feitos por empresas que apenas não pertencem ao grande mercado ou então profissionais solitários que buscam esmero. A busca deles de enfrentar o paradigma se resume na faceta mercadológica do mesmo e não tanto na artística. Eles buscam alterar as regras do mercado, para daí alterarem as regras dos games.
Existem, de fato, jogos indie que cabem a essa definição zombeteira. Tanto que atentam, descarado e corajosamente, contra os conceitos populares que formam a ideia de jogo. Ou seja, muitos deles buscam testar os limites do que ainda pode ser considerado “jogável”, buscam transportar outros tipos de cotidianos não tão mecânicos para dentro do jogo ou então enxergar relações lúdicas em detalhes da vida e apontá-los através do jogo. Claro que, nessa ânsia, vários resultados se aproximam do “injogável” e o criador pode ter feito algo distante demais do debate. Uma vez que não existem direções dentro dessa noção, romper barreiras e atravessar fronteiras pode acabar se mostrando uma ilusão subjetiva e pouca ou nenhuma evolução pode ter sido atingida. Mas o intento permanece: se convivemos eternamente em contato com realidades abstratas vindas dos jogos, que influenciam nossos pensamentos, que ao menos possamos manipular essas realidades para nos fornecer coisas melhores.
Ainda resta a pergunta: para que atentar contra o paradigma, se estamos satisfeitos e empolgados com os rumos dos videogames da forma como são hoje? É a empresa que mais lucra dentre todas do entretenimento. Os processos estão cada vez mais avançados. As pessoas jogam cada vez mais em diversas plataformas.
A resposta é que uma parcela significativa das pessoas não está tão satisfeita. Assim como houve uma evolução material, faz-se necessário uma evolução em camadas distintas. A internet permitiu que esse desejo se externasse, colocando à disposição todas as ferramentas necessárias (e as inexistentes podendo ser criadas).
Por que criar jogos independentes se podemos imergir em infinitos mundos de jogo, com quilômetros de espaço imaginário, podendo destruir ou pegar tudo aquilo que quisermos?
Muito simples: porque queremos liberdade.
Aperte Qualquer Tecla para Pensar
Um dos aspectos mais curiosos a respeito dos games produzidos pelas grandes empresas, voltado para o consumo generalizado, é o esforço crescente que se observa em tentar tornar os jogos cada vez mais realistas. Não apenas as texturas têm ficado cada vez mais verossímeis como também vem sendo aplicado um grande tempo no desenvolvimento de inteligências artificiais que imitem com precisão a reação dos inimigos e a física do movimento, sem contar as pesquisas para tentar transportar ao jogo técnicas e parafernálias idênticas às usadas, por exemplo, por forças especiais militares. Mas na mesma razão que você aproxima jogo de realidade, a realidade se impõe (ou deveria se impor) ao jogo. Ou seja, é buscada a réplica de tudo, exceto de uma coisa, o mais realista dos aspectos do mundo: as consequências.
Existem diversos jogos que buscam emular essas consequências transformando-as em faltas arbitrárias ou déficits de desempenho, o que de forma alguma espelha os verdadeiros vieses que existiriam se a situação fosse real. E nessa altura da discussão, evocar a inocente intenção dos jogos de serem “apenas divertidos” e que tais detalhes os tornariam “chatos”, seria contraditória.
Um jogo indie que lida diretamente com essa questão paradigmática é Execution, desenvolvido por Jesse Venbrux. Um jogo hiper-curto, que coloca o jogador numa situação simples: fuzilar ou não um completo estranho. Consumando o ato, o jogo acaba (e a pessoa que você matou permanece morta, impedindo você de tornar a jogar). A vitória é obtida superando um dos reflexos mais primitivos difundidos nos jogos: matar aquilo que o jogo ordenar, sem questionamento. Claro, o efeito que o jogo espera criar é determinado por uma situação um tanto quanto específica demais, mas espelha bem a insólita e improvável situação de estar sem saber nada, com uma arma na mão. Aqui, o que é explorado é o estado psicológico de apatia criado pelos jogos, muitas vezes criticado quando visto em contextos de guerra real, levando soldados a cometerem crueldades. De fato, esse jogo tenta aguçar sentidos, mas não animais, nem através de diversão. A menos que filosofar seja uma diversão para você...
Através desse exemplo fica mais claro qual a aparência e funcionamento gerais dos jogos indies, e já que se começou a falar deles propriamente, vamos citar alguns bons exemplos.
Ainda na categoria de jogos que “brincam” com os (pré)conceitos dos games, podemos citar Life is a Race, do programador Cactus, onde vence o jogador que não se deixar levar pela necessidade obsessiva de terminar o jogo rapidamente, e sim realmente curtir cada momento e aproveitar sua estadia, num paralelo com a própria vida. Free Will e You Only Live Once, ambos da produtora Raitendo, questionam o estranho mecanismo das “muitas vidas”, que permitem várias tentativas seguidas de avançar. Neles, o jogador nada pode fazer se errar e morrer, pelo contrário, sua falta de cuidado gera uma série de acontecimentos interessantes de se observar, embora não tão bons para o personagem. Lose Lose, de Zach Gage, leva a experiência do erro ao extremo, o que pode gerar revolta a um desavisado, para cada dano levado pelo jogador, um arquivo de seu HD é perdido definitivamente - o que deve gerar uma dor psicológica equivalente a uma dor física, dada nossa Cultura do Apertar Botão.
Existem jogos indies que se dedicam a buscar realismo não através desses pontos mecânicos, mas sim tentando traduzir situações incomuns da vida real, muitas delas perturbadoras, para a linguagem do jogo. Home, de Stephen Lavelle, simula a vida de um idoso preso num quarto de asilo, cujo único interesse é se manter vivo, atendendo suas necessidades básicas. Todavia, vão surgindo dificuldades cada vez maiores, enquanto as necessidades não diminuem, criando um efeito de agonia bem semelhante à de alguém abandonado na extrema velhice. 6 and a Half, de Peter Groeneweg, consegue ser mais sinistro ainda quando decifrado seu contexto, o jogador encarna uma menina de seis anos e meio que tenta, inutilmente, evitar a separação dos pais, que brigam constantemente. A troca de insultos entre os dois dificulta as ações da menina, cuja única arma que possui são beijos e a única defesa são gritos.
Ainda nessa corrente, podemos falar de jogos que tentam ilustrar visões de mundo, hipóteses ou teorias através de uma mecânica interativa. Life Games, de Ze Frank, é cômico na simplicidade como aborda três das cosmogonias mais populares do globo: cristianismo, budismo e ateísmo. O jogador escolhe uma orientação e encara a vida após a morte segundo aquela visão. A liberdade de exploração é quase total, mas as possibilidades são tão limitadas quanto à religião escolhida permite. Free Culture, de Paolo Pedercini, é mais acadêmico em suas propostas, na medida em que teoriza um efeito social interessante. Você representa a iniciativa conhecida como CopyLeft, que é oposta ao CopyRight, que tende a industrializar as boas ideias e usá-las para alienar as pessoas, tornando-as consumidoras passivas. Sua missão é evitar que as boas ideias saiam da cabeça das pessoas e caiam nas mãos do CopyRight, ao invés disso, retornando às pessoas, libertando-as. Sim Dilema, do brasileiro Janos Biro, parte do dilema do prisioneiro de Albert Tucker e o expande, criando um interessante enigma social, onde a vitória é obtida através do equilíbrio das partes, a primeira vista, inconciliáveis.
E há também uma sutil somatória dessas tendências indie em jogos completamente poéticos, não só nas mensagens transmitidas como também pelas interfaces singelas. Estamos Esperando, de Daniel Martins Novaes e Today I Die de Dan Benmergui seguem a risca esse conceito, sendo literalmente poemas jogáveis. Numa tangente mais semelhante à literatura temos But That Was Yesterday, de Michael Molinari, onde o jogador vive a curta saga do herói que procura superar as tristezas do passado, munindo-se das memórias daqueles que passaram pelo seu caminho. Nota para a excelente trilha sonora que acompanha a história, que é baseada na vida do criador. Mais literário ainda é Ergon/Logos do mesmo criador de Free Culture, que nada mais é do que um texto, sem demais imagens, que se move num ritmo semelhante à epopeia que está contando, criando efeitos interessantes de escolha e consequência.
Mas para aqueles que não buscam tanto arrojo mental, existem jogos mais irreverentes e descompromissados, que oferecem uma experiência mais leve, semelhante a um pequeno quebra-cabeça. É o caso de Karoshi também de J. Venbrux, onde o objetivo é matar o protagonista, um trabalhador de terno, de várias e ridículas formas.
Sobre o Indie
Pode se encontrar esse termo inserido em diversas outras formas de arte e entretenimento, não só na música, onde é mais associado, mas também nos RPG’s, filmes, design, e agora, nos jogos. Foi originalmente cunhada apenas como uma distinção para aqueles que não atuavam sob qualquer tipo de contrato de produção sob encomenda e venda planejada, ou seja, que não seguiam os ditames capitalistas fundamentais.
Aos poucos, os artistas indies deixaram de se considerar apenas artistas rejeitados pela grande mídia, obrigados a se editarem e produzirem por si mesmos, para assumirem a postura de desbravadores e experimentalistas, não necessariamente opostos ao sistema, mas sim a favor de uma expansão das fronteiras dos possíveis gostos, a fim de abrir novas vias e novos nichos culturais.
Nessa busca, como pode ser observado pelos jogos, os criadores em primeiro lugar procuram uma espécie de liberdade, quebrando tantos tabus quanto acharem pelo caminho. Em segundo, procuram fazer da arte sua assinatura, sua afirmação de identidade, o que os obriga a deixar a postura iconoclasta de se opor a tudo e se apegarem a um ou mais elementos que gostam e que acreditam ser certos. Mas acima disso tudo, há o desejo de serem originais, a única e verdadeira maneira de serem transgressores.
Uma vez que o processo comunicativo tende a etiquetar tudo com nomes, a fim de acolhê-los na linguagem e torná-los comunicáveis, qualquer tipo de expressão é passível de ser comercializada, já que é passível de ser levada adiante para outro receptor. Uma vez comunicada e difundida, o caráter transgressor da arte decai até ela se transformar num paradigma em si. Olhando desse modo, o impulso indie tem um ponto fraco indissimulável, que depõe contra seu próprio intento.
Posto isso, podemos observar como determinados artistas buscam lutar contra esse fatalismo criando coisas deliberadamente herméticas, aleatórias e incompreensíveis. Peças que se apresentam ao público como honestamente “ingostáveis”, preferindo mais a eternidade insondável de seus próprios enigmas do que o apelo do público - como, por exemplo, o famoso disco de Lou Reed, Metal Machine Music, altamente experimental, considerado por muitos o pior disco de todos os tempos.
Recentemente, Lou Reed fez uma série de shows em homenagem a esse disco, composto de puros ruídos elétricos, sem quase qualquer critério musical. O resultado foi perturbador para os fãs que buscavam os clássicos, mas com certeza cada show após o outro deve ter sido único e irreproduzível.
Considerações Finais
A metáfora dos jogos nos cerca, com certeza. Estamos constantemente jogando. Para algumas nações, essa metáfora é bem mais verdadeira, como é o caso da Coréia, país com maior índice de consumidores ativos de jogos de videogame, a ponto de isso ser um problema público, além de uma forma de geração de renda.
A despeito disso, jogamos. Jogamos no sentido de encarar as coisas a nossa volta como obstáculos a serem superados, ultrapassados ou dominados, mas nos atemos as regras que nos limitam, mas ainda assim estamos de olho nas recompensas. Tal linguagem figurativa pode ser vista e refletida no filme Scott Pilgrim Contra o Mundo, que faz mais do que apenas usar efeitos sonoros e visuais para fazer da vida do protagonista um jogo. Os desafios da adolescência excêntrica do personagem se apresentam a ele como chefões de fase, e a maturidade como um level up.
Não cabe aqui nesse artigo deliberar a respeito das distorções que esse modo de encarar a vida pode causar à psique de uma pessoa, ou como um jogo pode desgastar ou tirar dela sua sensibilidade inata, tornando-a apática. Mas mesmo nesses episódios, é possível ver como eles estão intimamente ligados à construção da inteligência humana, permitindo que se externe todo o tipo de pensamento engenhoso.
Por fim, fica a definição da Professora Renata Gomes, doutora em Comunicação e Semiótica da PUC –SP, que consegue abranger todos os contextos acerca dos jogos:
“(O jogo) é uma forma de cultura que antecede a linguagem verbal e, de certo modo, de onde ela consegue emergir. Jogo é um ser-jogado: ele não é seu conjunto de regras, não é o relato do que foi jogado, não é o DVD do game, não são as imagens e sons que alguém que apenas está observando o jogo enxerga e ouve. É aquilo que emerge das regras na hora em que o jogo é posto em ação através de seus jogadores, em resposta às ações destes, a seu repertório, às suas ideias e escolhas (...)”
Assim sendo, não é a toa que o videogame, ao ser zerado, agradece ao jogador pela oportunidade de ter se feito “existir” através dele, ainda que num curto período de tempo.
Thank You for Playing
Rafael Martins Páros
Fontes Consultadas:
http://infoblarg.blogspot.com
http://zebra5.wordpress.com/2010/09/02/entrevista-com-renata-gomes/
http://ideogames.blogspot.com/
http://pt.wikipedia.org/
http://en.wikipedia.org
Kio- Editor aposentado
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Re: TEXTOS REVISADO EDIÇÃO # 25
ENTREVISTA COM GILMAR
DADOS VITAIS DO ARTISTA
NOME: Gilmar
NATURALIDADE: Presidente Dutra - BA
DATA DE NASCIMENTO: 01/07/65
PRIMEIRA REVISTA QUE LEU OU QUE C0MPROU: Mortadelo e Salaminho
REFERÊNCIAS GRÁFICAS/ARTÍSTICAS: Laerte , Angeli e Fernandes.
