TEXTOS PARA REVISÃO #22
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TEXTOS PARA REVISÃO #22
Diálogos do Bráulio
Texto: por rdelton e rodrigo!
Diagramação: rodrigo!
Aí Rodrigão, seja feita a sua vontade, ok?
Texto: por rdelton e rodrigo!
Diagramação: rodrigo!
Aí Rodrigão, seja feita a sua vontade, ok?
Diálogos do Bráulio
Part 3 - Que diriez-vous de la grande gueule qu'il ne ferme jamais?
Saudações prezados leitores de bom gosto e singular discernimento!
Como máxima autoridade contra os abusos utilizados nessa pseudorevista, venho novamente ratificar meu título de Ombudsman, defensor do povo, representante da cultura, Médiateur de la République, Síndic de Greuges (Oh! A cultura que domino me fascina!) com meus sedutores vocábulos na passada edição.
Como de praxe, farei meus comentários com minha peculiar forma de expressar opiniões que tanto gosto produz aos meus seguidores (Que são muitos e não param de crescer, diga-se de passagem!). Minha opinião é a seguinte:
...
Sim! Sim! Sim! Eu sei... eu reconheço... Minha eloquência transborda por essas linhas não é verdade? Claro que sim, claro que sim...
Serei sincero, doravante, e devo admitir que não tive coragem suficiente para consultar as peripécias dessa prole quadrinística no número 21. Estive entretido lendo "Os embaixadores" de Henry James durante o lançamento da última abominação, ops desculpe... edição, quis dizer, desses estranhos meninos do "Lambda-Lambda" club.
Entretanto, posso destacar na revista pequenos detalhes que me chamaram atenção à partir da capa da mesma. Aparentemente houve uma HQ sobre um senhor chamado Justiceiro (?). O que significará esta destemida nomenclatura? Será que também escrevem quadrinhos para os dedicados a justiça com as proprias, ao onanismo, ao cinco contra um? Oh Deus, não existe limites para o absurdo ou foi uma HQ didática? Prefiro não ouvir resposta a essa questão.
Sigo divagando sobre a capa... Havia outro gibi chamado "Cidade Nua" onde muito me temo tivesse relação com nosso já comentado “Justiceiro” e seu particular modo de “manejar” a sua barbárie. A continuação é destacada a participação de vários cidadões sorridentes em entrevistas que supostamente teriam a mesma alegria (em ironia, ironia)!
Por fim, não deveria seguir comentado algo evidentemente ridículo muito apesar de minha designação oficial como colunista ser justo esta. No entanto, acredito veementemente que a cada edição melhoro meu talento de convencer, exaltar ou comover os leitores, escrevendo essas linhas tão cativantes.
É por este motivo, singelos pimpolhos, que incentivo a leitura da pseudorevista em questão.
Baixem-a, lê-la, divulguem-a!
Mas lembre-se que somente vale a pena até a página 2, logo após o editorial, que é onde se podem encontrar os melhores textos escritos por um sujeito culto que escreve com esmero e paixão chamado Bráulio Taumarturgo Vaz Te, que por acaso do destino, vem a ser eu mesmo!
Fico, tranquilizando meu clamor por continuar nosso monólogo, sendo sinceramente
Vosso, Bráulio
rdelton- Apagatti Be Water My Friend
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Re: TEXTOS PARA REVISÃO #22
Texto: Nano
ALAN MOORE & HOLLYWOOD: UM CASO DE “AMOR”...
Na história de cinema provavelmente nunca houve uma história de amor e ódio tão interessante quanto Hollywood e Alan Moore. Os estúdios já fizeram cinco filmes baseados em histórias em quadrinhos do autor que é considerado o melhor do gênero – sem contar os filmes trash do Monstro do Pântano, cuja série de TV teve até alguns episódios baseados nas HQs que o barbudão escreveu.
No entanto, como é fato conhecido, Alan Moore odeia tudo isso! Ele simplesmente odeia os filmes e vive maldizendo Hollywood sempre que alguma obra sua vai pra telona! Tanto que nos filmes mais recentes ele tem pedido até pra retirar o seu nome dos créditos.
Em suma, Hollywood vive convidando Alan Moore para sair, provavelmente apaixonada pelo trabalho dele. Mas o barbudo despreza a pretendente. Mas convenhamos. Estes filmes foram retumbantes FRACASSOS de crítica e bilheteria. O leigo pode até pensar: “Mas que filmes ridículos. Então esse é o maior autor de HQs de todos os tempos? Putz, quadrinhos é subliteratura, coisa de retardado mesmo!”
Essa pode ser a razão do ódio de Alan Moore por Hollywood. Afinal, esses filmes NÃO TÊM NADA A VER com o que ele escreveu. Só o título, e olhe lá. Afinal, Hellblazer, o cara que desafia o inferno, foi preterido pelo sobrenome do personagem, Constantine.
Mas o que exatamente é diferente dos quadrinhos pro cinema? Vamos apresentar uma breve lista, para refrescar a sua memória (ou aguçar sua curiosidade, caso você não tenha lido os quadrinhos originais):
A LIGA EXTRAORDINÁRIA
No cinema: O saudável Alan Quartemain é convocado pelo governo inglês para liderar uma equipe de pessoas extraordinárias, formada pela vampira Mina Harker (do livro Drácula), Capitão Nemo, Homem Invísivel, Dorian Gray, Henry Jeckyl e Tom Sawyer para combater o misterioso Fantasma, que pretende derrubar o governo inglês. No final, Quartemain morre dizendo pra Tom Sawyer que o próximo século é do povo americano (blergh, Alan Moore que é inglês, deve ter vomitado nesta parte).
Nos quadrinhos: É Mina Harker (que não se tornou uma vampira) quem reúne e comanda as pessoas extraordinárias, entre elas um combalido Alan Quartemain consumido pelo vício do ópio. Eles têm que roubar um elemento antigravitacional do assustador Fu Manchu, que pretende atacar a Inglaterra. Mas na verdade, eles foram manipulados pelo maquiavélico Prof. Moriarty, arqui-inimigo de Sherlock Holmes. Ou seja, a ameaça vem de dentro do próprio governo inglês, que colocou o seu serviço secreto nas mãos de um facínora.
DO INFERNO
No filme: Johnny Deep é o Inspetor Aberlyne que tem poderes paranormais. Ele se envolve romanticamente com a prostituta Mary Kelly, que está marcada para morrer por ter chantageado a coroa inglesa com um grupo de amigas, já que uma conhecida delas deve um caso e uma filha bastarda com o príncipe Albert. A Rainha Vitória pede pro médico da família, Dr. William Gull cuidar delas. E assim ele se torna JACK, O ESTRIPADOR. No fim, Mary Kelly escapa, forjando sua própria morte.
Nos quadrinhos: O principal personagem não é o inspetor Aberlyne, mas justamente William Gull, no caso, Jack o Estripador. O livro também traz uma série de especulações culturais e esotéricas sobre a história de Londres e a maçonaria. Aberlyne ODEIA prostitutas, principalmente quando uma com quem conversava – mas não fica claro se era Mary Kelly – lhe deixa na mão. Ele faz parceria com um psíquico farsante, que não é paranormal coisa nenhuma, mas acerta quando acusa, por motivos pessoais, o Dr. William Gull. Mary Kelly não escapa, como na história real, embora Alan Moore abra realmente uma brecha para uma reinterpretação. O que nos quadrinhos é sutil, no cinema ficou definitivo.
CONSTANTINE
No cinema: John Constantine é um psíquico que foi condenado ao inferno quando tentou se matar. Pelo visto, Deus não perdoa, apesar dele ter se tornado um exorcista e combater os demônios do Inferno. John é americano, mora em Los Angeles, é gentil com as mulheres, se sente atraído pela policial, mas não dá um único beijo nela. E quando consegue ser curado do seu câncer, ele para de fumar.
Nos quadrinhos: John Constantine é um canalha: ele sacrifica seus amigos, se isso for preciso na sua guerra contra o inferno... e o CÉU. É isso, ele não está do lado nem dos demônios, nem dos anjos. Ele está condenado ao inferno porque inadvertidamente condenou a alma de uma criança inocente por pura arrogância, num exorcismo que falhou. Ele não é paranormal, nem especial, conforme ele diz é “só um sujeito esperto”. Ele também é um inglês, loiro, que gosta de tomar um porre às vezes, e um grande conquistador, com uma lista invejável de mulheres, que sempre terminam mal com ele. Quando consegue se curar do câncer, a primeira coisa que ele faz é fumar um cigarro, afinal ganhou dois pulmões novinhos!
V DE VINGANÇA
No filme: V é um sujeito misterioso, que tenta derrubar o regime de uma Inglaterra futurística. Ele salva a jovem Eve e logo começa um romance implícito – que não se realiza – entre os dois. Ele inspira a população a se rebelar, e assim se libertar do fascismo.
Nos quadrinhos: A principal diferença é a ideologia do personagem, onde fica claro que é anarquista. Não fica definido se V é homem ou mulher, assim como a relação com Eve é puramente paternal – a ponto dela especular se ele não é o pai dela, que desapareceu. A medida que o policial encarregado investiga o caso, descobre que a guerra de V contra a ditadura é mais pessoal do que ideológica: ele foi vítima de abusos num campo de concentração, e sua vingança é tão completa que não se resume a só matar seus torturadores, ele quer também matar sua ideologia. No final, ao invés de retirar a máscara, Eve descobre quem é V: ela mesma, que assume sua identidade e continua a revolução.
WATCHMEN
No cinema: Super-heróis aposentados, mas em plena forma física, voltam a ativa para enfrentar um assassino de mascarados. Provavelmente é o filme mais fiel a uma HQ do Moore até agora, embora seja fiel só uns 70%: as diferenças estão no grande numero de coisas omitidas, e na narrativa mais rápida, além da violência de videogame das lutas. O novo final também não faz sentido do ponto de vista político. O maior erro da película foi tratar como se fosse mais um filme de ação uma das hqs mais dramáticas e sérias já escritas até hoje.
Nos quadrinhos: O Coruja está gordo, a Espectral é uma piranha insegura, Rosharch é louco, o Comediante é um canalha, e Adrian Veidt , assim como o inferno, está cheio de boas intenções, embora ele tenha sucesso no final. O principal trunfo da HQ original está na humanidade não só dos protagonistas, mas também dos coadjuvantes, que foram totalmente obliterados da telona. São os pequenos detalhes que fazem a beleza de Watchmen. Mas em Hollywood, tudo tem que ser épico e barulhento.
“EU NÃO QUERO O MEU NOME ENVOLVIDO NESTA PORCARIA”
Quando Alan Moore vendeu os direitos de A Liga Extraordinária e Do Inferno para o cinema, ele estava numa grande pindaíba financeira, isto é fato. Mas ele também ainda tinha alguma atração por Hollywood. No final dos anos 80, Moore chegava a comentar, animado, a adaptação de Watchmen pro cinema, inclusive sugerindo atores e diretores para o filme.
As coisas começaram a mudar quando os quadrinhos viraram filmes. A Liga Extraordinária não tinha nem sequer o mesmo enredo da história original, que segundo Moore foi a HQ mais cinematográfica que ele já escreveu: “Quando escrevi a HQ pensei na estrutura de um filme, em três atos: apresentação dos personagens, missão original, e a reviravolta”. Ainda assim, os produtores modificaram os personagens para eles ficarem mais “simpáticos”, e exigiram uma nova trama mais “acessível” (leia-se: menos inteligente).