ÚLTIMA BOA COISA QUE LEU (OU ASSISTIU): Desenho animado: Rango. Quadrinho independente: O Louco, a Caixa e o Homem.
O QUE ANDA LENDO NO MOMENTO: Shakespeare em Quadrinhos- Sonho de Uma Noite de Verão.
HISTÓRICO PROFISSIONAL (RESUMO):
É cartunista, tem mais de 40 anos, vive em um casulo, publica seus desenhos em jornais, revistas e livros. Publicações: Folha de São Paulo, Diário de SP, Diário do Grande ABC, Hoje Jornal, Jornal do Brasil, Tribuna de Vitória, SPFW Journal, Diário Regional, O Pasquim 21, Jornal Vida Econômica de Portugal. Humor Uol e Você S/A. Editoras: FTD, Paulinas, Senac, Moderna, Abril e Globo, Devir e Zarabatana Books.
PERSONAGENS E PUBLICAÇÕES AUTORAIS:
Publicou 5 álbuns de coletâneas de tiras em quadrinhos, são eles:Cartuns e Humor - Ócios do Ofício (Editora Escala) em 2002, Para Ler Quando o Chefe não Estiver Olhando, 2004 (aprovado pelo PNLD) Pau Pra Toda Obra, 2005 (aprovado pelo PNBE), editora Devir, Caroço no Angu, 2009 (Proac) e Ocre “Quadrinhos não Recomendáveis para Pessoas Românticas” 2011, Editora Zarabatana books.
Personagens: OCRE e Guilber.
RITMO DE PRODUÇÃO DIÁRIO: Inconstante.
TÉCNICAS QUE DOMINA (PODE LISTAR TAMBÉM AS QUE NÃO DOMINA): Traço simples, caneta nanquim descartável, sulfite e pinceladas no Photoshop. Não domino a paciência para pincéis e tintas.
HQS, LIVROS E FILMES DE CABECEIRA: Filmes: desenhos animados e biográficos. Não sou um leitor fanático e prefiro ter caneta e papel na cabeceira.
BETONANDO GERAL o GILMAR em breve
Nos “confins” (não o de Minas) do interior nordestino, na então, modesta cidadezinha de Presidente Dutra, no auge “calorento” do “Golpe da Revolução” Ditatorial do país, nascia um rebento destinado a levar humor e cores a um universo sem graça e que, sem dúvida, deve ter inspirado Frank Miller a criar Sin City. Refiro-me ao menino-talento Gilmar Barbosa!
Tá certo que ele não nasceu em uma manjedoura e não teve estrela sinalizadora apontando o caminho para o seu nascimento, talvez, no máximo, um poste ou candieiro em frente, tudo isso para não ofuscar a chegada de um “iluminado”.
Isso aconteceu em um dia primeiro de julho de 1965, a partir daí a família ganhou uma boca a mais pra alimentar e o Brasil mais um guerrilheiro das artes em suas fileiras.
Quando os “Barbosa’s” resolveram picar a mula, subir num pau-de-arara e rumar ao “Sul Maravilha”, levando em sua bagagem mais esperança e sonhos do que rapadura e charque, não imaginavam que estavam abrindo não apenas os dentes, escancarados no sorriso do menino Gilmar, mas sim, um futuro promissor no campo das artes gráficas de sua prole.
Em Sampa, nada foi fácil para o nosso jovem herói. Mas ele não tinha do que reclamar, afinal não havia nenhum morcegão pedófilo milionário pra lhe azucrinar nas noites de sexta. A leitura dos gibis, de certa forma, serviram como alimento, tanto artístico, quanto da alma: “Mortadelo e Salaminho” na mesa!
Começou no batente artístico participando de publicações sindicais, onde teve a oportunidade de conviver com um barbudo troca-letras, conterrâneo nordestino, que nem imaginava estar destinado a ser mais do que um mero líder sindical: o Luiz Inácio. Se cogitasse à época, publicamente, a possibilidade de um dia ser presidente, certamente seria agraciado com um apêndice nada honroso ao seu já conhecido nome de guerra: LULA “LELÉ”!
E o Gilmar, assim como o Lula e outras pessoas de fibra e de coragem, que não arribaram o pé de seus sonhos, de suas convicções e se mantiveram firmes e fortes aos seus ideais, receberam a punição como castigo! Chegou a ficar cinco horas detido por portar material “subversivo”. Mas pode, depois, curtir de camarote o regime da vergonha ruir diante dele. E só pra garantir que a democracia não era uma charge política, pintou a cara e foi às ruas, gritar, fora Collor, fora a corrupção, fora a hipocrisia, fora a impunidade... infelizmente, só o Collor “saiu” (e mesmo assim voltou para o segundo tempo da prorrogação do jogo sujo político).
Pintar a cara foi o mínimo para quem já pintava as telas e já colecionava títulos em salões de humor por esses brasis e mundo afora. O Gilmar já não era o “meninin” raquítico e cabeçudo do bucho grande e com remela nos olhos, que chegou ainda criança na “cidade grande”. Na verdade, ele nunca foi! Ele já nasceu homem! Tendo de vivenciar uma realidade cruel que ceifa qualquer inocência e infância de uma criança. E mesmo assim, não teve o seu senso de humor afetado ou autoestima abatida. Gilmar absorveu as porradas que a vida lhe deu e retribuiu dando a outra face, a do papel, no caso. Fez e faz história, começa a criar uma escola (de estilo), tornou-se uma metamorfose ambulante do traço e que busca ainda se libertar de seu casulo, em busca de uma maturação que já possui, mas que sempre almeja mais.
Após rodar o mundo, ainda possui uma dívida consigo mesmo, resgatar suas origens, voltar a hoje metropolitana Presidente Dutra e ser reconhecido como o filho prodígio que se ausentou apenas pela necessidade de registrar a história de seu país e, em função disso, acabou por fazer parte dela e ajudou a construí-la também.
Gilmar Barbosa é um artista singular, um santista que reside em Santo André, um nordestino vitorioso que perdeu o seu sotaque na fala, mas jamais de seu coração. Um cara que construiu uma carreira vindo do pó, talvez por isso tenha um baita de um “mocotó” (batata da perna)! Gilmar é isso e muito mais. Ele fez acontecer. E é assim que começam as lendas...
BETONANDO GERAL o GILMAR
FARRAZINE - Para um artista gráfico da escola dos salões de humor, premiadíssimo nacionalmente e no exterior, como foi a experiência de participar pela primeira vez do FIQ – Festival Internacional de Quadrinhos de Belo Horizonte?
Gilmar - Eu diria que foi um fechamento com chave de ouro pelo que eu esperava ver num festival de quadrinhos já tradicional no Brasil. Sinto que os salões de humor estão respirando por aparelhos e para ocupar seus lugares estão surgindo os festivais internacionais de quadrinhos.
FZ - Antes do FIQ você já havia feito sua iniciação em eventos do gênero, participando tanto no GIBICON (Curitiba), quanto do RIOCOMICON (Rio de Janeiro). Que pontos você poderia destacar como diferenciais em cada um desses eventos?
G - Acho que todos foram meio iguais, mesmas características. Curitiba, cidade charmosa e organizada, lugar perfeito para um evento como esse. Rio, não achei apropriado cobrar ingresso para o público, mesmo assim no final de semana foi muita gente. E em Belo Horizonte foi impressionante o número de pessoas que passaram por ali e também pelo número de publicações de ótima qualidade de artistas brasileiros. Não acho que deve haver comparações e sim um fortalecimento de todos os eventos ligados a área.
FZ - Acredito que, como eu, poucas pessoas (a não ser os mais íntimos) saibam de sua origem nordestina. Como foi o seu teletransporte do interior baiano para a grande S. Paulo e como teve início a sua trajetória no mundo das artes gráficas?
G - Não muito diferente dos conterrâneos que para cá vieram, ou seja, pau-de-arara, farofa e rapadura na lata. Comecei na imprensa sindical, onde trabalhei por mais de dez anos fazendo charges e tiras para os jornais e revistas sindicais. Uma época boa nos anos 80 em que o Brasil anunciava mudanças políticas significativas, sim, tomei espremidinha com o Lula, fui preso por 5 horas por portar material subversivo e pintei a cara no impeachment do Collor.
FZ - Você tem um traço singular que já está fazendo escola, o quadrinista paraibano Ricardo Jayme é um desses artistas que tem você como referência. Apesar de ter citado três feras do traço, anteriormente (Angeli, Laerte e Fernandes), continuo classificando sua arte como algo totalmente autêntica e inédita. E então, o Gilmar bebeu em que fonte pra chegar nesse traço tão peculiar? Ou trata-se do amadurecimento adquirido após anos de reclusão dentro de seu casulo?
G - As únicas referências que posso citar são os cartunistas que tiveram destaque nos anos 80 com as revistas em bancas. Não tive grandes influências significativas, vou desenvolvendo o traço e vai dando no que dá. Prezo muito a reciclagem para me estimular, pelo menos tento me enganar achando que o traço está diferente. Entedia-me fazer sempre a mesma coisa, talvez por isso resisto aos personagens ou séries fixas.
FZ - Suas publicações anteriores sempre tiveram como foco de abordagem o humor crítico, ácido ou nonsense sobre temas cotidianos. De onde veio a inspiração para o “OCRE” e quais são os planos da série para o futuro?
G - Gosto da linguagem das tiras. “Microcrônicas gráficas” do comportamento humano. Além disso, sempre busco o humor sem muitas viagens filosóficas. Já fiz tiras para jornais, revistas e livros e têm algumas que fiz há 10 anos e ainda rendem royalties; é como uma música que você grava e sempre fica pingando uns trocados. O detalhe é que sempre fiz tiras pautadas e o OCRE foi uma iniciativa sem pauta e sem cobrança de editor, fiz para agradar a mim, sem traço bonitinho e sem preocupação com o politicamente correto. É uma coletânea de tiras machista e feminista ao mesmo tempo.
FZ - Percebi de perto durante o FIQ que o “Caroço no Angú”, por exemplo, teve uma grande aceitação entre o público infanto-juvenil, embora não tenha sido criado especificamente voltado para esse público. Além do colorido e do seu traço carismático, a que você atribuiu tamanha aceitação? Ou isso lhe passou despercebido?
G - Talvez porque é um livro supercolorido e os personagens meio animados, meio escandalosos. Esta coletânea foi adotada pelo Governo Estadual (SP) e pelo Governo Federal, assim como as outras mais antigas - “Para Ler Quando o Chefe Não Estiver Olhando” e “Pau Pra Toda Obra” - para fazerem parte do acervo das bibliotecas públicas, agrada a garotada de certa maneira.
FZ - Após essa sua incursão em 2011 pelo universo da nona arte, existe alguma possibilidade de podermos aguardar algum trabalho do Gilmar como quadrinista, propriamente dito num futuro próximo?
G - Sim, pretendo. Estou negociando comigo mesmo, a coisa está tensa por enquanto. Mas tenho feito experimentações e me reeducando para coisas com linguagens não tão curtas.
FZ - O Paulo Ramos disse que voltou pra casa com cerca de 70 obras em sua bagagem adquirida durante o FIQ. E você, foi só pra curtir o evento e fazer o lançamento do “Ocre” ou também aproveitou pra consumir ou pelo menos estudar o que está saindo de interessante no mundo das publicações alternativas?
G - Cara, o FIQ me impressionou com o grande número e a excelente qualidade dos quadrinhos independentes, impossível passar batido sem consumir alguma coisa além do chope. Dá um prazer ver tudo aquilo se movimentando e a cada momento uma surpresa nova em quadrinhos. Traço moderno, linguagem ousada e, além disso, rola um orgulho de ver tudo isso brotando no Brasil.
FZ - E no tocante às expectativas sobre o evento e as vendas, corresponderam ou você realmente esteve no FIQ, principalmente, como um mero observador, estudando esse novo habitat, suas futuras possibilidades e revendo os inúmeros amigos?
G - Isso sempre foi um grande motivo para encontrar amigos e “bebericar”, mas a coisa está indo além disso. O mercado está mostrando as garrinhas e está ficando legal para todo mundo, longe do espetacular, claro, mas tem que respeitar a construção do caminho que, de cinco anos para cá, está dando sinais de solidez.
FZ - De volta às origens: embora tenha saído muito pequeno de Presidente Dutra na Bahia, você nos confidenciou que existe dentro de si uma grande vontade de retornar e de conhecer as suas origens. Inclusive, o “sonho” de ser reconhecido como um “cidadão” de fato e de direito por lá. Há planos para quando ocorrerá esse tão almejado retorno do filho prodígio à sua terra natal?
G - Pois é! Tenho muita vontade de conhecer o local que nasci, conversar com as pessoas, enfim... Já planejei isso várias vezes, mas nunca deu certo. Agora mereço uns cascudos, pois já visitei 8 países e a cidadezinha do sertão baiano fica sempre para depois. Mas farei isso e, claro, comer rapadura, pinha e beiju.
FZ - A saideira: você nos confessou que possui ainda muito preconceito sobre alguns gêneros da arte sequencial. Eles são de fato “pré-conceitos” ou você já andou se debruçando e lendo mais de uma obra de cada gênero para dizer com convicção que não gosta disso ou daquilo?