Nesta altura já era tarde demais para parar DO INFERNO, que já estava praticamente filmado. A obra em quadrinhos realmente é hermética, e não é pra qualquer um. Sua adaptação pro cinema seria realmente um desafio. Os produtores preferiram criar uma nova trama, aproveitando uma ou outra idéia, e remodelando completamente o caráter dos personagens.
Diante disto, Moore chegou a conclusão que o problema não eram os diretores e roteiristas, mas a INDUSTRIA de Hollywood. Por mais talentosos e de boa vontade que possam ser os sujeitos que dirigem e escrevem os filmes, as necessidades comerciais da indústria irão impor mudanças com objetivos mercadológicos em personagens e tramas. Por isso, um filme nunca iria ser fiel a qualquer HQ sua, ainda mais se lembrarmos que Moore é um esotérico anarquista, extremamente crítico ao stablishment americano.
Por isso, Alan Moore pediu que seu nome fosse retirado dos créditos dos filmes que apareceram dali em diante: Constantine, V de Vingança e Watchmen. “Mas espera aí, se Alan Moore não quer as adaptações, porque vendeu os direitos”? Bom, a questão é que os direitos não pertencem mais a ele. Nos anos 80, quando era praticamente desconhecido, teve que trabalhar pra grandes editoras de quadrinhos – no caso, a DC Comics – que comprava automaticamente os direitos de quem criasse algo pra eles. Moore tem direito a alguns copyrights, mas fundamentalmente, quem administra os personagens é a Warner – proprietária da DC.
Ao abrir mão do seu nome nos créditos, Alan Moore abriu mão do DINHEIRO que deveria receber, que fique bem claro. Ele repassou de bom grado a sua porcentagem para seus parceiros desenhistas. Essa postura aumentou em muito seu crédito entre inúmeros fãs, afinal são poucos os artistas hoje em dia que não se prostituem por um pouco de dinheiro.
Mas como Alan observou: “estou com cinqüenta anos, e não vejo como mais dinheiro do que já tenho me seria útil”. Moore, que se considera uma espécie de “xamã”, vive desde sempre na pequena cidade de Northampton, de onde pretende jamais sair. Uma vez que ele tem tudo que quer na vida, realmente, pra que abrir mão do que acredita?
Para o “mago inglês”, suas histórias foram pensadas para serem histórias em quadrinhos, de forma que muito se perderia numa adaptação. Ele não é contra o cinema propriamente dito, mas não gosta da indústria de Hollywood, que “entrega tudo mastigado, não exigindo inteligência, nem participação do telespectador”. Bem ao contrário das suas HQs, que na maioria exigem releituras e mais releituras para serem mais bem apreciadas.
Por essas e outras, ao invés de ver o filme, Moore convida as pessoas a procurarem outras mídias, como as histórias em quadrinhos, e descobrirem novos mundos de cultura e entretenimento, que despertem novas sensações e pontos de vista.
Sobre o cinema, ele é categórico: curte muitos filmes, mas prefere obras originais, não adaptações. Moore acredita que os diretores e roteiristas usariam melhor seu talento e criatividade criando coisas novas, mesmo dentro das amarras de Hollywood, do que dilapidando e desfigurando as obras dos outros.
Por isso, se você gostou muito de um gibi, porque estragar suas boas recordações com um filme ruim? “Leia o gibi de novo”, recomenda Alan Moore. Ou leia outro gibi, afinal, a muitos quadrinhos bons por aí, não só de Alan Moore, e não há porque perder tempo numa adaptação RUIM de uma história que você já conhece, se você pode gastar essas duas horas lendo alguma coisa que preste não?
O QUE PODE VIRAR FILME E O QUE NÃO!
Se depender de Alan Moore, nada do que ele possua os direitos autorais vai virar filme. O problema é o material que ele produziu para a Image ou a DC Comics, aí o buraco é mais embaixo. Veja uma lista dos trabalhos mais populares de Alan Moore e porque eles podem virar filme ou definitivamente jamais o serão:
MONSTRO DO PÂNTANO – Os direitos pertencem a DC Comics. Por isso, se a Warner quiser fazer filmes baseados nas HQs do mago inglês, sim, há possibilidades!
MIRACLEMAN – Alan Moore abriu mão dos direitos, que reverteram para o criador Myke Anglo, e a família dele anda atrás de grana e vendeu os direitos pra Marvel! Em suma, se a Marvel quiser adaptar a obra pro cinema, a chance é grande...
A PIADA MORTAL – A Bat-História mais famosa do Coringa pode virar filme se a Warner assim o quiser, afinal Batman é propriedade da empresa.
CAPITÃO BRETANHA – O personagem pertence a Marvel Comics, portanto... Olha a Disney aí!
PROMETHEA – Aqui o buraco é mais embaixo. O gibi foi licenciado pra ser publicado pela DC Comics, mas os direitos pertencem a Alan Moore. Sem o crivo dele, nem pensar!
TOM STRONG – O mesmo caso de Promethea: todos os personagens pertencentes ao selo da ABC, da WildSTorm, somente terão os direitos vendidos para o cinema se Alan Moore quiser.
TOP TEN: Também outra marca da ABC, o mesmo caso acima.
SPAWN: Qualquer coisa que Moore escreveu para o universo do Spawn pertence a Todd McFarlane, portanto ele vende o que quiser.
WILDCATS: Qualquer coisa que Alan Moore escreveu ao chamado “WorldStorm” (o universo de super-heróis da Wildstorm) pertencem agora a DC Comics (Jim Lee vendeu os direitos). Por isso, a Warner é dona por tabela de mais essa obra do barbudão!
LOST GIRLS: Alguém a fim de fazer um filme erótico sofisticado? Então é bom procurar outra freguesia, porque Alan Moore e Melinda Gebbie dificilmente irão vender os direitos!
LIGA EXTRAORDINÁRIA: Foi Alan Moore quem vendeu os direitos pra Fox. E se arrependeu amargamente. Dessa forma, vencido o contrato com a Fox, é improvável que revenda os direitos de adaptação para outra empresa e permita que seus personagens sejam novamente vilipendiados.
A BALADA DE HALO JONES: Se os estúdios de Hollywood quiserem mais Alan Moore, uma forma de burlar a má-vontade do barbudão é negociar com a Egmont e a Fleetway, editoras inglesas de quadrinhos onde Alan começou sua carreira! Ele escreveu algumas séries de ficção cientifica para a revista 2000 AD, da qual A Balada de Halo Jones é a mais cinematográfica.
SQUIZZ: Uma espécie de “versão adulta” da fábula de E.T. O Extraterrestre. Também está dando sopa para Hollywood, já que os direitos não pertencem a Moore!
DR & QUINCH: A série de humor de Alan Moore e Alan Davis também pertencem as editoras inglesas. Se você é um executivo de Hollywood e está lendo isso, corra enquanto é tempo!
SUPREMO – Os direitos pertencem ao criador do personagem, Rob Liefeld, e todo mundo sabe que o cara é uma “prostituta barata”. O máximo que Alan pode fazer é chiar e pedir pra tirar o seu nome dos créditos... de novo!
A VOZ DO FOGO – Uma das razões que Alan vem se dedicando mais a prosa – o novo romance, Jerusalém, está pintando por aí – é que os direitos de adaptação pertencem exclusivamente a ele. Numa posição que só precisa das editoras para publicar, ele já deixou claro que não ira mais produzir material “alheio”. Só autoral. E assim, Hollywood pode esquecer, pelo menos enquanto ele estiver vivo. Seus herdeiros, o papo já é outro...
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Re: TEXTOS PARA REVISÃO #22
Texto: Nano
AS AVENTURAS DE
EDUARDO CARCARÁ
AGENTE DA ABIN
Seu nome é Carcará. Eduardo Carcará. Trabalha para a Agência Brasileira de Informações. Ele cuida da apuração de informações cruciais para a segurança do país. Não é fácil. O sistema de busca do Google anda cada vez mais atulhado de lixo inútil, Eduardo às vezes fica horas numa pesquisa que não levará a nada; Passa noites em claro invadindo sistemas de segurança estrangeiros; Lê todas as matérias de todos os portais de notícia (bem-dito seja o tradutor Babylon!). E ainda acha tempo pra jogar Counter Strike na rede, porque um agente da Abin deve se manter bem treinado.
Eduardo Carcará viaja bastante por causa da sua profissão. Semana passada esteve num simpósio de informática em Iracema do Norte. E teve aquela vez que visitou Passo Fundo. Tudo pago pelo governo! Uma vida de luxo essa de agente secreto.
Claro que ele faz sucesso com as mulheres, como todo espião faz. Principalmente quando lhes dá notas de 50. É o rei dos inferninhos da Lapa. Elas o adoram. Principalmente porque ele é um espião, paga pra espiar, nada mais.
Carcará só joga pra ganhar. Por isso não joga pôquer, bilhar, dominó, futebol, tênis, xadrez, ou qualquer esporte que seja evidentemente ruim. Ele gosta de jogar paciência, no computador.
Assim como James Bond, Carcará só anda em carrão. Dirige atualmente um Galaxi 1985 e ocupa duas vagas de estacionamento no prédio onde mora. Ele tem que dar um por fora pro sindico lhe manter essa regalia. Ele bem que gostaria de trocar a merda deste trambolho, mas seu salário ainda não permite.
Um dia, ele sabe, será designado para sua grande missão. Irá salvar a vida do presidente, ou então pegar uma organização terrorista, como a Espaço Renascer. Será condecorado e aplaudido na TV. Seus ex-colegas de escola e universidade irão dizer: “Eu conheci o Eduardo Carcará”. Sua mãe irá chorar: “Esse é o meu filho!”. Seu pai se gabará para o pessoal da bocha: “Tudo que ele sabe aprendeu comigo”.
Mas então seu chefe lhe dirá: “Não Carcará, você é um agente secreto. O segredo é seu trabalho”. Por isso nada de ser aplaudido na televisão. Seus ex-colegas de escola não se lembrarão dele, e os da universidade se perguntarão: “Por onde anda o Carcará?”. Sua mãe irá sorrir: “Meu filho ainda vai me dar muito orgulho”. Seu pai se desculpara para o pessoal da bocha: “Esses jovens de hoje em dia não sabem aproveitar. Deus dá asa a quem não sabe voar!”.
Então por que Eduardo Carcará entrou para a Abin? A culpa, como sempre, é dos pais: “Faz um concurso público, meu filho. Dá estabilidade. Dá segurança. Tá com a vida feita!”. E Eduardo fez. O salário parecia bom, e ele jamais ficaria desempregado. “Uau, Abin, vou ter alguma ação”. Mas a maior ação que já teve foi naquele dia em que achava que estava soltando um peido, e se enganou redondamente. Sair do prédio sem que ninguém notasse as calças manchadas foi uma verdadeira aventura. Eduardo teve que ser mais secreto do que nunca.