G - É um fato. Eu não gosto de histórias de superheróis, Marvel, DC, etc. Nunca gostei, nem quando era garoto, acho uma coisa meio repetitiva, parece filme pornô. Não estou tirando o mérito dos artistas que são sensacionais, aquilo é um tipo de trabalho que bato palmas, tem que ter muito talento, mas não me atrai como leitor. Preferia coisas mais engraçadinhas como Mortadelo e Salaminho, Brotoeja, Cebolinha, Sacarrolha. Hoje, busco coisas que me surpreendem.
FZ - Pronto. Acabou. Quem quer mais? Quero encerrar lhe agradecendo não apenas pelo privilégio de ter nos concedido essa entrevista, mas principalmente, por ter dividido o espaço conosco no estande da “República dos Quadrinhos”! Foi um enorme prazer e de antemão quero reforçar que o Gilmar, além de talentoso, é um ser humano sem igual, humilde, bem humorado e que conviveu numa boa com a galera amadora e tiete dele. (risos) Valeu Gilmar! Até o próximo contato imediato! E que este, seja breve!
G - Eu que agradeço. E para quem não conhece o Beto pessoalmente, e pretende fazer isso algum dia, prepare-se porque o cara é um fenômeno, ligado nos 420 por 24 horas, duro de acompanhar. Um abraço e nos vemos por aí.
DADOS VITAIS DO ARTISTA
NOME: Gilmar
NATURALIDADE: Presidente Dutra - BA
DATA DE NASCIMENTO: 01/07/65
PRIMEIRA REVISTA QUE LEU OU QUE C0MPROU: Mortadelo e Salaminho
REFERÊNCIAS GRÁFICAS/ARTÍSTICAS: Laerte , Angeli e Fernandes.
ÚLTIMA BOA COISA QUE LEU (OU ASSISTIU): Desenho animado: Rango. Quadrinho independente: O Louco, a Caixa e o Homem.
O QUE ANDA LENDO NO MOMENTO: Shakespeare em Quadrinhos- Sonho de Uma Noite de Verão.
HISTÓRICO PROFISSIONAL (RESUMO):
É cartunista, tem mais de 40 anos, vive em um casulo, publica seus desenhos em jornais, revistas e livros. Publicações: Folha de São Paulo, Diário de SP, Diário do Grande ABC, Hoje Jornal, Jornal do Brasil, Tribuna de Vitória, SPFW Journal, Diário Regional, O Pasquim 21, Jornal Vida Econômica de Portugal. Humor Uol e Você S/A. Editoras: FTD, Paulinas, Senac, Moderna, Abril e Globo, Devir e Zarabatana Books.
PERSONAGENS E PUBLICAÇÕES AUTORAIS:
Publicou 5 álbuns de coletâneas de tiras em quadrinhos, são eles:Cartuns e Humor - Ócios do Ofício (Editora Escala) em 2002, Para Ler Quando o Chefe não Estiver Olhando, 2004 (aprovado pelo PNLD) Pau Pra Toda Obra, 2005 (aprovado pelo PNBE), editora Devir, Caroço no Angu, 2009 (Proac) e Ocre “Quadrinhos não Recomendáveis para Pessoas Românticas” 2011, Editora Zarabatana books.
Personagens: OCRE e Guilber.
RITMO DE PRODUÇÃO DIÁRIO: Inconstante.
TÉCNICAS QUE DOMINA (PODE LISTAR TAMBÉM AS QUE NÃO DOMINA): Traço simples, caneta nanquim descartável, sulfite e pinceladas no Photoshop. Não domino a paciência para pincéis e tintas.
HQS, LIVROS E FILMES DE CABECEIRA: Filmes: desenhos animados e biográficos. Não sou um leitor fanático e prefiro ter caneta e papel na cabeceira.
BETONANDO GERAL o GILMAR em breve
Nos “confins” (não o de Minas) do interior nordestino, na então, modesta cidadezinha de Presidente Dutra, no auge “calorento” do “Golpe da Revolução” Ditatorial do país, nascia um rebento destinado a levar humor e cores a um universo sem graça e que, sem dúvida, deve ter inspirado Frank Miller a criar Sin City. Refiro-me ao menino-talento Gilmar Barbosa!
Tá certo que ele não nasceu em uma manjedoura e não teve estrela sinalizadora apontando o caminho para o seu nascimento, talvez, no máximo, um poste ou candieiro em frente, tudo isso para não ofuscar a chegada de um “iluminado”.
Isso aconteceu em um dia primeiro de julho de 1965, a partir daí a família ganhou uma boca a mais pra alimentar e o Brasil mais um guerrilheiro das artes em suas fileiras.
Quando os “Barbosa’s” resolveram picar a mula, subir num pau-de-arara e rumar ao “Sul Maravilha”, levando em sua bagagem mais esperança e sonhos do que rapadura e charque, não imaginavam que estavam abrindo não apenas os dentes, escancarados no sorriso do menino Gilmar, mas sim, um futuro promissor no campo das artes gráficas de sua prole.
Em Sampa, nada foi fácil para o nosso jovem herói. Mas ele não tinha do que reclamar, afinal não havia nenhum morcegão pedófilo milionário pra lhe azucrinar nas noites de sexta. A leitura dos gibis, de certa forma, serviram como alimento, tanto artístico, quanto da alma: “Mortadelo e Salaminho” na mesa!
Começou no batente artístico participando de publicações sindicais, onde teve a oportunidade de conviver com um barbudo troca-letras, conterrâneo nordestino, que nem imaginava estar destinado a ser mais do que um mero líder sindical: o Luiz Inácio. Se cogitasse à época, publicamente, a possibilidade de um dia ser presidente, certamente seria agraciado com um apêndice nada honroso ao seu já conhecido nome de guerra: LULA “LELÉ”!
E o Gilmar, assim como o Lula e outras pessoas de fibra e de coragem, que não arribaram o pé de seus sonhos, de suas convicções e se mantiveram firmes e fortes aos seus ideais, receberam a punição como castigo! Chegou a ficar cinco horas detido por portar material “subversivo”. Mas pode, depois, curtir de camarote o regime da vergonha ruir diante dele. E só pra garantir que a democracia não era uma charge política, pintou a cara e foi às ruas, gritar, fora Collor, fora a corrupção, fora a hipocrisia, fora a impunidade... infelizmente, só o Collor “saiu” (e mesmo assim voltou para o segundo tempo da prorrogação do jogo sujo político).
Pintar a cara foi o mínimo para quem já pintava as telas e já colecionava títulos em salões de humor por esses brasis e mundo afora. O Gilmar já não era o “meninin” raquítico e cabeçudo do bucho grande e com remela nos olhos, que chegou ainda criança na “cidade grande”. Na verdade, ele nunca foi! Ele já nasceu homem! Tendo de vivenciar uma realidade cruel que ceifa qualquer inocência e infância de uma criança. E mesmo assim, não teve o seu senso de humor afetado ou autoestima abatida. Gilmar absorveu as porradas que a vida lhe deu e retribuiu dando a outra face, a do papel, no caso. Fez e faz história, começa a criar uma escola (de estilo), tornou-se uma metamorfose ambulante do traço e que busca ainda se libertar de seu casulo, em busca de uma maturação que já possui, mas que sempre almeja mais.
Após rodar o mundo, ainda possui uma dívida consigo mesmo, resgatar suas origens, voltar a hoje metropolitana Presidente Dutra e ser reconhecido como o filho prodígio que se ausentou apenas pela necessidade de registrar a história de seu país e, em função disso, acabou por fazer parte dela e ajudou a construí-la também.
Gilmar Barbosa é um artista singular, um santista que reside em Santo André, um nordestino vitorioso que perdeu o seu sotaque na fala, mas jamais de seu coração. Um cara que construiu uma carreira vindo do pó, talvez por isso tenha um baita de um “mocotó” (batata da perna)! Gilmar é isso e muito mais. Ele fez acontecer. E é assim que começam as lendas...
BETONANDO GERAL o GILMAR
FARRAZINE - Para um artista gráfico da escola dos salões de humor, premiadíssimo nacionalmente e no exterior, como foi a experiência de participar pela primeira vez do FIQ – Festival Internacional de Quadrinhos de Belo Horizonte?
Gilmar - Eu diria que foi um fechamento com chave de ouro pelo que eu esperava ver num festival de quadrinhos já tradicional no Brasil. Sinto que os salões de humor estão respirando por aparelhos e para ocupar seus lugares estão surgindo os festivais internacionais de quadrinhos.
FZ - Antes do FIQ você já havia feito sua iniciação em eventos do gênero, participando tanto no GIBICON (Curitiba), quanto do RIOCOMICON (Rio de Janeiro). Que pontos você poderia destacar como diferenciais em cada um desses eventos?
G - Acho que todos foram meio iguais, mesmas características. Curitiba, cidade charmosa e organizada, lugar perfeito para um evento como esse. Rio, não achei apropriado cobrar ingresso para o público, mesmo assim no final de semana foi muita gente. E em Belo Horizonte foi impressionante o número de pessoas que passaram por ali e também pelo número de publicações de ótima qualidade de artistas brasileiros. Não acho que deve haver comparações e sim um fortalecimento de todos os eventos ligados a área.
FZ - Acredito que, como eu, poucas pessoas (a não ser os mais íntimos) saibam de sua origem nordestina. Como foi o seu teletransporte do interior baiano para a grande S. Paulo e como teve início a sua trajetória no mundo das artes gráficas?
G - Não muito diferente dos conterrâneos que para cá vieram, ou seja, pau-de-arara, farofa e rapadura na lata. Comecei na imprensa sindical, onde trabalhei por mais de dez anos fazendo charges e tiras para os jornais e revistas sindicais. Uma época boa nos anos 80 em que o Brasil anunciava mudanças políticas significativas, sim, tomei espremidinha com o Lula, fui preso por 5 horas por portar material subversivo e pintei a cara no impeachment do Collor.
FZ - Você tem um traço singular que já está fazendo escola, o quadrinista paraibano Ricardo Jayme é um desses artistas que tem você como referência. Apesar de ter citado três feras do traço, anteriormente (Angeli, Laerte e Fernandes), continuo classificando sua arte como algo totalmente autêntica e inédita. E então, o Gilmar bebeu em que fonte pra chegar nesse traço tão peculiar? Ou trata-se do amadurecimento adquirido após anos de reclusão dentro de seu casulo?
G - As únicas referências que posso citar são os cartunistas que tiveram destaque nos anos 80 com as revistas em bancas. Não tive grandes influências significativas, vou desenvolvendo o traço e vai dando no que dá. Prezo muito a reciclagem para me estimular, pelo menos tento me enganar achando que o traço está diferente. Entedia-me fazer sempre a mesma coisa, talvez por isso resisto aos personagens ou séries fixas.
FZ - Suas publicações anteriores sempre tiveram como foco de abordagem o humor crítico, ácido ou nonsense sobre temas cotidianos. De onde veio a inspiração para o “OCRE” e quais são os planos da série para o futuro?
G - Gosto da linguagem das tiras. “Microcrônicas gráficas” do comportamento humano. Além disso, sempre busco o humor sem muitas viagens filosóficas. Já fiz tiras para jornais, revistas e livros e têm algumas que fiz há 10 anos e ainda rendem royalties; é como uma música que você grava e sempre fica pingando uns trocados. O detalhe é que sempre fiz tiras pautadas e o OCRE foi uma iniciativa sem pauta e sem cobrança de editor, fiz para agradar a mim, sem traço bonitinho e sem preocupação com o politicamente correto. É uma coletânea de tiras machista e feminista ao mesmo tempo.
FZ - Percebi de perto durante o FIQ que o “Caroço no Angú”, por exemplo, teve uma grande aceitação entre o público infanto-juvenil, embora não tenha sido criado especificamente voltado para esse público. Além do colorido e do seu traço carismático, a que você atribuiu tamanha aceitação? Ou isso lhe passou despercebido?
G - Talvez porque é um livro supercolorido e os personagens meio animados, meio escandalosos. Esta coletânea foi adotada pelo Governo Estadual (SP) e pelo Governo Federal, assim como as outras mais antigas - “Para Ler Quando o Chefe Não Estiver Olhando” e “Pau Pra Toda Obra” - para fazerem parte do acervo das bibliotecas públicas, agrada a garotada de certa maneira.
FZ - Após essa sua incursão em 2011 pelo universo da nona arte, existe alguma possibilidade de podermos aguardar algum trabalho do Gilmar como quadrinista, propriamente dito num futuro próximo?
G - Sim, pretendo. Estou negociando comigo mesmo, a coisa está tensa por enquanto. Mas tenho feito experimentações e me reeducando para coisas com linguagens não tão curtas.
FZ - O Paulo Ramos disse que voltou pra casa com cerca de 70 obras em sua bagagem adquirida durante o FIQ. E você, foi só pra curtir o evento e fazer o lançamento do “Ocre” ou também aproveitou pra consumir ou pelo menos estudar o que está saindo de interessante no mundo das publicações alternativas?
G - Cara, o FIQ me impressionou com o grande número e a excelente qualidade dos quadrinhos independentes, impossível passar batido sem consumir alguma coisa além do chope. Dá um prazer ver tudo aquilo se movimentando e a cada momento uma surpresa nova em quadrinhos. Traço moderno, linguagem ousada e, além disso, rola um orgulho de ver tudo isso brotando no Brasil.
FZ - E no tocante às expectativas sobre o evento e as vendas, corresponderam ou você realmente esteve no FIQ, principalmente, como um mero observador, estudando esse novo habitat, suas futuras possibilidades e revendo os inúmeros amigos?