E falando em merda, já são dez anos dessa. Entra, bate cartão, mata o tempo no serviço. Bate cartão, sai, almoça. Dá uma caminhada pra digestão. Entra, bate cartão, toma o cafezinho pra estancar o sono pós-almoço. Mata mais tempo. Bate o cartão. Sai. Volta pra casa, passa no mercadinho se não tiver comida em casa. Compra um congelado, uma bebida se estiver deprimido. Joga o congelado dentro do micro-ondas. Forra o estômago enquanto assiste televisão. Enche a cara, ou, dependendo da disposição, no caminho do mercadinho passou na locadora, e pegou um filme pornô. Ao invés da bebida, hoje é dia de bater uma punheta. Vai dormir embriagado, de uma forma ou outra. Às sete horas da manhã o despertador do rádio relógio vai insistir pra fazer essa merda tudo de novo.
Eduardo Carcará não agüenta mais. Ele é um agente da Abin, por deus, não um simples funcionário público. Um espião! Se as pessoas soubessem... Mas quando ele conta, os homens riem, as mulheres ficam entediadas. Desprezam um homem que tem nas mãos a segurança nacional! Quer dizer, tinha, porque uma vez lhe deram uma pasta, e ele colocou em algum lugar no escritório, onde nunca mais conseguiu achar. Ele deu o alarme de roubo. Foi uma algazarra, chamaram até a polícia federal. E procuraram, procuraram, procuraram por dias. Até que quando menos esperava, o Carcará achou a pasta dentro de um casaco velho, que não usava mais porque era verão. O inverno teve que voltar para aparecerem os documentos. Ops, que bem há de trazer essa informação? O que se foi, se foi. Os documentos viraram uma fogueirinha de papel. A PF os procura até hoje.
Mas quem já não deu seus deslizes?
Carcará, Eduardo Carcará, agente da Abin. É claro que esse não é seu nome verdadeiro. Quem diabos tem o sobrenome Carcará? Eduardo escolheu essa porque o símbolo da Abin é a águia carcará. Parecia chique. Ele até fez um crachá, mas não usa mais, depois que descobriu que as mulheres do escritório não ligam pra ele por causa disso. Entre outras coisas.
- Você é muito nerd, Carcará! – Berra um colega seu quando sai mais cedo para participar de um happy-hour com o resto da repartição. Mas Carcará não vai. Ele tem que ficar no computador, numa missão importantíssima... É hoje que ele desvenda os segredos do Reino de Zelda. E com essa chave, ninguém poderá vencê-lo.
A aventura continua!
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Re: TEXTOS PARA REVISÃO #22
Texto: Nano
ENTREVISTA EXCLUSIVA COM THOR, O DEUS DO TROVÃO
Foi muito difícil conseguir um espaço na apertada (uia) agenda do mais novo astro de cinema de Hollywood, que além de ser super-herói, membro dos Vingadores e príncipe de Asgard, é médico nas horas vagas (só não conte isso pra ninguém, é segredo... ops!). Mas Thor Odinson cedeu alguns minutos para responder algumas perguntas da redação insana do Farrazine. Então procurem um lugar seco e protegido e curtam essa tempestuosa entrevista!
FARRAZINE: Oi, Tudo bem? Por qual assunto você gostaria de começar?
THOR: Sobre quaisquer assuntos desde que não sejam sobre as minhas lindas madeixas loiras. Eu já disse para o pai Odin: o cabelo é meu e corto se quiser. E não, não direi qual o condicionador que uso, nem o segredo desse cabelo tão lindo e sedoso...
FARRAZINE: Hã... Notei que você não fala mais complicado como antigamente. O que aconteceu com o “tu, vós” que eram ditos nas histórias antigas?
THOR: Depois que o velho chato do Odin morreu, decidimos que não precisávamos mais ficar de frescura no palavreado, mano. Até porque a maioria dos roteiristas hoje em dia nunca leu nada na vida a não ser gibis, e se atrapalhavam todos na hora de escrever os diálogos...
FARRAZINE: Quais outros hábitos de Asgard mudaram depois que Odin morreu?
THOR: O pessoal tem se divertido bem mais a noite, se é que me entende. Sem a vigilância de um velho que tudo ouve e tudo vê, era o maior constrangimento dar um role com a Sif e a Encantor pelas moitas do reino eterno... Sem contar que ele era contra eu pegar a Jane Foster. Agora to na área novamente, eheh.
FARRAZINE: Melhorou tanto assim sem o Odin? Não tem nem um ponto negativo...?
THOR: O único ponto negativo é o bando de bastardo que tem batido na minha porta pedindo um pedaço da herança... O Balder já descobriu que era também filho do velho, e me levou a coroa, o desgraçado! Pior que segundo a mitologia nórdica Odin tinha uns sete filhos, e se eles se ligarem da sua concepção divina, adeus tesouro real! Aquele caolho velho bem que podia ter aprendido a usar camisinha!
FARRAZINE: Engraçado que o Loki que era o único considerado teu irmão até pouco tempo, nem filho do Odin era de verdade...
THOR: Poisé, não bastasse os bastardos, ainda tem esse peste que o velho adotou só porque matou o pai do pirralho. Mas o pior não é o Loki. O pior são os filhos dele.
FARRAZINE: Loki tem filhos?
THOR: Claro. Na mitologia nórdica Loki é pai de Hela, da serpente de Midgard e do lobo fenris... Eu sou tio dessas criaturas medonhas, já pensou um negócio desses? Uma vez fui passear com o jovem fenris, e as minas da praia disseram que ele era a cara do tio! E desde que eu presenteei a serpente de Midgard com um par de calças, o ingrato quer me matar! Veja que absurdo! Só porque eu não comprei do tamanho dele...
FARRAZINE: Loki é pai de uma serpente e de um lobo???
THOR: Poisé, o tarado transava com qualquer coisa nos velhos tempos... Mas isso não é o pior. Além de ser pai, ele também é mãe.
FARRAZINE: O Loki é mãe???? Como assim?
THOR: Se vocês ignorantes não lessem só os gibis da Marvel, saberiam que na mitologia nórdica Loki é mãe do cavalo Rompe-Tormentas, o corcel de oito patas de Odin.
FARRAZINE: E quem é o pai? Tenho até medo de perguntar...
THOR: Ahah, é muito engraçada essa história. Loki se transformou numa égua, provavelmente pra aprontar alguma contra mim, então veio um cavalo por trás e... ZAP!
FARRAZINE: Kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk.
THOR: kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk.
FARRAZINE: E aqueles chifres que ele usa?
THOR: Deve ser por causa do cavalo... Ninguém nunca mais ouviu falar dele depois disso...
FARRAZINE: kkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
THOR: kkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
FARRAZINE: Não conhecia esse teu lado piadista. Isso é por conta do mulso que está bebendo?
THOR: Poisé, não me deixam beber nos gibis, então aproveito pra encher a cara nas horas de folga. Afinal eu sou um viking, porra!
FARRAZINE: Engraçado você dizer isso, na mitologia viking você era ruivo e usava barba...
THOR: Naquela época eu usava barba mesmo, porque usar barba era coisa de homem. Mas hoje em dia as minas enchem o saco com a barba roçando na cara delas, então tenho andado de cara limpa, embora às vezes tenha uma recaída. Já a cor das minhas madeixas, bom, teve uma época em que era moda usar tintura em Asgard...
FARRAZINE: Muita gente ainda reza pra você depois de todos esses anos?
THOR: Pior que só recentemente voltei a ter fiéis. Nem os gibis tinham conseguido fazer pessoas verem a luz, ou melhor, o trovão da verdadeira religião. Mas meses atrás, finalmente as preces começaram...
FARRAZINE: Sério? E você sabe da onde?
THOR: Claro. Dos estúdios da Disney, o que tem de executivo rezando pra que o filme onde investiram milhões não dê prejuízo não tá no gibi!
FARRAZINE: E aí, como é ser um astro de Hollywood?
THOR: Tive que me segurar pra não rir da roupa do Anthony Hopkins, mas acho que depois desse filme serei finalmente um cara da primeira divisão. Era humilhante que gente como o Blade e o Motoqueiro Fantasma sejam mais famosos do que eu. Eu sou da trindade, porra!
FARRAZINE: Mas a trindade não era o superman, Batman e mulher...
THOR: Da trindade da Marvel, seu burro. Eu e meus amigos, Capitão América e Homem de Ferro.
FARRAZINE: Que já não são tão amigos assim...
THOR: A culpa é daquele bêbado do Tony Stark... Como a maioria dos alcoólatras, ele parou de beber pra fazer merda quando sóbrio...
FARRAZINE: E o que você acha do Capitão?
THOR: Um indivíduo valoroso. É o único mortal que conseguiu erguer o meu martelo.
FARRAZINE: Como é? Ele... O Capitão... Pegou no seu martelo?
THOR: Sim, ele se provou digno.
FARRAZINE: Hu-hum. Entendo... E aposto que ele deixou você lustrar o escudo dele também, em troca, né?
THOR: Não vejo porque eu deveria... eu realmente não consigo entender a linguagem de vocês mortais, mesmo após todos os milênios...
FARRAZINE: Deixa pra lá... eeheheheh... É bom você não entender mesmo... kkkkkkkkk...
THOR: Estarias por acaso tirando sarro da minha cara...?
FARRAZINE: Só porque o capitão ergueu o teu martelo? Não, é claro que não... eeheheh... não, não, estou não, kkkkkkkkkkkk...
THOR: Se tu não parares de rir, juro-te que vai te arrepender...
FAZARRINE: Tu começou a falar complicado de novo... kkkkkkkk... ehehe....
THOR: Eu estou avisando-te!
FARRAZINE: Calma, calma... ehehe... eu vou... ehehehhahahah... eu vou parar... juro... ehheh... ahah.... Não, não pega esse martelo... Martelo... ehehehehe... Não! Não, eu estava brincando! Ai! Ui! Ai!!!!!
Infelizmente a entrevista acabou por aqui, o leitor pode bem imaginar porque! Mas não temas, fiel peregrino! Os intrépidos repórteres deste valoroso alfarrábio continuarão percorrendo a senda do perigo e da aventura para trazer-vos muitas outras matérias épicas como esta!
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Re: TEXTOS PARA REVISÃO #22
Desculpem, mas ainda não me adaptei à nova ortografia.
Até porque a velha ainda vale até o final de 2012, e como o mundo acabará em 2012...
Até porque a velha ainda vale até o final de 2012, e como o mundo acabará em 2012...
Os Escavadores de Florença
Florença, 1434.
Um menino subiu correndo a colina passando ao lado de um enorme buraco. Ao se aproximar de outro buraco mais adiante, ficou desapontado ao encontrá-lo vazio. Então, ao enxergar um terceiro e novo buraco a cuspir terra de seu interior a intervalos regulares, recuperou o ânimo e correu em sua direção.
Ao chegar à borda da grande fenda no solo, o menino se acocorou ao lado de uma pá e uma picareta abandonadas e perguntou — Seu Donatello, o que o senhor está fazendo?
O homem com o corpo emplastrado de lama, sem parar de lançar terra para fora da vala ou, ao menos, olhar na direção de seu interlocutor, resmungou — Um buraco, Antonio. Não está vendo?
O menino observou em silêncio, até que, inconformado, questionou — Por quê?
— Ah, Antonio! Vá perguntar para o Fillipo, que ele é amável, nunca se irrita e ensina com prazer a quem quiser aprender!
Ouvindo a descrição com atenção, o menino se levantou e foi à direção de outro homem que estava também sujo de terra, mas um pouco afastado da borda do buraco, a desenhar — Por quê?
— “Por que” o quê? — indagou o homem surpreso.
— O Seu Donatello — explicou o menino — disse que o senhor nunca se irrita e ensina com prazer a quem quiser aprender.
— Ah, que porcaria! Aquele Donato imbecil! É mentira, eu odeio ensinar! Agora suma daqui, Antonio! — praguejou o homem fora do buraco.
O menino, calmamente, andou até a borda da fenda — Ele falou que é mentira, Seu Donatello.
— Ele só está sendo modesto. — contou o homem dentro do buraco — Ele nunca se gaba ou conta vantagem.
Após ouvir o homem dentro do buraco, o menino voltou até onde estava o homem fora do buraco — Vocês estão procurando tesouros, Seu Brunellesco?
— Não! — respondeu seco o homem fora do buraco.
— Todo mundo na cidade diz que estão. — insistiu o menino.
— Não, não estamos!
Fez-se silêncio por um tempo, então o menino continuou — E acharam algum?
— Algum o quê, Antonio? — o homem deteve seu trabalho irritado.
— Algum tesouro.
— Achamos, sim.
— E vocês gastaram?
— Sim, gastamos. Todo esse trabalho de escavações não é barato!
— E vocês cavaram mais?
— Sim, Antonio, sim!
— E acharam mais tesouros e gastaram para cavar ainda mais?
— É, isso mesmo.
— E vocês não estão procurando tesouros, certo?
O homem fora do buraco largou seus instrumentos de desenho no chão e levantou furioso — Vá lá ver o que o Donato está fazendo, Antonio, e me deixe em paz! — espantando o menino.
O menino voltou até o buraco e se acocorou ao lado das ferramentas observando seu interior — Por que vocês estão cavando, Seu Donatello?
— Ah, meu Deus! Você voltou, Antonio! — reclamou inconformado o homem dentro do buraco — Por causa do Platão, Antonio. Agora pare de me atrapalhar.
Após se levantar, o menino ficou na ponta dos pés e, protegendo os olhos do sol com uma das mãos, observou a região em todas as direções. Como não encontrou o que procurava, correu até o homem fora do buraco afoito — Seu Brunellesco! Seu Brunellesco! Cadê o Platão? Como ele está vestido?
O homem fora do buraco largou seus instrumentos mais uma vez se conformando que aquele não seria um dia produtivo — Ele vestia uma toga, Antonio, mas não deve vestir mais, porque ele está morto.
Primeiro, o menino ficou chocado com a notícia. Depois se sentiu desconfortável e com pena do falecido. Então finalmente entendeu e se sentiu satisfeito — Ah, então vocês estão cavando para enterrar o defunto?
— Não, Antonio. — explicou o homem fora do buraco — Platão foi quem ensinou que a Idéia é perfeita e extramundana, e que aquilo que existe no mundo material é uma cópia imperfeita do que existe no mundo das idéias.
O menino franziu o cenho — E por isso vocês fazem buracos?
— Platão explicou que a pintura e a escultura são tentativas do homem de copiar a existência material, e essa cópia é distorcida. Como a própria existência no mundo material é uma cópia distorcida e imperfeita do conceito existente no mundo das idéias, a pintura e a escultura são cópias distorcidas de cópias distorcidas, e, por isso, erradas.
O menino ficava cada vez mais descrente — E por isso vocês fazem buracos?
O homem fora do buraco tentou mais uma vez — Nós escavamos para encontrar e entender como os antigos da época de Platão e do Império faziam suas esculturas, pinturas e construções para aprender com elas e aproximar nossas obras das desses antigos.
O menino baixou a cabeça e pensou por um tempo. Depois de meditar, voltou-se para o homem para ter certeza de que compreendera tudo — Deixe-me ver se entendi, Seu Brunellesco. O senhor disse que os antigos faziam pinturas e esculturas, que o Platão achava essas pinturas e esculturas erradas, que ele ensinou que eram erradas, que vocês aprenderam com Platão que elas eram erradas e que por isso querem fazer pinturas e esculturas iguais às que se faziam na época do Platão e que ele achava erradas? É por coisas assim que o pessoal da cidade diz que vocês são loucos.
— Não, Antonio! Você não entendeu! É por isso que usamos a perspectiva!
— Que é isso, Seu Brunellesco?
— É dispor bem e com razão das diminuições e aumentos que aparecem aos olhos dos homens nas coisas distantes e próximas.
O menino coçou a cabeça sem entender, e o homem fora do buraco juntou o seu desenho do chão e lhe abriu um pequeno orifício exatamente onde existia marcado o ponto de fuga que utilizara como referência no esboço — Pegue aqui, Antonio. Vire o lado desenhado do papel para mim e olhe através do furo, enquanto eu seguro este espelho na sua frente. Está vendo? Isso é perspectiva!
Admirado ao enxergar a representação de um dos prédios antigos que havia na cidade de forma a lhe quase causar a sensação de estar diante da construção original, o menino disse — Parece que estou olhando o próprio e verdadeiro, Seu Brunellesco!
Finalmente o homem fora do buraco se sentiu satisfeito — Viu, Antonio? Graças à perspectiva, nós podemos fazer belas obras que trarão glória à nossa cidade!
Nesse momento, um guarda chegava ao local — Senhor Donato di Niccolò di Betto Bardi e Senhor Filippo di ser Brunellesco Lapi, eu venho do Palazzo della Signoria para levá-los detidos.
— Nós?! — questionou o homem fora do buraco — Por quê?!
O guarda explicou — Reclamações foram feitas de que ambos estão abrindo incontáveis buracos por toda a cidade, atrapalhando a circulação dos cidadãos e criando desordem. Também há boatos de que o motivo para tais escavações é a busca e pilhagem de tesouros antigos pertencentes à cidade. Assim, o pater patriae Cossimo di Giovanni de’ Medici, O Velho, ordenou a mim que realizasse uma investigação. A propósito, não comentem com ele que o chamei de “O Velho”, por favor.
O menino encarou o guarda com superioridade e lhe explicou como se faz a uma criança — Eles não estão procurando tesouros! Estão fazendo buracos porque um homem chamado Platão que morreu de toga disse que pintar é errado quando não se tem idéia, mas que fica certo se você olhar por um furo no papel que se chama perspectiva, e isso traz glória para a cidade.
O guarda ficou admirado — Como você sabe de tudo isso, menino Manetti?
— O Seu Brunellesco me ensinou. Ele ensina com prazer quem quiser aprender.
— Não, não ensino! — protestou o homem fora do buraco.
— E nunca se gaba. — completou o menino.
Após inspecionar o local, o guarda concluiu — Não entendi muito bem, mas já que o que estão fazendo é pelo bem e glória da cidade, não vejo problemas.
Então todos estranharam quando o grande buraco parou de expelir terra, e o homem em seu interior gritou — Encontrei algo!
Os três que estavam no nível do solo se aproximaram para olhar para dentro da cratera, e o companheiro do homem dentro do buraco perguntou — O que é, Donato? O que você encontrou?
— Ah, porcaria! — praguejou o homem dentro do buraco — Uma pilha de ouro da época do Império!
Enquanto o guarda levava os dois homens para a cadeia, o menino pensou — Como é astuto e razoável esse Seu Brunellesco!
Re: TEXTOS PARA REVISÃO #22
Mais um direto do forno:
Prepare-se, fiel leitor, para a mais ideal aventura já narrada!
Giorgio Vasari apresenta:
A Liga dos Super-Heróis Renascentistas
Uma luxuosa carruagem parou diante da entrada do palácio de Florença sob as estrelas do céu noturno, e dela desembarcou um musculoso homem de expressões indomáveis. Ele caminhou até o grande portão, onde foi detido pelos guardas.
— Deixai-me passar, ou vos esmagarei! — bradou para as sentinelas, cujas armaduras tilintavam ao tremer de seus joelhos intimidados à poderosa fúria do homem que os encarava de cima — Abri o portão, pois o Senhor de’ Medici me convocou, e uma terrível sina aguarda aquele que se colocar entre o caminho de Michelangelo!
Rapidamente um diplomata a serviço do palácio chegou ao local e, após se desculpar, conduziu o Poderoso Michelangelo até uma câmara interna. Após adentrar, Michelangelo se viu diante de um grupo seleto que confabulava ao redor de uma mesa composto de Fillipo Brunellesco, Donatello e o jovem Rafael Sanzio. Próximo à cabeceira, como um cão de guarda, estava em pé um homem trajando um longo manto e com a cabeça coberta por um capuz que lhe ocultava a face. Ao lado desse homem misterioso, o assento principal era ocupado por Leonardo da Vinci.
— Ah, és tu! — gritou Michelangelo aproximando-se do conselho — Por que convocas Michelangelo? Fala antes que arranque tua cabeça, pois sou um homem ocupado e não tenho tempo a perder!
Leonardo olhou o imenso e furioso homem com indiferença — Sempre o mesmo selvagem. Não sabe quando deixar a força bruta de lado e valer-se do intelecto. Mas o que esperar de um homem que desperdiça seu tempo festejando na imundice de suor e poeira de mármore?
Michelangelo avançou possesso, mas Rafael Sanzio se colocou entre os dois o detendo — Santos conflitos desnecessários! Michelangelo, Leonardo, vós sois a inspiração deste grupo. Foram vós que me destes o exemplo e me fizestes querer ser um herói. Este é o momento de encerrarmos nossas diferenças e nos unir por uma causa maior.
O poderoso herói conteve sua cólera e desviou o olhar de seu desafeto. Mas, ao mover a cabeça, por um instante pôde vislumbrar os olhos imersos nas sombras do homem de capuz, e neles viu algo indizível que o desconcertou e o fez esquecer completamente as desavenças.
— Cavalheiros — disse Leonardo ao se levantar e caminhar até um tríptico fechado ao fundo da sala com a face externa coberta pela pintura da cena da crucificação de Jesus — vós fostes reunidos aqui por uma delicada situação em que todos nos encontramos neste momento. Há cinco dias, um vil espião furtou da sala do tesouro de Sua Santidade um item de extremo valor — e apontou para o ramo de ervas que circundava a cabeça da figura central na pintura — um espinho da coroa de Nosso Senhor adquirido durante as Cruzadas. Como todos sabem, tal artefato possui um poder que, em mãos erradas, pode provocar conseqüências terríveis. O serviço de inteligência do Palazzo della Signoria rastreou o espião e localizou o item. — explicou enquanto abria o tríptico exibindo o mapa da Europa que decorava seu interior e indicando uma região ao norte do mundo civilizado — Nossa missão é ir até a Floresta de Germa, recuperar o espinho e capturar o responsável por trás dessa trama.
— Sacro Império. — corrigiu Michelangelo.
— Como?
— Esse lugar que estás indicando é o Sacro Império.
Donatello se manifestou — Não é a Neerlândia?
— Eu poderia jurar que é Flandres. — acrescentou Brunellesco.
— Santos equívocos cartográficos! — exclamou Rafael — Eu ouvi algo sobre essa região ser chamada de Prússia.
— Tanto faz. — esclareceu Leonardo — O Norte é todo igual: uma região fria habitada por bárbaros armados com machados que vivem entre as árvores e praticam bruxarias em nome de um deus pagão caolho.
Quanto a essa afirmação, todos acordaram de maneira unânime, e os preparativos para a jornada foram tomados.