G - Isso sempre foi um grande motivo para encontrar amigos e “bebericar”, mas a coisa está indo além disso. O mercado está mostrando as garrinhas e está ficando legal para todo mundo, longe do espetacular, claro, mas tem que respeitar a construção do caminho que, de cinco anos para cá, está dando sinais de solidez.
FZ - De volta às origens: embora tenha saído muito pequeno de Presidente Dutra na Bahia, você nos confidenciou que existe dentro de si uma grande vontade de retornar e de conhecer as suas origens. Inclusive, o “sonho” de ser reconhecido como um “cidadão” de fato e de direito por lá. Há planos para quando ocorrerá esse tão almejado retorno do filho prodígio à sua terra natal?
G - Pois é! Tenho muita vontade de conhecer o local que nasci, conversar com as pessoas, enfim... Já planejei isso várias vezes, mas nunca deu certo. Agora mereço uns cascudos, pois já visitei 8 países e a cidadezinha do sertão baiano fica sempre para depois. Mas farei isso e, claro, comer rapadura, pinha e beiju.
FZ - A saideira: você nos confessou que possui ainda muito preconceito sobre alguns gêneros da arte sequencial. Eles são de fato “pré-conceitos” ou você já andou se debruçando e lendo mais de uma obra de cada gênero para dizer com convicção que não gosta disso ou daquilo?
G - É um fato. Eu não gosto de histórias de superheróis, Marvel, DC, etc. Nunca gostei, nem quando era garoto, acho uma coisa meio repetitiva, parece filme pornô. Não estou tirando o mérito dos artistas que são sensacionais, aquilo é um tipo de trabalho que bato palmas, tem que ter muito talento, mas não me atrai como leitor. Preferia coisas mais engraçadinhas como Mortadelo e Salaminho, Brotoeja, Cebolinha, Sacarrolha. Hoje, busco coisas que me surpreendem.
FZ - Pronto. Acabou. Quem quer mais? Quero encerrar lhe agradecendo não apenas pelo privilégio de ter nos concedido essa entrevista, mas principalmente, por ter dividido o espaço conosco no estande da “República dos Quadrinhos”! Foi um enorme prazer e de antemão quero reforçar que o Gilmar, além de talentoso, é um ser humano sem igual, humilde, bem humorado e que conviveu numa boa com a galera amadora e tiete dele. (risos) Valeu Gilmar! Até o próximo contato imediato! E que este, seja breve!
G - Eu que agradeço. E para quem não conhece o Beto pessoalmente, e pretende fazer isso algum dia, prepare-se porque o cara é um fenômeno, ligado nos 420 por 24 horas, duro de acompanhar. Um abraço e nos vemos por aí.
Última edição por Kio em Ter Dez 13, 2011 1:28 pm, editado 1 vez(es)
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Re: TEXTOS REVISADO EDIÇÃO # 25
DIÁRIO DE UM FIQuante
Com um público recorde estimado em 148 mil pessoas, bombando também no tocante ao número de convidados, exposições, oficinas, expositores independentes e de avaliações de portfólio, o 7º Festival Internacional de Quadrinhos de Belo Horizonte, fez por merecer o título de “o festival mais legal do universo”. E esse título deve ser atribuído não apenas aos organizadores do evento, mas aos artistas anônimos que fizeram dessa edição do FIQ, “a EDIÇÃO do FIQ”! Refiro-me aos amantes da nona arte que viajaram horas de ônibus de pontos distantes como Brasília ou do Nordeste brasileiro, aos funcionários e voluntários que se doaram ao máximo para que tudo desse certo e é claro, aos artistas, que deram o “ar da graça” ou “cobraram pelo ar da graça” (Afinal quem é essa Graça?). Com vocês o nosso relato (longe de ser imparcial) do que rolou ao longo desses cinco dias que marcaram radicalmente a HQB, diretamente das trincheiras, de quem não pode sair do casulo, mas viu tudo acontecer (ou sentiu) de um ponto muito privilegiado: o de um expositor! Com vocês, o Diário de um FIQuante...
DIA 08.11.11: Instantes Pré-FIQ
Como todo conto ou lenda folclórica que precisa de um “Era uma vez...” antes de dar início a narrativa principal, conosco não foi diferente. Desembarcamos em Confins e nos alojamos em BH na tarde anterior, mas foi no dia 8 que deveríamos demarcar o nosso território: com raça, otimismo e bom gosto. Também levei uma garrafa pet com urina, caso fosse necessário.
Para nossa surpresa, o deslumbramento ficou em terceiro plano. Com exceção da NEMO e da Livraria LEITURA, nenhum dos estandes estava com os títulos em suas fachadas. Carpete ainda sendo colocado, praças montadas, maior cara de evento brasileiro mesmo (deixando tudo para o último nanossegundo)! As prateleiras não eram as das imagens e a superior estava na altura adequada aos membros da NBA. Mas o que mais me irritou mesmo foram duas coisas: a primeira, o expositor “vitrine”, havia se convertido num balcão fechado e com o interior enferrujado (motivo da 1ª indicação aos “chatos do evento”) e o segundo, “havia um poste no meio do estande, no meio do estande havia um poste” (parafraseando Drumond). A criatividade prevaleceu e colocamos o nosso estandarte nele, fato que os vizinhos, originalmente passaram a imitar, colocando o negócio deles pra fora também.
Passado esse primeiro susto inicial, já com a presença de Felipe Assumpção (Botamem), fomos demarcar o nosso perímetro e vimos que havíamos sido abençoados (todos os mais de 50 estandes e as mesas individuais tiveram suas localizações sorteadas). Vizinhos frontais da exposição do principal homenageado do evento e com uma praça livre à esquerda, um longo tapete vermelho estendia-se em nossa direção, tanto pra quem entrasse pela lateral como pelo caminho central. Mesmo sem ocorrer a prometida entrega dos crachás e com muita coisa ainda sendo concluída, saímos satisfeitos com o que vimos. Afinal, a primeira impressão é a que fica... e a nossa foi pra lá de promissora.
DIA 09.11.11: Que rufem os tambores! Foram abertas as cortinas para o início do espetáculo!
A sensação aqui é que estávamos no evento errado. Parecia uma arena romana, quando centenas de crianças ávidas em souvenires invadiram a Serraria Souza Pinto. Na boa, sou educador e posso falar com propriedade sobre o assunto. Achei massa a iniciativa de se levar a garotada pro evento, mas ele foram sem nenhuma objetividade, sem direcionamento didático e sem nenhum tostão nos bolsos. Todos queriam manusear as publicações (principalmente as caras), pedir lembrancinhas e desenhos, se bobeássemos alguns levariam lembranças materiais e concretas (como ocorreu em outros estandes). Os professores que me perdoem, mas num evento da dimensão do FIQ, que já está em sua 7ª edição, a menos que o cara estivesse em Saturno na última década, deveria ter no mínimo tirado algum proveito da visita (aula de campo): entrevistar artistas, pesquisar quantos convidados participariam, de que nacionalidades, quantos estados se faziam presentes entre os expositores, enfim... uma dissertação poderia ter sido produzida. Mas a galera preferiu a adoção da cômoda “teoria ocupacional”, enquanto rolava um cafezinho na porta do ônibus da escola e os ponteiros do relógio se moviam pausadamente.
Em suma, abrir o estande nas três primeiras manhãs, resumiu-se ao cuidado de se montar as prateleiras para conter as falanges de hunos estudantis que vorazmente passavam, olhavam e se entediavam (algo cíclico dos adolescentes). Criancinhas novinhas demais, correndo o risco de serem pisoteadas pelos cavalões, enfim, só houve seis vendas nessas três manhãs e só uma partiu de uma estudante bem intencionada: vou dar pra minha mãe que gosta de ler!
Abrir os estandes pela manhã resultou apenas num cumprimento de contrato e no desgaste de sempre ficar arrumando as prateleiras e de se aguçar os níveis de sensibilidade aos de Matt Murdock! Não creio que tenha resultado na prática no aumento de um público consumidor de HQs ou na formação de novos leitores.
A tarde veio e com ela a expectativa da chegada de Mauricio de Sousa. Muita correria, gritos e a captura de Sidney Gusman no nosso estande, comprovaram que as lendas podem ser reais: Mauricio existe! Esteve por lá. Ninguém sabe, ninguém viu, mas Sidney Gusman não estava na serraria pra comprar cigarros. Na verdade, nem sei se ele fuma, mas empurramos o nosso kit narcótico da RQ em suas mãos e que ainda atordoado, acabou nos retribuindo com um kit da Turma da Mônica. A presença do Sidney ficou em segundo plano, era a hora dos marmanjos se digladiarem (Assumpção, Joseniz e EU) pra ver quem ficaria com a “Mônica Jovem”, com o “Chico Bento” ou com o “Almanaque da Magali”. Minha esposa a distância preferiu se contentar com a sacola e a estampa do Kit (mulheres!).
A abertura oficial passou batida, assim como o anúncio de todos os lançamentos do primeiro dia (inclusive o meu) e os da manhã do dia seguinte. A coordenação alegou que havia sido um dia atípico, por causa do Mauricio. Mas, “ELE” não se teletransportou da Enterprise, nem havia se perdido do Sidney na hora da compra dos cigarros. E pior, esse foi o 7° e não o 1º FIQ. O inevitável e inesperado acontecem, mas para o que está previsto, não há perdão. Continuamos a campanha “chatos do evento” e reclamamos! No dia seguinte nos unimos ao pessoal do Quadro a Quadro / Xaxado (união nordestina) e fizemos o som e a divulgação dos lançamentos ocorrer! Enquanto isso nos outros estandes... ZZZZZZZZZZ!
Os destaques do dia ficaram para as oficinas do Rodney Buchemi e da Jill Tompson. A noite foi fechada com o painel “Perspectivas do Mercado de quadrinhos no Brasil” com Sidney Gusman, Gualberto e Érico Assis. E sim, nós: com o “desenho a jato!”*. O Gilmar (Ocre e Caroço no Angu) chegou à noite, nosso primeiro convidado ilustre e exclusivo do estande!
10.11.11: Mauricio de Sousa está ente nós!
Bill Sienkiewicz, Cyril Pedrosa e Olivier Martin que nos perdoem, mas quando o pai da Turma da Mônica apareceu, tudo parou! Parou em sua volta! Foram duas sessões de autógrafos ao longo do dia que dispensaram toda a atenção do público em sua direção. A da noite (que deveria ter ocorrido à tarde) foi mais amena, também em função do público (“o nosso”, o que curte, entende e consome quadrinhos). As oficinas e sessões de autógrafos dos cerca de 60 lançamentos nacionais iam rolando, inclusive no nosso estande, mas não dava pra competir com o ícone dos quadrinhos.
Nosso ponto positivo foi estarmos uma hora no ar, nas ondas da rádio Educativa da UFMG. A emissora havia montado uma ilha de edição para a cobertura exclusiva do evento e nós (Assumpção, Gilmar e Eu) participamos do programa “Em caráter experimental” das 17h às 18h ao vivo. Assumpção já havia debutado numa entrevista para uma emissora local pela manhã e eu para a própria rádio na manhã anterior.
As visitas ilustres do dia ficaram por conta do Alves (MAD), do Paulo Ramos (Blog dos Quadrinhos) e do retorno do Sidney Gusman (que seria quase nosso inquilino, pois ainda voltaria algumas vezes ao nosso humilde casulo). O Gualberto da HQMIX também nos brindou com sua visita “consumista” ao nosso estante. Foi legal demais!
11.11.11: O povo começa a chegar!
O dia cabalístico na numerologia marcou também a chegada do público a serraria. À tarde o calor humano já havia se tornado um vulcão. Foi nesse clima pra lá de caliente que ocorreram o lançamento duplo da RQ no estande do Quadro a Quadro / Xaxado (Carcará e Botamem) e a chegada de Flavio Luiz (O Cabra) para reforçar a nossa intrépida trupe. Para se ter uma ideia do volume de pessoas, vendemos durante a tarde/noite de sexta, mais do que os dois outros dias somados. Dia 11 foi o dia do destaque para a atrações nacionais: os gêmeos Bá e Moon, que além da sessão de autógrafos de “DAYTRIPPER” ainda participaram do Conversa em Quadrinhos; Rafael Coutinho autografando “Cachalote” e “Drink” e participando do painel “Graphic Novels”. Além do Flavio Luiz que teve de se dividir em dois, com uma sessão de autógrafos conosco e outra com o Quadro a Quadro / Xaxado (pra sorte dele, havia apenas 4m nos separando).
Bira Dantas, Cyril Pedrosa e Sama (A Balada de Johnny Furacão) foram os visitantes mais que especiais do dia, além do Paulo Ramos que retornou pra trocar uma ideia com o Flavio Luiz.
A essa altura do campeonato, curtir o evento já se tornara algo impossível e inviável. No 1º dia encerramos com um déficit de – R$26,00!!! Não é nenhuma fortuna, mas nos serviu de alerta. Em função disso, só vi de raspão alguma coisa das oito exposições que estavam rolando. A do Mauricio, em “frente de casa”, foi a única apreciada a contento. As demais, só algumas nas idas e vindas ao WC ou na hora de engolir a comida. Pude dar uma sacada na CRIANDO QUADRINHOS, a mais massa que achei! (também só vi três). Repleta de action figures e publicações e artes originais. A proposta era a de apresentar todo o processo de criação das HQs destacando métodos e técnicas artísticas, do esboço até a versão impressa. A Quadrinhos e Literatura, apresentava ilustrações de páginas de várias adaptações literárias, como O CORTIÇO, O ALIENISTA, MEMÓRIAS DE UM SGTº DE MELÍCIA, etc. Fora essas que eu pude observar com mais calma, ainda rolou uma homenagem a Marilda Castanha, destacando a sua obra “Delírio”; a arte sequencial contemporânea da Coreia do Sul também foi destaque; a exposição que homenageava a dupla Eduardo Damasceno e Luís Felipe Garrocho ( Quadrinhos Rasos), pela iniciativa de ambos em converter músicas em HQs; e por fim, as duas que eu não vi absolutamente nada: a Galeria dos Convidados, como o próprio nome indica, com a arte dos “astros” e que ia sendo atualizada durante o evento na medida que esses iam chegando e produzindo; e o Dominó em Quadrinhos, uma exposição interativa construída de forma coletiva, tanto entre os artistas convidados como com o próprio público, onde cada pessoa fazia apenas um quadrinho de uma única HQ. Também deve ter sido show, mas não pude espiar.
12.11.11: O DIA!
Qualquer prognóstico por mais pessimista que fosse do maior de todos os “Urucas” do evento, foram pro espaço quando os portões da serraria foram abertos no sábado pela manhã: famílias! E muitas! Nada de criançada dispersa e de adolescente folgados e birrentos!
Papais e mamães que levaram a criançada pra ter um passeio diferente (e como). Já por volta do meio-dia era anunciado que 20 mil pessoas já haviam circulado naquela manhã. O movimento foi tão intenso que meu estômago só me lembrou que era hora do almoço próximo das 16h. A Rose Araujo (Iscola...O Crime) chegou nessas condições e fechou o nosso elenco com chave de ouro! Dia 12 foi o dia dos lançamentos da RQ: seis ao todo! “Mosaico” com Milena Azevedo, abriu a nossa sessão de autógrafos, inovando com a promoção que permitia a compra de sua revista agregada a casadinha: “O contador de Lorotas” (Leo Feitoza) e “Nucleo Quadrinhos” (Dickson). Em seguida, foi a vez de Joseniz Guimarães, “Luz nas Trevas” e do lançamento duplo-duplo, com Gilmar (“Ocre” e “Caroço no Angu”) e meu (“Carcará” e “Os Notáveis”). Essa última dobradinha conseguida na marra, após o prejuízo do primeiro dia. Fomos os únicos a conseguir esse feito e por merecimento fizemos jus a menção honrosa de “Os chatos do FIQ-2011”!
Outras coisas legais que rolaram e que acho que merecem destaque: uma foi o estande da produção de artes visuais da Casa dos Quadrinhos, o sonho para os amantes dos super-heróis: tinha bustos, indumentárias e um Coringa “Ledger” em tamanho natural. De babar!E a outra (mais uma que não vi), foi a produção artesanal e em tempo real da Revista Graffiti da galera mineira.
13.11.11: Hora de FIQar com saudades
O último dia foi tão intenso como o anterior. A tarde foi a vez de Felipe “Botamem” Assumpção brilhar, sendo o nosso recordista de vendas em sessões de autógrafos. Marca bastante respeitável, levando-se em conta o team que compunha o estande. A Rose Araújo, em seguida, encerrou durante o período da noite a nossa participação dentro da programação oficial do evento.
A diminuição de público só começou a ocorrer por volta das 21h e aí antes das 22h já sobravam apenas os heróis da resistência. Foi o momento para a troca de revistas, doações, agradecimentos e por aí vai.
Com muito orgulho, o registro do dia fica por conta do meu encontro com o Aloísio de Castro, o pai do “outro” Carcará! Infelizmente ele me pegou no auge do desenho a jato e não pude lhe dar a devida atenção. Ficou apenas o registro fotográfico e meu ousado convite para um crossover entre os cangaceiros homônimos.
A República dos Quadrinhos, dentro de sua postura ética e profissional, além de doações individuais e dos kits entregues aos artistas visitantes, destinou dois big kits às gibitecas de Leopoldina e de Belo horizonte. Esse sim, é o tipo de ação que pode contribuir na formação de leitores e de um futuro público consumidor, ao contrário do que criticamos inicialmente, no tocante a ida das escolas sem nenhum tipo de direcionamento para sua clientela.
Se tivéssemos que fazer um balanço do evento, eu diria que foi um do tamanho do “Epcot Center”! Nossa performance surpreendeu e a dos co-irmãos também. Numa disputa desleal com a COMIX e Livraria Leitura de BH (maior estande do evento), que recebia cheques e parcelava até a alma em 15 vezes nos cartões de créditos, a turma do “só no cash”, vendeu muito bem obrigado. E mais, a Balão Editorial e outros grupos mais tradicionais ficaram nas mesas individuais. Mais uma prova da nossa audácia de estreantes.
O feedback com o público, o encontro com artistas de outros estados, “amigos virtuais” que deixaram de ser hologramas e passaram a ser tridimensionais, sonoros e reais. Contatos e muitas promessas foram feitas, que espero pelo menos alguma resulte em algo concreto. Convites para participarmos de eventos em Sampa, na Rio Comicon, na própria BH, enfim, isso não tem preço e não pode ser medido em valores.
Encerramos nossa primeira participação no FIQ com a sensação de dever mais que cumprido e com alma pra lá de lavada. Já que rumamos para o evento com a cara e a coragem, sem apoio nenhum dos poderes públicos e privados do RN e o que é pior, da própria classe artística.
Ninguém ficou milionário, mais tudo que foi investido foi restituído, inclusive as passagens aéreas. Então fica o aprendizado para os eventos futuros. Quadrinhos dão lucro, se for algo encarado de forma séria e profissional. O caminho foi mostrado, trilhá-lo ou não é opção de cada um.
Obrigadão a todos que compartilharam conosco esse sonho individual que se tornou coletivo de um “coletivo”! E um agradecimento especial ao povo mineiro que foi supercarinhoso, cordial e hospitaleiro conosco! Valeu gente!
Tá com cara de despedida, né? Mas não é o fim... apenas um novo princípio... rumo ao próximo FIQ!
Até lá!
Beto.
*DESENHO A JATO: Desafio entre os artistas. Uma hora desenhando sem sair de cima do papel. Atraia o público e na compra de qualquer publicação levava-se um desenho do painel pra casa, independente do autor.
Com um público recorde estimado em 148 mil pessoas, bombando também no tocante ao número de convidados, exposições, oficinas, expositores independentes e de avaliações de portfólio, o 7º Festival Internacional de Quadrinhos de Belo Horizonte, fez por merecer o título de “o festival mais legal do universo”. E esse título deve ser atribuído não apenas aos organizadores do evento, mas aos artistas anônimos que fizeram dessa edição do FIQ, “a EDIÇÃO do FIQ”! Refiro-me aos amantes da nona arte que viajaram horas de ônibus de pontos distantes como Brasília ou do Nordeste brasileiro, aos funcionários e voluntários que se doaram ao máximo para que tudo desse certo e é claro, aos artistas, que deram o “ar da graça” ou “cobraram pelo ar da graça” (Afinal quem é essa Graça?). Com vocês o nosso relato (longe de ser imparcial) do que rolou ao longo desses cinco dias que marcaram radicalmente a HQB, diretamente das trincheiras, de quem não pode sair do casulo, mas viu tudo acontecer (ou sentiu) de um ponto muito privilegiado: o de um expositor! Com vocês, o Diário de um FIQuante...
DIA 08.11.11: Instantes Pré-FIQ
Como todo conto ou lenda folclórica que precisa de um “Era uma vez...” antes de dar início a narrativa principal, conosco não foi diferente. Desembarcamos em Confins e nos alojamos em BH na tarde anterior, mas foi no dia 8 que deveríamos demarcar o nosso território: com raça, otimismo e bom gosto. Também levei uma garrafa pet com urina, caso fosse necessário.
Para nossa surpresa, o deslumbramento ficou em terceiro plano. Com exceção da NEMO e da Livraria LEITURA, nenhum dos estandes estava com os títulos em suas fachadas. Carpete ainda sendo colocado, praças montadas, maior cara de evento brasileiro mesmo (deixando tudo para o último nanossegundo)! As prateleiras não eram as das imagens e a superior estava na altura adequada aos membros da NBA. Mas o que mais me irritou mesmo foram duas coisas: a primeira, o expositor “vitrine”, havia se convertido num balcão fechado e com o interior enferrujado (motivo da 1ª indicação aos “chatos do evento”) e o segundo, “havia um poste no meio do estande, no meio do estande havia um poste” (parafraseando Drumond). A criatividade prevaleceu e colocamos o nosso estandarte nele, fato que os vizinhos, originalmente passaram a imitar, colocando o negócio deles pra fora também.
Passado esse primeiro susto inicial, já com a presença de Felipe Assumpção (Botamem), fomos demarcar o nosso perímetro e vimos que havíamos sido abençoados (todos os mais de 50 estandes e as mesas individuais tiveram suas localizações sorteadas). Vizinhos frontais da exposição do principal homenageado do evento e com uma praça livre à esquerda, um longo tapete vermelho estendia-se em nossa direção, tanto pra quem entrasse pela lateral como pelo caminho central. Mesmo sem ocorrer a prometida entrega dos crachás e com muita coisa ainda sendo concluída, saímos satisfeitos com o que vimos. Afinal, a primeira impressão é a que fica... e a nossa foi pra lá de promissora.
DIA 09.11.11: Que rufem os tambores! Foram abertas as cortinas para o início do espetáculo!
A sensação aqui é que estávamos no evento errado. Parecia uma arena romana, quando centenas de crianças ávidas em souvenires invadiram a Serraria Souza Pinto. Na boa, sou educador e posso falar com propriedade sobre o assunto. Achei massa a iniciativa de se levar a garotada pro evento, mas ele foram sem nenhuma objetividade, sem direcionamento didático e sem nenhum tostão nos bolsos. Todos queriam manusear as publicações (principalmente as caras), pedir lembrancinhas e desenhos, se bobeássemos alguns levariam lembranças materiais e concretas (como ocorreu em outros estandes). Os professores que me perdoem, mas num evento da dimensão do FIQ, que já está em sua 7ª edição, a menos que o cara estivesse em Saturno na última década, deveria ter no mínimo tirado algum proveito da visita (aula de campo): entrevistar artistas, pesquisar quantos convidados participariam, de que nacionalidades, quantos estados se faziam presentes entre os expositores, enfim... uma dissertação poderia ter sido produzida. Mas a galera preferiu a adoção da cômoda “teoria ocupacional”, enquanto rolava um cafezinho na porta do ônibus da escola e os ponteiros do relógio se moviam pausadamente.
Em suma, abrir o estande nas três primeiras manhãs, resumiu-se ao cuidado de se montar as prateleiras para conter as falanges de hunos estudantis que vorazmente passavam, olhavam e se entediavam (algo cíclico dos adolescentes). Criancinhas novinhas demais, correndo o risco de serem pisoteadas pelos cavalões, enfim, só houve seis vendas nessas três manhãs e só uma partiu de uma estudante bem intencionada: vou dar pra minha mãe que gosta de ler!
Abrir os estandes pela manhã resultou apenas num cumprimento de contrato e no desgaste de sempre ficar arrumando as prateleiras e de se aguçar os níveis de sensibilidade aos de Matt Murdock! Não creio que tenha resultado na prática no aumento de um público consumidor de HQs ou na formação de novos leitores.
A tarde veio e com ela a expectativa da chegada de Mauricio de Sousa. Muita correria, gritos e a captura de Sidney Gusman no nosso estande, comprovaram que as lendas podem ser reais: Mauricio existe! Esteve por lá. Ninguém sabe, ninguém viu, mas Sidney Gusman não estava na serraria pra comprar cigarros. Na verdade, nem sei se ele fuma, mas empurramos o nosso kit narcótico da RQ em suas mãos e que ainda atordoado, acabou nos retribuindo com um kit da Turma da Mônica. A presença do Sidney ficou em segundo plano, era a hora dos marmanjos se digladiarem (Assumpção, Joseniz e EU) pra ver quem ficaria com a “Mônica Jovem”, com o “Chico Bento” ou com o “Almanaque da Magali”. Minha esposa a distância preferiu se contentar com a sacola e a estampa do Kit (mulheres!).
A abertura oficial passou batida, assim como o anúncio de todos os lançamentos do primeiro dia (inclusive o meu) e os da manhã do dia seguinte. A coordenação alegou que havia sido um dia atípico, por causa do Mauricio. Mas, “ELE” não se teletransportou da Enterprise, nem havia se perdido do Sidney na hora da compra dos cigarros. E pior, esse foi o 7° e não o 1º FIQ. O inevitável e inesperado acontecem, mas para o que está previsto, não há perdão. Continuamos a campanha “chatos do evento” e reclamamos! No dia seguinte nos unimos ao pessoal do Quadro a Quadro / Xaxado (união nordestina) e fizemos o som e a divulgação dos lançamentos ocorrer! Enquanto isso nos outros estandes... ZZZZZZZZZZ!
Os destaques do dia ficaram para as oficinas do Rodney Buchemi e da Jill Tompson. A noite foi fechada com o painel “Perspectivas do Mercado de quadrinhos no Brasil” com Sidney Gusman, Gualberto e Érico Assis. E sim, nós: com o “desenho a jato!”*. O Gilmar (Ocre e Caroço no Angu) chegou à noite, nosso primeiro convidado ilustre e exclusivo do estande!
10.11.11: Mauricio de Sousa está ente nós!