Leonardo distribuiu vestimentas especiais a todos e alertou — Este tecido foi desenvolvido por mim a partir de pêlo de carneiro. Jamais o dispais enquanto estiverdes no Norte, pois ele será vossa única proteção contra o frio, e, como sabeis, contra a perda total da razão e fomentação da selvageria que ele provoca.
Donatello recusou o traje — Bah! Eu não preciso disso. Graças a longas jornadas de escavações, meu corpo adquiriu resistência sobre-humana que me imunizará a tais malefícios!
Uma vez preparados, o grupo se dirigiu a um pátio aberto anexo ao palácio, onde uma complexa máquina os aguardava.
— Santas engenhosidades! — exclamou Rafael — O que é esse dispositivo que nos aguarda?
— Um de meus inventos. — contou Leonardo — Vamos, cada um de vós deveis tomar um dos assentos e mover os pedais com toda vossa disposição.
A máquina foi ocupada por Leonardo, Michelangelo, Rafael, Brunellesco, Donatello e o homem misterioso e, conforme deslocavam suas correias e eixos com o movimento de seus pés, um grande mastro vertical pôs-se a rotar, e, com ele, o tecido que o circundava formando uma helicoidal. Também se moviam uma série de asas, projetadas com forma similar às de um morcego, ascendendo e descendendo alternadamente. Logo, o engenho ganhava os céus e partia rumo ao perigoso Norte.
Algumas horas depois, os seis homens ocultavam seu veículo em uma escura floresta gelada e iniciavam sua marcha, que só se deteve quando alcançaram uma sinistra construção. O prédio era muito alto compondo-se de linhas verticais que pareciam querer tocar o céu. Suas paredes estavam repletas de imensas janelas, e, acima do portão principal, havia um grande orifício circular vedado por muitos pequenos pedaços de vidro colorido.
— Que blasfêmia é essa?! Que horror! — Brunellesco deixou escapar em lástima ao virar o rosto enojado diante de uma forma tão medonha que jamais imaginara que as pedras criadas por Deus pudessem assumir — Não há domo! Nem ao menos algumas colunas dóricas!
Era difícil distinguir se a expressão no rosto de Michelangelo refletia ira ou desapontamento — E as paredes… Nenhum afresco há nelas.
— E é tão frágil que fora necessário rodear suas paredes externas com arcos de sustentação! — acrescentou Donatello.
— Calma, meus colegas. Evitemos pensar em tal abominação e concentremos em nossa missão. — acalmou-os Leonardo — Não podemos entrar pelo portão principal sem sermos detectados. Melhor passarmos através da muralha lateral.
— Santos apuros! — questionou Rafael — Como passaremos pelo muro?
— Deixai que eu resolva isso, amigos! — exibiu-se Donatello ao erguer sua pá.
Menos de uma hora depois, Donatello havia escavado um túnel sob a muralha e não apresentava sinal algum de fadiga. Os seis heróis agora adentravam a fortaleza inimiga.
— Lá! — apontou Leonardo em direção a uma torre — É ali que se encontra a relíquia que procuramos. Se uma corda for pendida naquele pequeno orifício no alto, eu posso nos erguer até lá.
— Santas verticalidades extremas! De que forma a corda chegará até lá? — perguntou Rafael.
— É simples. — disse Brunellesco assumindo a dianteira. Desenrolou uma folha de papel que trazia em um dos bolsos e, empunhando seu material de desenho, tratou de riscá-la. Em átimos, concluiu um esboço impecável da torre, cuja perspectiva era tão bem trabalhada que, lado a lado, verdadeira e desenho, difícil era identificar qual era qual.
Então Donatello e o homem misterioso ergueram o papel diante de Brunellesco, cada um segurando uma de suas extremidades, e o esboço pareceu desaparecer ao se encaixar perfeitamente à paisagem. Brunellesco então, munido de seu arco, retesou uma flecha e tocou a ponta da seta na folha exatamente onde o orifício indicado por Leonardo se localizava.
Ao ser liberada, a flecha atravessou o papel e subiu se incrustando exatamente na fenda na parede da torre e conduzindo até o alto a corda fixada à sua parte traseira.
De seu cinto, Leonardo retirou seis pequenos sistemas de roldanas que, após serem distribuídos entre a equipe, os conduziu sem esforço até o cume do castelo. Uma vez lá em cima, o grupo entrou pela enorme janela e se viu diante de um corredor. Logo à frente estavam as portas de um salão.
— Está lá dentro. — afirmou Leonardo.
Donatello avançou com a intenção de abrir as portas, mas acabou frustrado — Há um enorme cadeado aqui.
— Eu posso abri-lo, mas precisarei de tempo. — disse Leonardo procurando por algum apetrecho em seu cinto.
Michelangelo avançou — Afastai-vos! Nada pode deter o Poderoso Michelangelo! — e esmagou a tranca com seus incomparáveis músculos.
Leonardo pensou em censurar seu aliado por mais uma vez preferir a brutalidade ao invés do intelecto, mas concluir a sua missão era mais importante do que doutrinar um tolo incapaz de aprender.
Passando pelo portão, os seis heróis alcançaram uma grotesca sala do trono desabitada, cujo teto fora removido, e o céu azul podia ser vislumbrado de seu interior. Bem no centro do salão estava uma gigantesca máquina que tinha como componente principal um monumental cilindro vertical apoiado por incontáveis arcos. Era tão hediondo quanto a arquitetura daquele enojante edifício, se é que aquilo podia ser chamado de arquitetura.
— Isso é o que estou pensando? — Brunellesco se dirigiu a Leonardo.
— Sim. É o maior canhão já construído. Apenas um homem poderia conceber tal abominação. A maior mente maligna de todo o Norte.
— Sim, Leonardo! Mas erraste em uma coisa — falou o homem que saiu de trás do trono com uma pele e olhos tão claros que provocavam náuseas a quem o observasse — Não apenas a maior mente do Norte, mas de toda a Europa pertence a Albrecht Dürer!
Antes que pudessem reagir, o bárbaro maligno acionou uma alavanca, e uma grande jaula desceu do alto prendendo os seis heróis.
O selvagem os observava com uma satisfação possível apenas àqueles que abandonaram a razão e se entregaram à selvageria e bestialidade — Não adianta tentares escapar. Essas grades foram criadas usando técnicas de ourivesaria tão superiores que nem mesmo teus dispositivos ou a força de Michelangelo podem superar.
— Cão selvagem do Norte! O que pretendes?! — berrou Michelangelo.
O bárbaro se mostrou ainda mais satisfeito — Bruto imbecil. Ainda não percebeste? Eu roubei a relíquia sagrada, pois ela é uma enorme fonte de poder. Com essa força, energizarei meu canhão que disparará rumo ao céu uma bala forjada com o ouro retirado da estátua de Zeus de Olímpia de Fídias. O projétil ascenderá até o firmamento, trespassando as nove esferas de cristal e atingindo o Mundo das Idéias, obliterando completamente o Logus. Como toda a arte concebida na Península Itálica é inspirada pela beleza e perfeição do Mundo das Idéias, ela deixará de existir. Uma vez que a arte bárbara do Norte não segue qualquer regra, deseja apenas a feiúra, invoca a imperfeição mundana e glorifica nada além do caos, ela permanecerá intacta e dominará o espírito de todos os homens da Europa incitando-os à selvageria e a barbárie.
Leonardo parecia calmo — Dürer, não percebes que, se destruíres as nove esferas de cristal, todos os astros do cosmo que orbitam ao redor da Terra despencarão esmagando completamente este mundo?
Replicou o bárbaro — Esse é um custo aceitável, tamanho é o desprezo que o Norte sente pela Ordem que abençoa apenas os italianos na sua condição de únicos e verdadeiros herdeiros do Império Romano e de toda a sabedoria dos clássicos.
— Então vejo que não tenho alternativa. — Leonardo desviou os olhos na direção de seu companheiro incógnito — Chegou a tua vez de agir, velho amigo.
O manto foi lançado ao chão, e, a exceção de Leonardo, os demais homens dentro da jaula jogaram seus corpos contra a grade como que desesperados para afastarem-se de seu companheiro até então misterioso.
Até um selvagem pode temer quando encontra algo mais monstruoso que ele próprio, e foi isso que o bárbaro sentiu ao recuar alguns passos — Este homem… P… Paolo Uccello!!! Ele pinta campos com a cor azul, cidades com a cor vermelha e prédios com cores variadas de acordo com sua vontade! É completamente louco! Leonardo, percebes que libertaste uma insanidade que está além de teu controle?! Acabas de provocar o fim de todos aqui, inclusive o teu!
A alegria no sorriso de Uccello era incoerente à demência que habitava seus olhos — Vinde a mim, meus amigos! Vinde a mim, meu exército de bestas!
Ao clamor, os vidros coloridos que cobriam as grandes janelas estouraram à passagem de uma macabra matilha composta de cães, lobos, chacais e raposas, liderada por uma hiena, com uma cicatriz que cruzava seu olho direito vazado, acompanhada de uma grande serpente enroscada em seu pescoço. Súbito, uma das paredes do salão caiu diante da impassível marcha de um elefante africano, e um grande bando de beija-flores azuis desceu pelo orifício no teto carregando com seus delicados pés um tigre de pelagem branca que parecia levitar entre a nuvem azul composta de pássaros.
Leonardo triunfou — Estás acabado, Dürer. Devolve a relíquia e te entrega, e talvez eu possa deter Paolo.
— A Fortuna ainda não escolheu o vencedor. Acaso acreditaste que eu estaria despreparado? — declarou o bárbaro em tom de superioridade ao erguer do manto que trajava um esverdeado pedaço de laticínio.
— NÃO!!! Queijo, a única coisa que pode me destruir!!! — berrou Uccello antes de cair de joelhos comprimindo a cabeça com as mãos como se quisesse deter um antigo e perigoso mal ali aprisionado há eras, enquanto as feras que invocara desapareciam no ar como se não tivessem passado de um sonho.
Albrecht Dürer, o gênio maligno do Norte, subjugou Paollo Uccello, o mais insano e poderoso de todos os heróis. Poderão Leonardo, Michelangelo e seus companheiros impedir o disparo da arma projetada para destruir o Logus e lançar as trevas da barbárie nórdica sobre toda a Criação? Caro renascenauta, não perca a próxima aventura de A LIGA DOS SUPER-HERÓIS RENASCENTISTAS!
Última edição por Hiro em Sáb maio 21, 2011 1:58 am, editado 1 vez(es)
Re: TEXTOS PARA REVISÃO #22
Valeu, Nano!
Eu ando estudando historiografia e trabalhando com fontes primárias - textos escritos por artistas ou pessoas que os conheceram -, daí têm me vindo umas idéias meio bizarras que acabaram resultando nesses textos.
Eu ando estudando historiografia e trabalhando com fontes primárias - textos escritos por artistas ou pessoas que os conheceram -, daí têm me vindo umas idéias meio bizarras que acabaram resultando nesses textos.
Re: TEXTOS PARA REVISÃO #22
Bom, eu terminei um daqueles textos que prometi, mas ficou meio... gigante.
Kio, sinta-se à vontade para editar, cortar ou censurar na medida do necessário.
Como abusei neste e tive a epifania da Liga Renascentista inesperadamente, deixarei o texto sobre Ranascimento/Barroco para a próxima edição, para não levar os leitores a uma overdose de Renascimento.
Kio, sinta-se à vontade para editar, cortar ou censurar na medida do necessário.
Como abusei neste e tive a epifania da Liga Renascentista inesperadamente, deixarei o texto sobre Ranascimento/Barroco para a próxima edição, para não levar os leitores a uma overdose de Renascimento.
Rolando Imortal
Era uma vez Hruodland, ou Roland… talvez ainda Orlando. Independente do nome como é conhecido, ele foi um homem que será lembrado, mesmo que não saibam que é dele que se lembram. Quando penso nele, fico imaginando se um dia passou pela sua cabeça de homem do século VIII que um dia seria um dos grandes heróis da civilização ocidental. Certo, ele não entrou para as lendas como o homem que exatamente foi, mas não é disso que se tratam os mitos, transformar homens em ideais que significam mais do que eles foram como pessoas e que inspiram as gerações que vierem depois?
Conforme relatam os historiadores, em 15 de agosto de 778, os exércitos de Carlos Magno, rei dos francos, liderados pelo Prefeito das Marcas da Bretanha chamado Hruodland, foram derrotados pelos bascos enquanto abandonavam a Península Ibérica no conflito que se tornou conhecido como A Batalha de Roncesvales. Foi exatamente nessa derrota que nosso cavaleiro medieval deixou este mundo e entrou para o panteão de heróis celebrados pelos bardos até hoje.
A Canção de Rolando
A Canção de Rolando (La Chanson de Roland) é uma canção de gesta escrita em um idioma românico em que é narrada tal batalha, bem como os eventos que a antecederam e suas conseqüências imediatas. Possui sua versão mais antiga, datada de entre 1130 e 1170, escrita pela figura do bardo misterioso conhecido apenas como Turold. Tornou-se uma das mais importantes narrativas medievais, influenciando a poesia/canção da época e valendo-se com uma das legitimações da unidade cultural francesa e européia.
A narrativa se inicia com Carlos Magno e seu exército sitiando a cidade de Saragoça que estava sob comando de Marsílio, rei mulçumano sarraceno. Depois de sete anos de cerco, um dos generais de Marsílio de nome Blancandrino sugere uma nova estratégia ao seu rei. Blancandrino diz a Marsílio que envie tributos, reféns e uma promessa a Carlos em troca da paz: que ele iria em pessoa até a capital de Carlos Magno e lá se converteria ao cristianismo assim permanecendo com posse da metade das terras da Espanha, mas jurando vassalagem a Carlos Magno, sendo tal promessa apenas um engodo para fazer os cristãos recuarem e dar tempo a Marsílio que não pretendia cumpri-la.
Ao receber a proposta, Carlos Magno reúne em conselho seus principais cavaleiros e aliados, incluindo aqueles a quem chama de os Doze Pares. Nesse concilio fica decidido aceitar a proposta de Marsílio, mas um dos homens de Carlos deve ir até Saragoça para confirmar o trato. O sobrinho de Carlos Magno, Rolando, bem como outros se oferecem para tal missão — que possivelmente era suicida, pois os cavaleiros que foram anteriormente enviados a ter uma audiência com Marsílio não voltaram —, mas o Imperador se nega a abrir mão dos serviços de seus estimados Doze Pares. Então Rolando sugere que seja enviado seu padrasto Ganelão, e tal sugestão é acatada. Ganelão já possuía ressentimentos em relação a Rolando, e aceita a missão, mas não sem antes jurar vingança ao predileto do Imperador.
Durante a viagem até Saragoça, Blancandrino percebe o ódio de Ganelão por Rolando, e ao chegarem ao Rei Marsílio, os três armam um acordo. Enquanto Carlos Magno conduzisse suas tropas de volta à França, Marsílio enviaria um poderoso exército para obliterar as tropas de retaguarda. O papel de Ganelão seria se certificar de que Rolando estaria nesta retaguarda. Com a morte de Rolando, Ganelão teria satisfeita sua vingança, e Marsílio acreditava que destruiria a confiança do exército francês e de Carlos, pois a dor de perder seu herói os faria perder a vontade de lutar.
O plano de Marsílio e seus aliados é executado com sucesso, mas na retaguarda ficam Rolando, seu amigo Olivier, o Bispo Turpin e todos os Doze Pares da França. Marsílio envia um gigantesco exército liderado por doze notáveis cavaleiros, incluindo seu próprio filho. Então se segue uma detalhada cena de combate, em que cada um dos notáveis sarracenos é descrito como com grande poder, mas mesmo assim são brutalmente derrotados por um único golpe dos Doze Pares, mostrando a superioridade destes em poder. Tamanho é o ataque, que os franceses acabam perecendo, mas não sem antes derrubar uma quantidade infindável de inimigos. Ao final, quando resta apenas Rolando, ele resiste exageradamente antes de morrer, caindo desfalecido e se pondo em pé novamente por muitas vezes.
Quando descobre a traição ao ouvir o tocar da corneta da Rolando a pedir auxílio, Carlos volta com seu exército apenas para encontrar seus amados cavaleiros mortos. Então o Imperador Cristão vai até Saragoça, onde combate o Rei Marsílio — destroçado após perder o filho e sua mão diante do poder do falecido Rolando — e um gigantesco exército liderado por Beligante, o Emir da Babilônia que veio em auxílio de Marsílio trazendo todos os seus notáveis cavaleiros. Após o confronto final em que os cristãos saem vencedores e destroem totalmente as forças inimigas, Ganelão é levado prisioneiro à França e julgado.
A narrativa tem como ato final a batalha entre Pinabel — que defende Ganelão alegando que ele apenas se vingara de Rolando por justo motivo, e não traíra ao Imperador — e Thierry — um minguado cavaleiro francês que é único a ter coragem de desafiar Pinabel. Com a vitória de Thierry, Ganelão e seus parentes, que ofereceram suas vidas em garantia, são executados.
Alguns pontos da narrativa valem ser destacados. Primeiro é a distorção do contexto histórico. A Batalha de Roncesvales histórica teve como centro o confronto dos exércitos francos contra tribos européias não cristãs que se negaram a se submeter ao Rei Carlos Magno. Após mais de trezentos anos de tradição oral da narrativa, quando ela finalmente foi escrita, a Europa estava combatendo os muçulmanos nas Cruzadas e também na Península Ibérica. Assim os inimigos de Carlos — que representava o Cristianismo e a Unidade Européia — foram substituídos por muçulmanos que se opunham a tal unidade cristã, pois eram eles que naquele tempo eram vistos como uma ameaça alienígena à cultura da Europa.
Também fica clara a idealização de Carlos Magno e de seus Doze Pares, bem, como de toda a Cristandade em oposição aos pagãos. Por mais que os inimigos sejam descritos como poderosos ou valorosos, sempre existe um “porém” que os limita, às vezes explicitamente, por não serem cristãos. Dessa forma, todo o poder de um guerreiro de elite valoroso muçulmano se mostra inútil contra um cavaleiro cristão, e ele é facilmente derrotado por um único golpe que literalmente o parte ao meio junto com seu cavalo.
Carlos Magno também é idealizado, sendo mostrado como um homem sábio de mais de duzentos anos que é conduzido diretamente por Deus por intermédio de anjos que lhe falam em sonhos ou pela entrega de armas mágicas invencíveis, assim tendo como justificativa para todos os seus atos o cumprimento de uma vontade divina. Carlos — que na época dos acontecimentos ainda era rei, mas aqui já tratado como Imperador — é um soberano justo, como mostrado ao permitir que Bramimunda, rainha de Saragoça, fosse até a França e se convertesse ao cristianismo por livre vontade, e também ao dar a Ganelão, apesar de todos os seus atos de traição, a oportunidade de se defender em um julgamento justo. No final da história, Gabriel surge a dá a Carlos uma nova missão, demonstrando mais uma vez a posição do Imperador como um servo a serviço de Deus, que mesmo cansado não deixa de cumprir a tarefa dada por seu suserano divino. Talvez aí uma forma de reforçar os valores de obediência presente nos pactos de suserania e vassalagem que sustentavam as estruturas sociais da época.
Os inimigos são representados claramente por alguém que não possuía — ou não desejava possuir — conhecimento sobre sua cultura “estranha”. Apesar de serem mulçumanos, aparecem orando a divindades politeístas como um Maomé divino por si próprio, um Apolino helenístico e a figura de Tervagant. Também existem feiticeiros e bruxos entre as tropas de Marsílio. Além disso, tais sarracenos são chamados quase que em todas as citações de “pagãos”, não só pelos cristãos, como se invocam a si próprios e a seus aliados com frases como “Sigam-me pagãos!”.
Durante toda a narração, a terra de Carlos é tratada por “Doce França”, mostrando-a como um lugar único e especial, sendo até mesmo os “pagãos” a lhe chamar por tal expressão com reverência, e nunca com desprezo. Também fica clara a manifestação na crença no Direito Divino, pois Carlos Magno insiste em alegar que vencerá os conflitos militares nos qual toma parte porque “está Certo”. E como prega a crença no Direito Divino, tudo o que acontece no mundo é vontade de um Deus onipotente da qual à vontade não se pode opor, e este Deus é bom e justo e sempre apóia os justos. Assim, aquele que for justo terá o favor de Deus e sempre vencerá o injusto. Isso fica evidente ao final do texto quando Thierry, um cavaleiro pequeno e mirrado, se opõe ao poderoso Pinebal e, ao ser atingido na cabeça, sofre apenas um leve ferimento superficial e derrota seu oponente. Como Thierry estava a defender o justo, foi favorecido militarmente por Deus, sua vitória era imperativa e não possível de oposição.
INFLUÊNCIAS EM OUTRAS OBRAS DE A CANÇÃO DE ROLANDO:
Orlando Enamorado
A história de Roland é retomada por Matteo Maria Boiardo (1441-1494). Com a queda do Império Bizantino, boa parte de seus habitantes procurou refúgio na Europa Ocidental, levando consigo algo que os cristãos do ocidente haviam perdido durante a Idade Média: os textos originais dos povos da Grécia clássica. A redescoberta da cultura e filosofia grega — tendo como seu principal ideal a filosofia platônica — pelos povos do oeste europeu a partir do final do século XIII e o culto a esta cultura como uma forma de recuperar a sabedoria perdida dos antigos resultou no movimento conhecido como Ranascentismo. Boiardo, convivendo e sendo influenciado pelo ideal neoclássico, decidiu-se a reescrever a história de Roland, mas não como se faria dentro da cultura medieval, que era vista como feia e selvagem à época, e sim dentro dos cânones formais e ideais elaborados pelos seguidores do movimento renascentista.