Bill Sienkiewicz, Cyril Pedrosa e Olivier Martin que nos perdoem, mas quando o pai da Turma da Mônica apareceu, tudo parou! Parou em sua volta! Foram duas sessões de autógrafos ao longo do dia que dispensaram toda a atenção do público em sua direção. A da noite (que deveria ter ocorrido à tarde) foi mais amena, também em função do público (“o nosso”, o que curte, entende e consome quadrinhos). As oficinas e sessões de autógrafos dos cerca de 60 lançamentos nacionais iam rolando, inclusive no nosso estande, mas não dava pra competir com o ícone dos quadrinhos.
Nosso ponto positivo foi estarmos uma hora no ar, nas ondas da rádio Educativa da UFMG. A emissora havia montado uma ilha de edição para a cobertura exclusiva do evento e nós (Assumpção, Gilmar e Eu) participamos do programa “Em caráter experimental” das 17h às 18h ao vivo. Assumpção já havia debutado numa entrevista para uma emissora local pela manhã e eu para a própria rádio na manhã anterior.
As visitas ilustres do dia ficaram por conta do Alves (MAD), do Paulo Ramos (Blog dos Quadrinhos) e do retorno do Sidney Gusman (que seria quase nosso inquilino, pois ainda voltaria algumas vezes ao nosso humilde casulo). O Gualberto da HQMIX também nos brindou com sua visita “consumista” ao nosso estante. Foi legal demais!
11.11.11: O povo começa a chegar!
O dia cabalístico na numerologia marcou também a chegada do público a serraria. À tarde o calor humano já havia se tornado um vulcão. Foi nesse clima pra lá de caliente que ocorreram o lançamento duplo da RQ no estande do Quadro a Quadro / Xaxado (Carcará e Botamem) e a chegada de Flavio Luiz (O Cabra) para reforçar a nossa intrépida trupe. Para se ter uma ideia do volume de pessoas, vendemos durante a tarde/noite de sexta, mais do que os dois outros dias somados. Dia 11 foi o dia do destaque para a atrações nacionais: os gêmeos Bá e Moon, que além da sessão de autógrafos de “DAYTRIPPER” ainda participaram do Conversa em Quadrinhos; Rafael Coutinho autografando “Cachalote” e “Drink” e participando do painel “Graphic Novels”. Além do Flavio Luiz que teve de se dividir em dois, com uma sessão de autógrafos conosco e outra com o Quadro a Quadro / Xaxado (pra sorte dele, havia apenas 4m nos separando).
Bira Dantas, Cyril Pedrosa e Sama (A Balada de Johnny Furacão) foram os visitantes mais que especiais do dia, além do Paulo Ramos que retornou pra trocar uma ideia com o Flavio Luiz.
A essa altura do campeonato, curtir o evento já se tornara algo impossível e inviável. No 1º dia encerramos com um déficit de – R$26,00!!! Não é nenhuma fortuna, mas nos serviu de alerta. Em função disso, só vi de raspão alguma coisa das oito exposições que estavam rolando. A do Mauricio, em “frente de casa”, foi a única apreciada a contento. As demais, só algumas nas idas e vindas ao WC ou na hora de engolir a comida. Pude dar uma sacada na CRIANDO QUADRINHOS, a mais massa que achei! (também só vi três). Repleta de action figures e publicações e artes originais. A proposta era a de apresentar todo o processo de criação das HQs destacando métodos e técnicas artísticas, do esboço até a versão impressa. A Quadrinhos e Literatura, apresentava ilustrações de páginas de várias adaptações literárias, como O CORTIÇO, O ALIENISTA, MEMÓRIAS DE UM SGTº DE MELÍCIA, etc. Fora essas que eu pude observar com mais calma, ainda rolou uma homenagem a Marilda Castanha, destacando a sua obra “Delírio”; a arte sequencial contemporânea da Coreia do Sul também foi destaque; a exposição que homenageava a dupla Eduardo Damasceno e Luís Felipe Garrocho ( Quadrinhos Rasos), pela iniciativa de ambos em converter músicas em HQs; e por fim, as duas que eu não vi absolutamente nada: a Galeria dos Convidados, como o próprio nome indica, com a arte dos “astros” e que ia sendo atualizada durante o evento na medida que esses iam chegando e produzindo; e o Dominó em Quadrinhos, uma exposição interativa construída de forma coletiva, tanto entre os artistas convidados como com o próprio público, onde cada pessoa fazia apenas um quadrinho de uma única HQ. Também deve ter sido show, mas não pude espiar.
12.11.11: O DIA!
Qualquer prognóstico por mais pessimista que fosse do maior de todos os “Urucas” do evento, foram pro espaço quando os portões da serraria foram abertos no sábado pela manhã: famílias! E muitas! Nada de criançada dispersa e de adolescente folgados e birrentos!
Papais e mamães que levaram a criançada pra ter um passeio diferente (e como). Já por volta do meio-dia era anunciado que 20 mil pessoas já haviam circulado naquela manhã. O movimento foi tão intenso que meu estômago só me lembrou que era hora do almoço próximo das 16h. A Rose Araujo (Iscola...O Crime) chegou nessas condições e fechou o nosso elenco com chave de ouro! Dia 12 foi o dia dos lançamentos da RQ: seis ao todo! “Mosaico” com Milena Azevedo, abriu a nossa sessão de autógrafos, inovando com a promoção que permitia a compra de sua revista agregada a casadinha: “O contador de Lorotas” (Leo Feitoza) e “Nucleo Quadrinhos” (Dickson). Em seguida, foi a vez de Joseniz Guimarães, “Luz nas Trevas” e do lançamento duplo-duplo, com Gilmar (“Ocre” e “Caroço no Angu”) e meu (“Carcará” e “Os Notáveis”). Essa última dobradinha conseguida na marra, após o prejuízo do primeiro dia. Fomos os únicos a conseguir esse feito e por merecimento fizemos jus a menção honrosa de “Os chatos do FIQ-2011”!
Outras coisas legais que rolaram e que acho que merecem destaque: uma foi o estande da produção de artes visuais da Casa dos Quadrinhos, o sonho para os amantes dos super-heróis: tinha bustos, indumentárias e um Coringa “Ledger” em tamanho natural. De babar!E a outra (mais uma que não vi), foi a produção artesanal e em tempo real da Revista Graffiti da galera mineira.
13.11.11: Hora de FIQar com saudades
O último dia foi tão intenso como o anterior. A tarde foi a vez de Felipe “Botamem” Assumpção brilhar, sendo o nosso recordista de vendas em sessões de autógrafos. Marca bastante respeitável, levando-se em conta o team que compunha o estande. A Rose Araújo, em seguida, encerrou durante o período da noite a nossa participação dentro da programação oficial do evento.
A diminuição de público só começou a ocorrer por volta das 21h e aí antes das 22h já sobravam apenas os heróis da resistência. Foi o momento para a troca de revistas, doações, agradecimentos e por aí vai.
Com muito orgulho, o registro do dia fica por conta do meu encontro com o Aloísio de Castro, o pai do “outro” Carcará! Infelizmente ele me pegou no auge do desenho a jato e não pude lhe dar a devida atenção. Ficou apenas o registro fotográfico e meu ousado convite para um crossover entre os cangaceiros homônimos.
A República dos Quadrinhos, dentro de sua postura ética e profissional, além de doações individuais e dos kits entregues aos artistas visitantes, destinou dois big kits às gibitecas de Leopoldina e de Belo horizonte. Esse sim, é o tipo de ação que pode contribuir na formação de leitores e de um futuro público consumidor, ao contrário do que criticamos inicialmente, no tocante a ida das escolas sem nenhum tipo de direcionamento para sua clientela.
Se tivéssemos que fazer um balanço do evento, eu diria que foi um do tamanho do “Epcot Center”! Nossa performance surpreendeu e a dos co-irmãos também. Numa disputa desleal com a COMIX e Livraria Leitura de BH (maior estande do evento), que recebia cheques e parcelava até a alma em 15 vezes nos cartões de créditos, a turma do “só no cash”, vendeu muito bem obrigado. E mais, a Balão Editorial e outros grupos mais tradicionais ficaram nas mesas individuais. Mais uma prova da nossa audácia de estreantes.
O feedback com o público, o encontro com artistas de outros estados, “amigos virtuais” que deixaram de ser hologramas e passaram a ser tridimensionais, sonoros e reais. Contatos e muitas promessas foram feitas, que espero pelo menos alguma resulte em algo concreto. Convites para participarmos de eventos em Sampa, na Rio Comicon, na própria BH, enfim, isso não tem preço e não pode ser medido em valores.
Encerramos nossa primeira participação no FIQ com a sensação de dever mais que cumprido e com alma pra lá de lavada. Já que rumamos para o evento com a cara e a coragem, sem apoio nenhum dos poderes públicos e privados do RN e o que é pior, da própria classe artística.
Ninguém ficou milionário, mais tudo que foi investido foi restituído, inclusive as passagens aéreas. Então fica o aprendizado para os eventos futuros. Quadrinhos dão lucro, se for algo encarado de forma séria e profissional. O caminho foi mostrado, trilhá-lo ou não é opção de cada um.
Obrigadão a todos que compartilharam conosco esse sonho individual que se tornou coletivo de um “coletivo”! E um agradecimento especial ao povo mineiro que foi supercarinhoso, cordial e hospitaleiro conosco! Valeu gente!
Tá com cara de despedida, né? Mas não é o fim... apenas um novo princípio... rumo ao próximo FIQ!
Até lá!
Beto.
*DESENHO A JATO: Desafio entre os artistas. Uma hora desenhando sem sair de cima do papel. Atraia o público e na compra de qualquer publicação levava-se um desenho do painel pra casa, independente do autor.
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Re: TEXTOS REVISADO EDIÇÃO # 25
Ao Mestre com Carinho: Deodato Borges
Nos dias 08 e 09 de outubro de 2011 foi realizado o 5º HQPB, evento de quadrinhos e cultura pop da Paraíba. Este evento é uma realização do Studio Made in PB em parceria com a FUNESC (Fundação Espaço Cultural José Lins do Rêgo). A partir desta edição o HQPB iniciou uma série de homenagens a todos os paraibanos que contribuíram e contribuem para os quadrinhos da Paraíba. O 1º escolhido a ser homenageado foi Deodato Borges.
Não, não estou falando de Mike Deodato Jr. Falo do jornalista Deodato Taumaturgo Borges que é pai do desenhista Deodato Taumaturgo Borges Filho (Mike Deodato Jr). Quero deixar bem claro esta informação, pois nos causou uma série de embaraços e confusões nas informações.
Tal pai, tal filho. Ambos apaixonados por quadrinhos que revolucionaram os quadrinhos no Brasil e no mundo.
Jornalista e quadrinista, Deodato Taumaturgo Borges, é pioneiro das histórias em quadrinhos na Paraíba e criador do personagem “O Flama”, em 1960, o primeiro Super Herói dos quadrinhos no Nordeste, que teve sua estreia no mundo das HQ em 1963 com “As Aventuras do Flama”, quadrinização do programa radiofônico de mesmo nome.
As primeiras histórias do Flama foram divulgadas na Rádio Borborema, em Campina Grande, no início dos anos 1960 por meio de uma novela de rádio; um programa de rádio-teatro no horário de segunda a sexta às 13h. Este personagem foi inspirado no Spirit de Will Eisner – personagem e autor favorito de Deodato Borges – e o programa de temática policial tornou-se um verdadeiro campeão de audiência e seu público ouvinte, mais assíduo, eram as crianças e os adolescentes de inúmeras cidades da Paraíba onde as ondas do rádio alcançavam.
Naquele período, os fãs juvenis compareciam a rádio querendo manter contato com o herói. Nos sábados, no auditório da emissora, ocorriam as reuniões do Clube do Agente Secreto onde todos os fãs identificados com carteirinha de membro do clube compareciam. Deodato Borges, utilizando uma máscara, posava para fotos que eram entregues devidamente autografadas pelo Flama.
Com a audiência e sucesso ocorreu algo inusitado: certo dia, Deodato Borges recebeu em seu gabinete a visita dos maiores diretores dos colégios da cidade de Campina Grande, querendo tratar de um assunto comum a eles: o horário da novela “As Aventuras do Flama” fazia com que as crianças chegassem atrasadas para as aulas. Em comum acordo com a emissora modificou o horário de exibição para as 17h. Nota-se por este fato a tamanha audiência do programa.
Os ouvintes da novela radiofônica do Flama também ouviam outra novela: o seriado “Jerônimo, herói do sertão”, da Rádio Jornal do Comércio do Recife. Este personagem possuía uma revista periódica publicada pela Rio Gráfica Editora, cujos ouvintes e fãs podiam adquirir também por meio impresso as aventuras do citado personagem. Não demorou e os fãs do Flama começaram a exigir as aventuras divulgadas numa revista em quadrinhos também. Após insistentes pedidos nas reuniões semanais, não teve jeito: Deodato Borges passou a desenhar a história em quadrinhos do Flama; ele mesmo desenvolveu o esquema da revista para impressão. Textos e clichês foram feitos nas oficinas do Diário da Borborema – pertencente aos Diários Associados – e a impressão ficou a cargo da Gráfica Júlio Costa. Em março de 1963, chegou as bancas a história em quadrinhos “As Aventuras do Flama” que teve lançamento especial num sábado na reunião do Clube do Agente Secreto com auditório da Rádio Borborema superlotado.