Pelas mãos de Boiardo, Roland reviveu como Orlando no poema intitulado Orlando Enamorado (Orlando Innamorato) em 1476 (publicado em 1495). Nessa versão, além de Orlando ser um dos paladinos a serviço de Carlos Magno, o foco da narrativa dá-se em torno de seu amor por Angélica, filha do rei oriental de Cataio cuja mão seria oferecida como prêmio ao vencedor de um torneio de lutas que derrotasse seu irmão, Argalia, em combate. Cristãos e pagãos participam das batalhas pela mão de Angélica. Após seu irmão ser morto pelo pagão Ferrabrás, a princesa foge rumo à Floresta de Ardenne, e é perseguida pelos cavaleiros que a disputavam, incluindo Orlando e seu primo Reinaldo. Angélica acaba bebendo de uma fonte mágica do amor e se apaixona por Reinaldo, mas ele bebe da fonte do ódio, e se torna agressivo. Após Reinaldo ser aprisionado em uma ilha a pedido de Angélica pelo mago Malagigi, ela é capturada pelo rei oriental Agripane. Orlando vai até o oriente, derrota Agripane e confronta seu primo insano. Então surge o rei sarraceno Agramante que, com seu exército, sitia Paris como vingança pela morte de seu pai nas mãos Orlando. Reinaldo, Angélica e Orlando retornam à França e, no caminho, Angélica e Reinaldo novamente bebem das fontes mágicas, mas dessa vez da forma inversa à anterior. Orlando e Reinaldo decidem por duelar pelo amor de Angélica, mas o rei Carlos Magno prefere entregar a mão da donzela àquele que derrotasse Agramante. Paralelamente, Bradamante, irmã de Reinaldo que permaneceu na França, se apaixona pelo cavaleiro Rogério.
Infelizmente o poema jamais fora concluído por Boiardo, pois a Península Itálica foi invadida pelos exércitos do rei francês Carlos VIII, e Boiardo veio a falecer.
Orlando Furioso
Em 1502, Ludovico Ariosto (1474-1533) decide-se a continuar a história de Orlando em seu Orlando Furioso (publicado pela primeira vez em 1516 e tendo sua versão definitiva de 1532) valendo-se de métodos tragicômicos e da cultura da contradição e focando-se no conflito entre cristãos e mouros. Ariosto tinha como mecenas os nobres Hipólito e Afonso d’Este, descendentes de Ruggero e Bradamante. Em sua história, Orlando vaga pela Europa em busca de Angélica passando por uma série de aventuras, combates e eventos fantásticos. Quando finalmente encontra sua amada, percebe que seu sentimento não é retribuído e enlouquece tornando-se uma figura violenta e devastadora. O herói só volta ao seu estado normal após Astolfo, um cavaleiro inglês, viajar até a lua montado em seu hipogrifo para de lá trazer o juízo de Orlando perdido. Além da trama principal envolvendo Orlando, Angélica e o cavaleiro de origem mulçumana convertido ao cristianismo Ruggero, a versão final do poema inclui centenas de personagens coadjuvantes, nos quais Ariosto explora vários aspectos das emoções humanas e cria complexas redes de profundidade psicológica até então não vistas nas narrativas de Roland, mesmo sem tratar de assuntos políticos ou religiosos. Na verdade, a obra de Ariosto está impregnada de um pessimismo que reconhece seu tempo como o fim de algo bom que se extingue e ruma à decadência.
Orlando Furioso ainda inspirou adaptações para as óperas Orlando Paladino — realizada por Joseph Haydn (1732-1809) —, Orlando Furioso — de Antonio Vivaldi (1678-1741) — e Alcina, Ariodante e Orlando — de Georg Friedrich Händel (1685-1759).
Childe Roland à Torre Negra chegou
O escritor inglês Robert Browning (1812-1889) escreveu em 1855 o poema Childe Roland à Torre Negra chegou (Childe Roland to The Dark Tower Came). Esse poema trata da jornada de um cavaleiro de nome Roland em busca de uma Torre Negra. Durante os versos da narrativa, Roland caminha sozinho rumo à sua missão, adentrando um território cada vez mais doente e estéril onde a caminhada se torna a cada passo mais difícil e sofrível. Durante a jornada, Roland relembra todos os outros cavaleiros seus amigos com quem ele faltou ao perdê-los pelo caminho. O cavaleiro revela ter possuído esperança de atingir seu objetivo no início, mas depois entende que não há esperança, pois não busca de fato um objetivo, e sim trava a busca por uma busca, sendo que o único final possível para quem trilha tal caminho é ser destruído pela própria jornada. Ao final, a única “Torre Negra”, a única tarefa que executa, como os demais cavaleiros a se empenharem em tal demanda, é morrer por ela.
O poema de Browning reflete a ânsia de glória do Rolando da canção original. Como o cavaleiro carolíngio, este Rolando inicia uma jornada em busca de vitória e sucesso militar que só pode alcançar ao cumprir sua missão — o que na Idade Média corresponderia a ser fiel e defender os interesses de seu suserano —, mas esta é uma missão vazia, que só leva a mais uma missão e a mais outra. À busca segue-se sempre outra busca que, ao passar do tempo, acaba destruindo as ilusões românticas que o próprio cavaleiro tem da busca, e atinge seu auge de desilusão quando o cavaleiro morre, como todos os outros cavaleiros, sem ter alcançado nenhuma realização além de buscar pela realização.
O Senhor dos Anéis
J. R. R. Tolkien (1892-1973), ao criar sua mitologia própria em O Senhor dos Anéis (The Lord of The Rings), inspira um de seus personagens, Boromir, em Rolando. Boromir é o mais importante cavaleiro de sua terra, Gondor, e quem comanda seus exércitos para a vitória, mas que age de maneira temerária e sempre disposto ao combate. Ao seu final, Boromir fica cuidando da retaguarda de sua comitiva, quando ela é atacada, e morre depois de muito lutar sendo alvo de muitos golpes e flechas. Antes de cair, Boromir toca sua corneta convocando Aragorn — a figura do grande e justo rei — e seus aliados, e quando estes o encontram, está morto com a espada em uma das mãos e a corneta quebrada na outra cercado de vários cadáveres de seus inimigos em uma cena muito parecida e com a mesma simbologia da em que Carlos Magno encontra o corpo de Rolando. Boromir também é o cavaleiro virtuoso obcecado pela glória e por satisfazer os interesses de seu povo e de seu suserano — representação aqui dividida nas figuras de Aragorn, seu rei legítimo, e Denethor, seu pai e regente — e se destrói por isso.
A Torre Negra
Em A Torre Negra (The Dark Tower), Stephen King (1948- ) conta a história de Roland, um cavaleiro obcecado em cumprir seu objetivo ao ponto de sacrificar tudo para isso, até mesmo a si próprio, como o Rolando carolíngio. Em um mundo corrompido e em degradação, Roland é o último de uma linhagem perdida de cavaleiros românticos que servia a um grande imperador que no passado unificara e civilizara o mundo. Esse imperador, chamado Arthur Eld — alto, sábio e com uma longa barba branca, trajando uma armadura reluzente, com uma espada mágica em uma das mãos e um revólver na outra —, que inspira Roland é claramente uma representação de Carlos Magno. A inovação aqui é a referência às armas de fogo como se estas fossem símbolos do Romantismo, pois esses cavaleiros idealizados são os últimos homens a seguirem os antigos ideais heróicos de cavalaria e a dominarem a tecnologia da pólvora.
Referências
ARIOSTO, Ludovico. Orlando Furioso.
BOIARDO, Matteo Maria. Orlando Enamorado.
BROWNING, Robert. Childe Roland à Torre Negra chegou. Tradução de MORAIS, Fabiano. Rio de Janeiro: Objetiva.
Clássicos da Literatura Disney Vol. 10: Cruzadas. São Paulo: Editora Abril, 2010.
KING, Stephen. A Torre Negra Vol. I: O Pistoleiro. Rio de Janeiro: Objetiva, 2004.
KING, Stephen. A Torre Negra Vol. II: A Escolha dos Três. Rio de Janeiro: Objetiva, 2004.
KING, Stephen. A Torre Negra Vol. III: As Terras Devastadas. Rio de Janeiro: Objetiva, 2005.
KING, Stephen. A Torre Negra Vol. IV: Mago e Vidro. Rio de Janeiro: Objetiva, 2005.
KING, Stephen. A Torre Negra Vol. V: Lobos de Calla. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007.
KING, Stephen. A Torre Negra Vol. VI: Canção de Susannah. Rio de Janeiro: Objetiva, 2006.
KING, Stephen. A Torre Negra Vol. VII: A Torre Negra. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007.
TOLKIEN, John Ronald Reuel. O Senhor dos Anéis Vol. I: A Sociedade do Anel. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
TOLKIEN, John Ronald Reuel. O Senhor dos Anéis Vol. II: As Duas Torres. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
TOLKIEN, John Ronald Reuel. O Senhor dos Anéis Vol. III: O Retorno do Rei. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
TUROLD. A Canção de Rolando. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
Re: TEXTOS PARA REVISÃO #22
Hiro, cortar ou censurar está fora de cogitação, ok?
Preciso de algumas confirmações na paginação para analisar se usaremos no # 22, mas a publicação será feita sem cortes.
No máximo, podemos pensar em dividir em duas partes.
Preciso de algumas confirmações na paginação para analisar se usaremos no # 22, mas a publicação será feita sem cortes.
No máximo, podemos pensar em dividir em duas partes.
Kio- Editor aposentado
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Re: TEXTOS PARA REVISÃO #22
Aulas de Roteiro – Parte 2
Para não perdermos caracteres, vamos ao que interessa...
5 – O Complexo de Stan Lee...
Chegamos agora em um dos pontos mais complicados, os tais “complexos”. Chamo de Complexo de Stan Lee a todos os roteiristas que desenvolvem mais quantidade do que qualidade. Todos concordam que Stan Lee foi um gênio criativo e se ainda duvida basta ver a diversidade de suas criações que compõem hoje toda a base do universo Marvel. Dentre eles temos Hulk, Homem-Aranha, X-men, Dr. Estranho, Quarteto Fantástico, etc... Dei o nome deste Complexo a Stan Lee justamente por causa disto. Em contrapartida ao gênio criativo, podemos enganar a nós mesmos, nos acharmos o “novo Stan Lee” porque nossa mente está fulminando ideias e queremos colocar todas elas em prática! Cuidado, muito cuidado. Você pode produzir muito, mas uma única obra produzida com alguém focado e dedicado pode valer muito mais do que o seu todo, que se resumirá a nada!
6 – O Complexo de Alan Moore...
Qual roteirista não teve a oportunidade de ver um roteiro do mestre Alan Moore? Se ainda não teve, sugiro que veja para compreender mais este complexo! O bruxo (vamos chamá-lo carinhosamente desta forma) descreve um pequeno quadro, muitas vezes em exatas 3 ou mais páginas. Isso mesmo! A infinidade de detalhes é imensa e isso só enriquece mais ainda a obra. É claro que a vontade de todo roteirista é ter a possibilidade de fazer algo do tipo, uma obra completamente rica que entrará para o limbo das Hqs no mundo! Porém, por mais que nossos sonhos sejam grandiosos é necessário manter os pés no chão e sua realidade é a seguinte: a grande maioria dos desenhistas preferem quadros mais limpos. O que viria a ser isso? Descrever ao desenhista somente o suficiente para a compreensão da narrativa. Talvez quando tiver um nome formado no mercado você possa usufruir deste complexo. Infelizmente por agora isso é meio que improvável, pois só causaria problemas com seu parceiro desenhista que muitas vezes possui vários serviços a realizar, não podendo focar nesses detalhes “irritantes” (seria assim considerado por ele, hehehe).
7 – Compreenda sua arte!
Uma forma de desenvolver sua arte de forma eficaz, se tornando uma referência e se destacando é compreendê-la. Descubra o que os quadrinhos podem e o que não podem ser. Quais os limites das Hqs? Existem limites? Procure entender cada elemento presentes nos quadrinhos e saiba usá-los a seu favor. Por exemplo, o apêndice é o responsável por indicar a personagem determinada fala presente em um balão. Entendendo essa função básica talvez você pudesse explorar os recursos do apêndice e ver que ele não se trata de um elemento insignificante. É possível fazer hqs sem balões, mas com a presença do discurso direto das personagens? Claro! Basta usar o apêndice! Trata-se neste caso de um recurso estético interessante utilizado por autores como Ziraldo e outros. Leia as obras e autores que se propõem a estudar os quadrinhos a fundo. Um bom começo é lendo as obras do entrevistado desta edição (o professor da USP Paulo Ramos).
Caros senhores, já é hora da partida. Espero estar ajudando e gostaria que compartilhassem suas experiências/dicas/sugestões pelo e-mail (e-mal do farra). Até a próxima!
Por Rafael Camargo de Oliveira
Só uma informação. A entrevista com o Paulo Ramos deve chegar em breve. Eu recebi um e-mail dele, me falou que tava ocupado com algumas coisas, mas irá ler essa semana com calma e respondê-la. Creio que eu receba dia 25 ou talvez um pouco depois (acho que não passa de sábado). Se não se importarem com este pequeno atraso...
Rafael Oliveira- Apagatti Meia-lua+X+O+O
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Re: TEXTOS PARA REVISÃO #22
Saiu mais um esta madrugada. Ando produtivo ultimamente. Não sei se em qualidade, mas pelo menos em quantidade.
A Confeitaria de Wölfflin
Século XVII, em algum dos antigos territórios do Sacro Império Romano-Germânico
Um pequeno comerciante que caminhava pela rua do mercado entrou em uma oficina de confecção de pães e se dirigiu ao artesão-mestre — Olá! Eu quero um bolo.
O artesão-mestre o observou com uma expressão misteriosa — Certo…! — e, após voltar trazendo de um armário algumas massas retangulares e recipientes que aparentavam conter mel e caldas doces, perguntou — Trata-se de alguma ocasião festiva?
— Pois sim! — respondeu o comerciante muito entusiasmado — É aniversário do meu filho, e quero lhe fazer uma festa tendo como temática o platonismo!
O artesão se deteve por alguns instantes o encarando do outro lado do balcão — E teu filho admira Platão?
— Sim! Bem… Quero dizer, admirava quando mais jovem. Mas faz algum tempo que não conversamos sobre o assunto.
— E quantos anos tem teu filho?
— Fará quinze. — afirmou o comerciante.
— Não, não! — o artesão explicou — Platão, isso é coisa para crianças e homens da nossa geração. Os jovens destes dias têm gostos diferenciados.
O comerciante se aproximou mais do balcão e se curvou na direção do artesão — Tu pensas assim?
— E como não?! Eu tenho algo novo aqui. Um estilo que dizem ter feito muito sucesso no Norte. Chama-se Barroco.
— No Norte? Não sei, minha esposa é um pouco conservadora. Não sei se ela aprovaria.
— Isso é só preconceito tolo. Quando ela vir do que se trata, certamente lhe cairá no gosto. Sem contar que possui certa rebeldia que atrai aos jovens. Teu filho e os seus amigos muito apreciarão. Nem imaginas o quanto esta técnica é boa para afirmar a própria imagem diante dos pares e da sociedade!
— Bem… Então acho que levarei um desses.
— Sábia escolha. O custo são duas moedas de prata.
O comerciante levou a mão ao bolso — É um pouco caro, mas como quero que meu filho tenha uma festa especial… — e colocou o valor sobre o balcão.
Após embolsar o dinheiro, o artesão tratou de colocar um tabuleiro sobre o balcão e nele alocar camadas alternadas de massas e geléias. Quando a pilha alcançou um tamanho e forma muito bonitos, explicou — Pois olha! Consegues ver aqui na lateral estas linhas? São as camadas diferentes. É claramente visível o traçado que distingue umas das outras. Há uma unidade aqui, mas ela só existe no todo que se forma da organização dos múltiplos.
Então o artesão empunhou um rolo de esticar massas e, com ele, passou a espancar sua obra espatifando-a completamente indiferente ao susto que causara no outro homem, só parando após obter uma massa amorfa e homogênea.
— Por… por que fizeste isso? — perguntou o comerciante.
Veio a explicação do artesão — Esta é a nova técnica de que falei. Aquela linearidade, aquela prisão de limitações de contornos, aquilo tudo é obsoleto. Aqui está a verdadeira unidade. A transição entre elementos é apenas pictórica. Não há mais planos. Se tentares observar a massa ou o recheio, perceberás que teus olhos são puxados ao fundo e lançados novamente à frente. Percebes como é magnífico?
O mercador fez um enorme esforço mental para se convencer de que compreendia aquilo — Claro… eu acho. Parece… Parece bom, não é?
O artesão separou uma pequena quantidade daquela gosma disforme e colocou sobre um minúsculo tabuleiro que estava um pouco mais afastado no balcão. Depois retomou sua obra ajeitando sua posição sobre o tabuleiro principal.
— Olha só! — apontou o comerciante — Caiu um pouco fora do tabuleiro! — para o um quarto do total da massa que se espalhava pelo balcão.
— Não te preocupes. — confortou o artesão — Faz parte da nova técnica. Isso de enquadrar o conteúdo dentro da moldura é bobagem. O mundo real não se enquadra perfeitamente no nosso campo de visão, então por que nossas criações deveriam?
— É, isso é uma verdade…
— Certamente concordará que emprego aqui uma técnica muito boa, e nada mais justo eu cobrar uma moeda por este efeito.
— Claro, muito justo. — concordou o comerciante ao depositar uma moeda sobre o balcão.
Após apanhar a moeda, o artesão se voltou ao pequeno tabuleiro, e nele repetiu o mesmo procedimento. Então, ao retomar os trabalhos no tabuleiro maior, relatou — Agora deve ir ao forno, como bem deves saber.
— Sim, sim. Deve ir ao forno.
O artesão apanhou o grande tabuleiro e o colocou junto ao fogo, e a mesma ação repetiu em relação ao pequeno tabuleiro. Passado alguns minutos, ambos os tabuleiros foram retirados e depositados no balcão.
— Mas o que é isso?! — reclamou o comerciante — Um dos lados do bolo está completamente queimado! E vê o outro se não está cru!
Mais uma vez o artesão lhe explicou — Pois te digo que tudo não passa de técnica. Percebe o jogo de desequilíbrio. Agora, colocando a vela na parte mais clara, cria-se a falsa sensação de luminosidade. Vê como a parte clara finge ser assim por estar iluminada pelo fogo da vela, e a parte mais distante queimada, aparenta estar nas sombras devido à distância dessa fonte de luz teatral. Pois tão maravilhoso efeito custa apenas mais uma moeda.
— Realmente, agora que falaste, percebo tal efeito. — o comerciante nem percebeu que depositara mais uma moeda sobre o balcão — Mas essa vela, ela não deveria ter um pavio?
O artesão, que acabava de colocar uma pequena vela sobre o pequeno bolo no tabuleiro menor, esclareceu — Não, não. A técnica não permite. Essa vela não está cumprindo o papel de vela, entendes? Ela está representando uma vela. Para engrandecer essa atmosfera de teatralidade, por apenas uma moeda, colocarei esta toalha vermelha sob o tabuleiro. Vês como ela parece uma cortina a se abrir para nos revelar o bolo como figura central?
— Eu… é. — o comerciante pegou mais uma moeda do seu bolso e entregou ao artesão, assim que este concluiu a colocação de um pequeno corte de pano vermelho abaixo do tabuleiro menor.
— Agora — explicou o artesão — tratamos de, com as mãos, achatar um lado do bolo assim.
— Mas ele ficou torto.
— Sim — disse o artesão ao apanhar a moeda que lhe era entregue quase como reflexo — mas esta técnica nos traz um caráter angular, um efeito de linhas diagonais muito interessante.
O comerciante examinava o bolo, enquanto o artesão achatava um dos lados do bolo menor — É que, como posso dizer? Ele não ficou muito bonito assim.
O artesão elucidou — Então me dize, tu és um homem bonito?
— Bem, confesso que não sou lá grande coisa.
— E eu? Por acaso sou eu um homem bonito?
— Com todo respeito, mas tu não estás tão melhor do que eu.
— Por certo que não, pois a maioria das coisas no mundo não são muito belas. Razoável seria se o bolo assim também fosse?
— Muito justo, claro. É que não era bem assim que eu o tinha imaginado.
O artesão balançou a cabeça em repreensão — Pobre de ti! Não vês o quão ultrapassado é querer que as coisas deste mundo sejam inspiradas em uma idéia perfeita? Estás tu a viver em uma ilusão!
O comerciante se sentiu envergonhado — Desculpa-me. Eu… Eu não sei o que dizer.
— Tu poderias dar-me uma moeda, e esqueçamos isso.
— Claro. — o comerciante teve de procurar em seu outro bolso para encontrar o disco de metal.
— Agora — retomou o artesão — peguemos esse pequeno bolo e o coloquemos sobre o grande.
— Coloquemo-lo?
— Sim. Vê que bela técnica realizo por apenas mais uma mísera moeda. Tu estarás a oferecer este bolo aos convidados. Só que, ao colocar este outro bolo sobre o bolo, alcançaremos o efeito de que o bolo que ofereces tem consciência de que é um bolo e está sendo oferecido, e assim, ele “olha” para os convidados e, por sua vez, lhes oferece um bolo. A imagem contida na própria imagem.
— É. — conclui o comerciante — Parece que ficou muito bom. Lavar-lhe-ei sim, mas antes acho que provarei um pedacinho. — e dito isso, passou o dedo em um dos cantos do doce e o levou à boca — Ahg! Mas que droga é esta?! Que gosto é este?
— Ah, deves estar a tratar do fato de que coloquei sal no lugar do açúcar. — comentou o artesão com indiferença.
— E por que diabo fizeste algo assim?!
— É parte da técnica. Reflete a natureza rebuscada do homem, bem como a teatralidade. Em sua dicotomia, o bolo tende a ser um doce, mas na verdade é salgado. Ainda assim, não deixa de se passar por um doce. Ele deseja ser uma coisa quando na verdade é outra, tem consciência de ser outra, mas isso não o faz portar-se como sendo a primeira.
O comerciante ficou indignado — E como eu comerei um bolo que deveria ser doce, mas está cheio de sal?
— É justamente esse o auge da técnica. O bolo parece um doce, mas trata-se de um salgado. Tu sabes que ele é um doce que na verdade é um salgado aparentando ser um doce, e ainda assim lhe comes como se fosse um doce representando ser alguém que come um salgado que representa um doce enquanto olhas todos os teus convidados representando que ofereces a eles um doce que é salgado que é doce representando que lhe comes como um doce enquanto representas que eles comem um doce. Não é magnífica esta técnica?! E tudo isso pela bagatela de apenas mais uma moeda!
— Estás a me ridicularizar?! — vociferou o comerciante furioso.
— Pois é evidente! Esta técnica consiste em destruir os mitos. Percebes como o meu papel de artesão disposto a agradar minha clientela e o teu papel como aquele que encomenda o serviço e fica satisfeito foram completamente desconstruídos? E por apenas o valor de uma moeda.
Depois disso, o comerciante saiu da oficina sem dizer uma palavra e, só de raiva, fundou o Neoclassicismo.
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