As histórias em quadrinhos do Flama tiveram poucas edições publicadas porque no mesmo ano – 1963 – Deodato Borges foi transferido para Recife, em Pernambuco, para ocupar o cargo de Diretor Geral nos Diários Associados de Pernambuco. Três anos depois ele retornou a Paraíba e, para sua surpresa, a antiga Rádio Caturité, como forma de melhoramento da sua programação na inclusão de novas atrações, passou a transmitir “As Aventuras do Flama”, como também foi uma exigência dos fãs que o Flama retornasse a sua terra natal.
“Sem querer querendo, como todos sabem a revista ‘As Aventuras do Flama’ acabou se tornando, na história dos quadrinhos em nosso país, a primeira do gênero a ser impressa no norte e nordeste do Brasil”, disse-nos Deodato Borges numa conversa um tanto informal no 5º HQPB onde com muita alegria e emoção compareceu acompanhado de seu filho.
No sábado, 08 de outubro, foi um dia dedicado às homenagens no 5º HQPB.
Nesta edição do 5º HQPB ocorreu a entrega do 1º Prêmio Made in PB de Quadrinhos e Cultura Pop da Paraíba como forma de homenagear, valorizar e incentivar a produção de quadrinhos e atividades de cultura pop da Paraíba. Sendo esta a primeira edição, elegemos nomes de pessoas que merecem nossa sincera homenagem pelo seu trabalho, em 7 categorias.
Na categoria Melhor Artista Paraibano e Melhor Produção Quadrinística da Paraíba, o nosso homenageado foi Shiko por seu vasto domínio técnico nos mais diversos suportes e materiais de representação artística e pelo quadrinho Blue Note, desenhado por ele com roteiro de seu amigo Biu. Na categoria Melhor Produção Não Quadrinística, escolhemos o livro Escudo Manchado: Um Herói em Tempos de Guerra do baiano radicado na Paraíba há mais de dez anos, Daslei E. Ribeiro Bandeira. Na categoria intervenção urbana, o eleito foi Régis Soares pelo seu trabalho intitulado Charges Na Rua que há mais de 15 anos, todas as semanas, confecciona em painel charge colocada num pequeno outdoor, fazendo críticas sócio-políticas da Paraíba. Na categoria produção acadêmica, nosso homenageado foi Henrique Magalhães por sua vida acadêmica dedicada aos quadrinhos, em especial por sua obra e tese de graduação O Rebuliço Apaixonante dos Fanzines, que foi marco das publicações acadêmicas com tema voltado para histórias em quadrinhos na Paraíba. E na última categoria, blog de cultura pop, nosso escolhido foi Daniel Abath pelo seu blog www.ludosofando.blogspot.com. E, é claro, o homenageado do evento: Deodato Borges.
Também como forma de homenagem, em meio ao Mezanino 1 da FUNESC, estava uma exposição com desenhos cuja temática era o Flama. Esta exposição foi resultado do trabalho dos professores do Studio Made in PB com seus alunos; prática esta de ensino e resgate da história das histórias em quadrinhos da Paraíba e, por meio de exercício prático, professores e alunos desenharam sua versão do Flama. Alguns desenhos nos foram presenteados por amigos que trabalham para o mercado de quadrinhos, amigos de Deodato Borges.
Os três jovens artistas Daniel Ferreira Neto, Izaac Brito e Américo Gomes, que formam um grupo chamado D.I.A. e produzem desenhos coletivos, produziram um painel com temática do Flama juntamente com a exposição dos alunos. Participaram da produção deste painel o cartunista, ilustrador e designer gráfico e amigo de Deodato Borges, William Medeiros e o Prof. Dr. Alberto Pessoa do Departamento de Mídias Digitais da UFPB.
Serenidade, simplicidade, generosidade e humildade. Estas são virtudes notórias de Deodato Borges que é exemplo vivo de que, com determinação e amor, é possível realizar sonhos e alcançar objetivos.
Ao mestre Deodato Borges, com carinho: muito obrigada!
Nos dias 08 e 09 de outubro de 2011 foi realizado o 5º HQPB, evento de quadrinhos e cultura pop da Paraíba. Este evento é uma realização do Studio Made in PB em parceria com a FUNESC (Fundação Espaço Cultural José Lins do Rêgo). A partir desta edição o HQPB iniciou uma série de homenagens a todos os paraibanos que contribuíram e contribuem para os quadrinhos da Paraíba. O 1º escolhido a ser homenageado foi Deodato Borges.
Não, não estou falando de Mike Deodato Jr. Falo do jornalista Deodato Taumaturgo Borges que é pai do desenhista Deodato Taumaturgo Borges Filho (Mike Deodato Jr). Quero deixar bem claro esta informação, pois nos causou uma série de embaraços e confusões nas informações.
Tal pai, tal filho. Ambos apaixonados por quadrinhos que revolucionaram os quadrinhos no Brasil e no mundo.
Jornalista e quadrinista, Deodato Taumaturgo Borges, é pioneiro das histórias em quadrinhos na Paraíba e criador do personagem “O Flama”, em 1960, o primeiro Super Herói dos quadrinhos no Nordeste, que teve sua estreia no mundo das HQ em 1963 com “As Aventuras do Flama”, quadrinização do programa radiofônico de mesmo nome.
As primeiras histórias do Flama foram divulgadas na Rádio Borborema, em Campina Grande, no início dos anos 1960 por meio de uma novela de rádio; um programa de rádio-teatro no horário de segunda a sexta às 13h. Este personagem foi inspirado no Spirit de Will Eisner – personagem e autor favorito de Deodato Borges – e o programa de temática policial tornou-se um verdadeiro campeão de audiência e seu público ouvinte, mais assíduo, eram as crianças e os adolescentes de inúmeras cidades da Paraíba onde as ondas do rádio alcançavam.
Naquele período, os fãs juvenis compareciam a rádio querendo manter contato com o herói. Nos sábados, no auditório da emissora, ocorriam as reuniões do Clube do Agente Secreto onde todos os fãs identificados com carteirinha de membro do clube compareciam. Deodato Borges, utilizando uma máscara, posava para fotos que eram entregues devidamente autografadas pelo Flama.
Com a audiência e sucesso ocorreu algo inusitado: certo dia, Deodato Borges recebeu em seu gabinete a visita dos maiores diretores dos colégios da cidade de Campina Grande, querendo tratar de um assunto comum a eles: o horário da novela “As Aventuras do Flama” fazia com que as crianças chegassem atrasadas para as aulas. Em comum acordo com a emissora modificou o horário de exibição para as 17h. Nota-se por este fato a tamanha audiência do programa.
Os ouvintes da novela radiofônica do Flama também ouviam outra novela: o seriado “Jerônimo, herói do sertão”, da Rádio Jornal do Comércio do Recife. Este personagem possuía uma revista periódica publicada pela Rio Gráfica Editora, cujos ouvintes e fãs podiam adquirir também por meio impresso as aventuras do citado personagem. Não demorou e os fãs do Flama começaram a exigir as aventuras divulgadas numa revista em quadrinhos também. Após insistentes pedidos nas reuniões semanais, não teve jeito: Deodato Borges passou a desenhar a história em quadrinhos do Flama; ele mesmo desenvolveu o esquema da revista para impressão. Textos e clichês foram feitos nas oficinas do Diário da Borborema – pertencente aos Diários Associados – e a impressão ficou a cargo da Gráfica Júlio Costa. Em março de 1963, chegou as bancas a história em quadrinhos “As Aventuras do Flama” que teve lançamento especial num sábado na reunião do Clube do Agente Secreto com auditório da Rádio Borborema superlotado.
As histórias em quadrinhos do Flama tiveram poucas edições publicadas porque no mesmo ano – 1963 – Deodato Borges foi transferido para Recife, em Pernambuco, para ocupar o cargo de Diretor Geral nos Diários Associados de Pernambuco. Três anos depois ele retornou a Paraíba e, para sua surpresa, a antiga Rádio Caturité, como forma de melhoramento da sua programação na inclusão de novas atrações, passou a transmitir “As Aventuras do Flama”, como também foi uma exigência dos fãs que o Flama retornasse a sua terra natal.
“Sem querer querendo, como todos sabem a revista ‘As Aventuras do Flama’ acabou se tornando, na história dos quadrinhos em nosso país, a primeira do gênero a ser impressa no norte e nordeste do Brasil”, disse-nos Deodato Borges numa conversa um tanto informal no 5º HQPB onde com muita alegria e emoção compareceu acompanhado de seu filho.
No sábado, 08 de outubro, foi um dia dedicado às homenagens no 5º HQPB.
Nesta edição do 5º HQPB ocorreu a entrega do 1º Prêmio Made in PB de Quadrinhos e Cultura Pop da Paraíba como forma de homenagear, valorizar e incentivar a produção de quadrinhos e atividades de cultura pop da Paraíba. Sendo esta a primeira edição, elegemos nomes de pessoas que merecem nossa sincera homenagem pelo seu trabalho, em 7 categorias.
Na categoria Melhor Artista Paraibano e Melhor Produção Quadrinística da Paraíba, o nosso homenageado foi Shiko por seu vasto domínio técnico nos mais diversos suportes e materiais de representação artística e pelo quadrinho Blue Note, desenhado por ele com roteiro de seu amigo Biu. Na categoria Melhor Produção Não Quadrinística, escolhemos o livro Escudo Manchado: Um Herói em Tempos de Guerra do baiano radicado na Paraíba há mais de dez anos, Daslei E. Ribeiro Bandeira. Na categoria intervenção urbana, o eleito foi Régis Soares pelo seu trabalho intitulado Charges Na Rua que há mais de 15 anos, todas as semanas, confecciona em painel charge colocada num pequeno outdoor, fazendo críticas sócio-políticas da Paraíba. Na categoria produção acadêmica, nosso homenageado foi Henrique Magalhães por sua vida acadêmica dedicada aos quadrinhos, em especial por sua obra e tese de graduação O Rebuliço Apaixonante dos Fanzines, que foi marco das publicações acadêmicas com tema voltado para histórias em quadrinhos na Paraíba. E na última categoria, blog de cultura pop, nosso escolhido foi Daniel Abath pelo seu blog www.ludosofando.blogspot.com. E, é claro, o homenageado do evento: Deodato Borges.
Também como forma de homenagem, em meio ao Mezanino 1 da FUNESC, estava uma exposição com desenhos cuja temática era o Flama. Esta exposição foi resultado do trabalho dos professores do Studio Made in PB com seus alunos; prática esta de ensino e resgate da história das histórias em quadrinhos da Paraíba e, por meio de exercício prático, professores e alunos desenharam sua versão do Flama. Alguns desenhos nos foram presenteados por amigos que trabalham para o mercado de quadrinhos, amigos de Deodato Borges.
Os três jovens artistas Daniel Ferreira Neto, Izaac Brito e Américo Gomes, que formam um grupo chamado D.I.A. e produzem desenhos coletivos, produziram um painel com temática do Flama juntamente com a exposição dos alunos. Participaram da produção deste painel o cartunista, ilustrador e designer gráfico e amigo de Deodato Borges, William Medeiros e o Prof. Dr. Alberto Pessoa do Departamento de Mídias Digitais da UFPB.
Serenidade, simplicidade, generosidade e humildade. Estas são virtudes notórias de Deodato Borges que é exemplo vivo de que, com determinação e amor, é possível realizar sonhos e alcançar objetivos.
Ao mestre Deodato Borges, com carinho: muito obrigada!
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Re: TEXTOS REVISADO EDIÇÃO # 25
Jonas Trindade. Profissão: Arte-finalista
(porque alguém tem que terminar o desenho)
Posso falar com conhecimento de causa, apesar de ter feito apenas dois testes, posso afirmar: ser arte-finalista é complicado! PUTA QUE PARIU! Esse negócio de que ser arte-finalista é fácil, basta apenas cobrir de preto os desenhos... Isto é uma das maiores inverdades que conheço. E outro detalhe: ser arte-finalista é uma etapa necessária na produção dos quadrinhos periódicos, cujos profissionais são desvalorizados do ponto de vista do mérito profissional e pouco conhecidos pela população em geral. Analisando o processo, arte-final é tão necessária como a função do argumentista, roteirista, desenhista, colorista, balonista e letreirista (e colocar letreiro e balão é outro ofício desvalorizado).
Enfim... Em defesa dos arte-finalistas, convidei para uma entrevista Jonas Trindade atualmente agenciado pela Space Goat que trabalha neste ofício.
FARRAZINE - Tudo bem, Jonas?
Jonas Trindade - Opa. \o/
FZ - Antes de quaisquer outras perguntas, por favor, fale sobre o processo de arte-final.
JT - Bem o processo em si começa, pelo menos para mim, de duas formas: ou imprimindo a página, ou fazendo sobre o original a lápis; feito isso, eu analiso todas as páginas e antes mesmo de finalizá-las - eu já faço isso mentalmente –estudo qual a melhor forma de separar os planos, como trabalhar as texturas, aonde eu posso acrescentar algo do meu desenho porque arte-finalista tem que saber desenhar; um arte-finalista de destaque é um desenhista também. Depois de toda a análise, eu escolho qual ferramenta usar: pincel, bico de pena, caneta nanquim descartável ou até mesmo caneta técnica.
Depois de feita a página eu digitalizo ela em três partes isso se for um A3 inteiro se for separada em partes de A4. Isso ocorre quase sempre porque geralmente eu imprimo as páginas, eu faço toda a parte de ajuste no photoshop. Primeiro monto a página, depois limpo o canal da cor em que ela foi impressa; eu uso azul como cor base pra imprimir o lápis, ah sim! Importante: sempre que recebo o arquivo, passo ele de cinza para azul. Feito todo processo do scan, ajusto os níveis da página e deixo as linhas com mais texturas; passo para o formato bitmap e salvo em Tiff zipado para ser enviado para o colorista. O arquivo em TIFF zipado permite reduzir o peso do arquivo sem interferir na qualidade do mesmo; eu faço todos os meus scans com 600 dpis de resolução, salvo nesse formato primeiro o que chamamos de arquivo em alta e depois passo pra tons de cinza e salvo em JPEG bem leve, o que chamamos arquivo em baixa que vai para o editor aprovar. Nunca mande arquivos gigantes para o editor aprovar.
FZ - Como você se tornou arte-finalista?
JT - Bem, foi engraçado, pois estudei como Guilherme Balbi, meu amigo e desenhista de quadrinhos; nessa época vi meu professor finalizar um desenho e fui fisgado, parei e falei: vou ser “inker”. Meus primeiros traços com pincel foram sobre desenhos do Balbi nessa época, isso em 2004. Depois disso fui aprimorando minha técnica; hoje eu sei usar praticamente de tudo para fazer arte-final.
FZ - Eu já escutei comentários afirmando que a profissão de arte-finalista estava se extinguindo. Qual a sua opinião sobre esta afirmação?
JT - Olha, é quase que impossível a profissão acabar, mesmo porque nem todos os desenhistas sabem fazer um lápis limpo e certinho, hoje há muitos recursos como fazer a arte-final digital ou tentar escurecer o traço, mas mesmo assim é inferior ao bom e velho pincel, é claro se você souber usar uma mesa gráfica bem, conseguirá finalizar como se estivesse usando um pincel, mas acabar não... eu duvido, pode haver novas formas de se finalizar o desenho, mas sumir nunca.
FZ - Quais são as ferramentas para fazer uma boa arte-final?
JT - Primeiro, saber desenhar bem; todo arte-finalista de destaque sabe desenhar. Segundo, não ter medo de experimentar novas técnicas, ser humilde e escutar as boas e más críticas e entender que tudo tem sua hora; isso de forma resumida.
FZ - Vamos falar um pouco sobre você. Fale sobre Jonas Trindade.
JT - Mineiro da cidade de Contagem, próximo a BH, solteiro, 30 anos (risos), arte-finalista de Comics, pescador inveterado, de poucas palavras, sempre podendo estende a mão pra ajudar, mas não se enganem... como todo bom mineiro, é muito desconfiado.
FZ - Como foi que você se interessou pelo universo dos quadrinhos?
JT - Foi de moleque, com quadrinhos da Mônica. Aliás, todo mundo começa lendo Mônica (risos). Depois disso arrumei umas HQs de terror da Hora do Pesadelo desenhadas pelo Alfredo Alcala, antigo isso... e aí, fui me interessando por quadrinhos de superheróis, mas na época eu já lia Raça das Trevas do Clive Baker entre outros tipos de publicação, mas foi bem natural agora migrar de fã pra trabalhar com isso. Foi um pouco mais tarde, quando a Editora Image invadiu o Brasil, e havia mais informação de quadrinhos, muitas delas publicadas pela extinta revista Wizard. O bacana é que naquele tempo eu lia uma matéria sobre quadrinistas brasileiros fazendo comics pros EUA; se não me engano foi na época que o Marcelo Campos entrou. Nossa, achei a notícia fantástica. Depois vieram Deodato Jr., Roger Cruz e outros mais, mas não se tinha uma estrutura pra iniciar novos artistas.
FZ - Cite algumas HQs que você trabalhou e no que você está trabalhando - em quadrinhos - atualmente?
JT - Já trabalhei para as revistas Elders of Runestone, Red Tornado (DC Comics), Nick Fury (Marvel), Transformers (Editora IDW), Teen Titans (DC Comics), entre outras. Atualmente estou trabalhando como Allan Jefferson na HQ Devil is Due in Dreary e vou iniciar uma pra Dark Horse. O da Dark Horse ainda não posso falar.
FZ - Você pretende trabalhar como desenhista? Ou aprimorar-se ainda mais e continuar como arte-finalista?
JT - Olha, tudo dando certo viro desenhista (na etapa de criação da história), mas até eu me acertar, continuarei com as inks. Como meu processo de arte-final está mais adiantado agora, vou estudando desenho aos poucos.
FZ - Você esteve no FIQ. Encontrou outros arte-finalistas?
JT - Eu estive lá todos os dias. Foi muitoooooooooooooooooo fodaaaaa, conheci muita gente, praticamente todos os meus amigos novos da web e mais uma pancada de profissionais da área; só tinha nego foda lá! Poxa Paloma, você ia pirar, viu? Encontrei lá meus amigos que trabalham como arte-finalistas: Eber Ferreira e Julio Ferreira (e olhe que eles não parentes! (risos) Tinha, no 7º FIQ, um estúdio ao vivo aonde podíamos ir e trabalhar um pouco, mostrar partes do processo pra galera que vinha ao evento poder ver como é feito uma HQ.
FZ - Você tem acompanhado a produção brasileira de quadrinhos?
JT - Um pouco; nesta edição do FIQ tinha muitos independentes; inclusive eu recomendo a trilogia dos meus amigos do Sul, o fanzine Supreme, do João Azeitona, Mateus Santo Louco e Walter Pax.
FZ - E pra finalizar: sofres do mal que aflige os desenhistas: você tem escoliose?
JT - (risos) Se eu tenho, eu nem sei, viu? Mas as costas doem depois de um tempo trabalhando; preciso me movimentar mais (risos).
Agradecimentos:
A Caroline de Góes pelas belas fotos do FIQ 2011 em seu facebook.
A Kare Hedebrand que também postou belas fotos do FIQ 2011 no seu facebook.
Blog do Jonas:
http://luqkhyjonas.blogspot.com/
Outra entrevista com ele:
http://www.multiversodc.com/v2/2008/12/novos-talentos-jonas-trindade/
(porque alguém tem que terminar o desenho)
Posso falar com conhecimento de causa, apesar de ter feito apenas dois testes, posso afirmar: ser arte-finalista é complicado! PUTA QUE PARIU! Esse negócio de que ser arte-finalista é fácil, basta apenas cobrir de preto os desenhos... Isto é uma das maiores inverdades que conheço. E outro detalhe: ser arte-finalista é uma etapa necessária na produção dos quadrinhos periódicos, cujos profissionais são desvalorizados do ponto de vista do mérito profissional e pouco conhecidos pela população em geral. Analisando o processo, arte-final é tão necessária como a função do argumentista, roteirista, desenhista, colorista, balonista e letreirista (e colocar letreiro e balão é outro ofício desvalorizado).
Enfim... Em defesa dos arte-finalistas, convidei para uma entrevista Jonas Trindade atualmente agenciado pela Space Goat que trabalha neste ofício.
FARRAZINE - Tudo bem, Jonas?
Jonas Trindade - Opa. \o/
FZ - Antes de quaisquer outras perguntas, por favor, fale sobre o processo de arte-final.
JT - Bem o processo em si começa, pelo menos para mim, de duas formas: ou imprimindo a página, ou fazendo sobre o original a lápis; feito isso, eu analiso todas as páginas e antes mesmo de finalizá-las - eu já faço isso mentalmente –estudo qual a melhor forma de separar os planos, como trabalhar as texturas, aonde eu posso acrescentar algo do meu desenho porque arte-finalista tem que saber desenhar; um arte-finalista de destaque é um desenhista também. Depois de toda a análise, eu escolho qual ferramenta usar: pincel, bico de pena, caneta nanquim descartável ou até mesmo caneta técnica.
Depois de feita a página eu digitalizo ela em três partes isso se for um A3 inteiro se for separada em partes de A4. Isso ocorre quase sempre porque geralmente eu imprimo as páginas, eu faço toda a parte de ajuste no photoshop. Primeiro monto a página, depois limpo o canal da cor em que ela foi impressa; eu uso azul como cor base pra imprimir o lápis, ah sim! Importante: sempre que recebo o arquivo, passo ele de cinza para azul. Feito todo processo do scan, ajusto os níveis da página e deixo as linhas com mais texturas; passo para o formato bitmap e salvo em Tiff zipado para ser enviado para o colorista. O arquivo em TIFF zipado permite reduzir o peso do arquivo sem interferir na qualidade do mesmo; eu faço todos os meus scans com 600 dpis de resolução, salvo nesse formato primeiro o que chamamos de arquivo em alta e depois passo pra tons de cinza e salvo em JPEG bem leve, o que chamamos arquivo em baixa que vai para o editor aprovar. Nunca mande arquivos gigantes para o editor aprovar.
FZ - Como você se tornou arte-finalista?
JT - Bem, foi engraçado, pois estudei como Guilherme Balbi, meu amigo e desenhista de quadrinhos; nessa época vi meu professor finalizar um desenho e fui fisgado, parei e falei: vou ser “inker”. Meus primeiros traços com pincel foram sobre desenhos do Balbi nessa época, isso em 2004. Depois disso fui aprimorando minha técnica; hoje eu sei usar praticamente de tudo para fazer arte-final.
FZ - Eu já escutei comentários afirmando que a profissão de arte-finalista estava se extinguindo. Qual a sua opinião sobre esta afirmação?
JT - Olha, é quase que impossível a profissão acabar, mesmo porque nem todos os desenhistas sabem fazer um lápis limpo e certinho, hoje há muitos recursos como fazer a arte-final digital ou tentar escurecer o traço, mas mesmo assim é inferior ao bom e velho pincel, é claro se você souber usar uma mesa gráfica bem, conseguirá finalizar como se estivesse usando um pincel, mas acabar não... eu duvido, pode haver novas formas de se finalizar o desenho, mas sumir nunca.
FZ - Quais são as ferramentas para fazer uma boa arte-final?
JT - Primeiro, saber desenhar bem; todo arte-finalista de destaque sabe desenhar. Segundo, não ter medo de experimentar novas técnicas, ser humilde e escutar as boas e más críticas e entender que tudo tem sua hora; isso de forma resumida.
FZ - Vamos falar um pouco sobre você. Fale sobre Jonas Trindade.
JT - Mineiro da cidade de Contagem, próximo a BH, solteiro, 30 anos (risos), arte-finalista de Comics, pescador inveterado, de poucas palavras, sempre podendo estende a mão pra ajudar, mas não se enganem... como todo bom mineiro, é muito desconfiado.
FZ - Como foi que você se interessou pelo universo dos quadrinhos?
JT - Foi de moleque, com quadrinhos da Mônica. Aliás, todo mundo começa lendo Mônica (risos). Depois disso arrumei umas HQs de terror da Hora do Pesadelo desenhadas pelo Alfredo Alcala, antigo isso... e aí, fui me interessando por quadrinhos de superheróis, mas na época eu já lia Raça das Trevas do Clive Baker entre outros tipos de publicação, mas foi bem natural agora migrar de fã pra trabalhar com isso. Foi um pouco mais tarde, quando a Editora Image invadiu o Brasil, e havia mais informação de quadrinhos, muitas delas publicadas pela extinta revista Wizard. O bacana é que naquele tempo eu lia uma matéria sobre quadrinistas brasileiros fazendo comics pros EUA; se não me engano foi na época que o Marcelo Campos entrou. Nossa, achei a notícia fantástica. Depois vieram Deodato Jr., Roger Cruz e outros mais, mas não se tinha uma estrutura pra iniciar novos artistas.
FZ - Cite algumas HQs que você trabalhou e no que você está trabalhando - em quadrinhos - atualmente?
JT - Já trabalhei para as revistas Elders of Runestone, Red Tornado (DC Comics), Nick Fury (Marvel), Transformers (Editora IDW), Teen Titans (DC Comics), entre outras. Atualmente estou trabalhando como Allan Jefferson na HQ Devil is Due in Dreary e vou iniciar uma pra Dark Horse. O da Dark Horse ainda não posso falar.
FZ - Você pretende trabalhar como desenhista? Ou aprimorar-se ainda mais e continuar como arte-finalista?
JT - Olha, tudo dando certo viro desenhista (na etapa de criação da história), mas até eu me acertar, continuarei com as inks. Como meu processo de arte-final está mais adiantado agora, vou estudando desenho aos poucos.
FZ - Você esteve no FIQ. Encontrou outros arte-finalistas?
JT - Eu estive lá todos os dias. Foi muitoooooooooooooooooo fodaaaaa, conheci muita gente, praticamente todos os meus amigos novos da web e mais uma pancada de profissionais da área; só tinha nego foda lá! Poxa Paloma, você ia pirar, viu? Encontrei lá meus amigos que trabalham como arte-finalistas: Eber Ferreira e Julio Ferreira (e olhe que eles não parentes! (risos) Tinha, no 7º FIQ, um estúdio ao vivo aonde podíamos ir e trabalhar um pouco, mostrar partes do processo pra galera que vinha ao evento poder ver como é feito uma HQ.
FZ - Você tem acompanhado a produção brasileira de quadrinhos?
JT - Um pouco; nesta edição do FIQ tinha muitos independentes; inclusive eu recomendo a trilogia dos meus amigos do Sul, o fanzine Supreme, do João Azeitona, Mateus Santo Louco e Walter Pax.
FZ - E pra finalizar: sofres do mal que aflige os desenhistas: você tem escoliose?
JT - (risos) Se eu tenho, eu nem sei, viu? Mas as costas doem depois de um tempo trabalhando; preciso me movimentar mais (risos).
Agradecimentos:
A Caroline de Góes pelas belas fotos do FIQ 2011 em seu facebook.
A Kare Hedebrand que também postou belas fotos do FIQ 2011 no seu facebook.
Blog do Jonas:
http://luqkhyjonas.blogspot.com/
Outra entrevista com ele:
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